terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O triunfo do amor líquido

Por Adelson Vidal Alves



Zigmunt Bauman, o famoso sociólogo polonês, cunhou o termo “modernidade líquida” para caracterizar os tempos atuais onde tudo perde solidez, e as pessoas, valores e sentimentos ingressam em um grande mercado, onde as mercadorias são rapidamente descartadas ao gosto liquido do consumidor. Diante desse descarte constante de coisas, nem mesmo o mais supremo e metafísico dos sentimentos escapa. O amor, que desde sempre fez casais enamorados suspirarem em noites enluaradas, também seria um objeto na sociedade dos consumidores. A pessoa amada apenas atenderia aos padrões temporários do gosto do consumidor, e como tudo é líquido e se desfaz rápido, essa logo deixará de seduzir aquele que consome, será trocada por outra mercadoria. A era dos amores duradouros e do “eu te amo pra sempre” teria chegado ao fim (essa tese é desenvolvida no livro “amor líquido” do mesmo autor polonês).

Tal avaliação, claramente pessimista para os românticos, se levada ao pé da letra, nos faria desistir de costumes e tradições que sustentam a maior parte das sociedades ocidentais. Nisso, não devemos subestimar o papel de nossa cultura judaico-cristã, que moldou o padrão monogâmico dos relacionamentos e deu graça divina a união entre dois seres, supostamente unidos pela vontade do criador.

No entanto, sob a ótica de psicanalistas, sociólogos, antropólogos e filósofos, o amor metafísico dá lugar a análises mais concretas, e são desvendados como mecanismos da natureza humana e sua cultura. Nesse caso, não seria o caso de falar em amor no termo mágico, mas em amores, inventados pela subjetividade, construídos sob obrigações sociais, exigidos pelo medo da solidão e a carência, formados para se exibir como núcleo da felicidade. Nesse mundo amoroso, difundido pela virulência das novas redes sociais, ele se torna o grande teatro sentimental, e quem não ama tem o inferno dos pagãos descrentes, afinal, não amar é sempre sinônimo de frustração e mau humor, nunca de olhar crítico.

Mas o que a realidade grita aos nossos olhos é o triunfo absoluto do amor líquido, fundado nos alicerces frágeis da estética e do êxito material-financeiro. Como as pessoas são mercadorias, elas precisam agregar valor, para serem melhores consumidas nas sociedades dos consumidores.  A internet vende tais pessoas, com a promessa de lhes pouparem o drama do olho no olho e o trauma da rejeição, tudo acabaria com um simples offline.


Como o ser humano é cultural, ele inventa mundos, dá sentido ao que a vida se apresenta como sem sentido. Por isso as religiões, os rituais fúnebres, as supertições de fins de ano, a música, a arte. Tentar eliminar essa dimensão humana seria, a principio, uma perda de tempo. Na consciência alienada, muita coisa sai das nossas mãos para uma realidade supraterrestre. Nós, humanistas, temos dificuldade em lidar com isso. Talvez estejamos errados. 

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Mais um tiro pela culatra

Por Adelson Vidal Alves

















Dilma não é uma boa negociadora política. É mandona, autoritária, não tem o borogodó para fazer os afagos que exigem nossa democracia tropical. Arrogante, se acha a eterna e exclusiva comandante do barco, mesmo quando este esta à beira do naufrágio. Numa dessas, desprestigiou seu vice, Michel Temer, o reduzindo a bombeiro, com a tarefa única de apagar os incêndios que ora o PMDB aprontava no parlamento.

Hoje, fragilizada pela possibilidade de impeachment, vem sendo alvo de chantagens e pressões de todos os lados. Michel Temer, dispondo do momento favorável, resolveu-lhe cobrar, em carta pessoal, o desprestigio que vem sendo lhe oferecido. A epístola combina lições do jogo político com um apelo magoado por reconhecimento. O Planalto, em mais uma prova que não podemos subestimar sua capacidade de faze bobagem, providenciou o vazamento da carta, que jogou Temer para os braços da oposição pró-impeachment.

A ideia do governo era rotular Temer como um conspirador golpista, um traidor. Mas a tentativa saiu como um tiro pela culatra. Isso por que Temer não é um Ministro rebelde, ou mesmo um deputado da base aliada contrariado pela falta de atenção governista. Mas sim Vice-Presidente da República, alguém com quem Dilma divide o êxito eleitoral e suas responsabilidades de governo. Foram eleitos juntos na mesma chapa. Sendo assim, é impossível separar o governo de sua imagem.


O jeito atrapalhado do Planalto lidar com a política empurra a presidente para o isolamento, que agora vê sua base em conflito. Subestimou a força de Temer, e agora tem diante de si a tarefa urgente de recompor a aliança com Temer e o PMDB, com o risco eminente de ver uma parte de seus aliados mudarem de lado na batalha do impeachment. Ai as mudanças de cenário podem ser negativas para Dilma. 

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A questão do Estado

Por Adelson Vidal Alves



As crises costumam trazer a tona o debate quanto ao papel e a natureza do Estado. Nestes momentos, até mesmo os advogados do livre mercado e do Estado mínimo, recorrem a ele como forma de primeiro bote salva-vidas. Mas afinal, o que é o Estado? Qual sua natureza? Precisamos dele? Podemos sonhar com um mundo sem Estado?

Durante a história, vários pensadores teorizaram sobre o Estado. Thomas Hobbes, teórico do absolutismo da Idade moderna, tratava o poder estatal como regulador necessário a uma natureza humana egoísta pronta a eliminar uns aos outros. Em sua obra clássica “o Leviatã”, este Estado é fruto de um pacto que elimina liberdades individuais, entregue a um soberano com funções rígidas de controle e intervenção.

Para Hegel, o Estado é visto como a plenitude do desenvolvimento espiritual. A síntese final de um desenvolvimento histórico guiado por Deus. No Estado repousaria a organização absoluta da vida universal. Em Marx, ele é a organização de poder que se estabelece a partir das bases materiais de produção de uma determinada sociedade. Ele existiria em função da dominação de uma classe sobre outra, sendo a expressão política da opressão de um grupo sobre outro, o que fez Marx projetar uma sociedade livre tendo como condição o fenecimento do Estado.

Os dois primeiros pensadores tem no Estado uma instituição permanente, enquanto Marx condiciona a emancipação humana ao desaparecimento deste poder político. Os marxistas, então, tem um olhar negativo sobre a política, e defendem uma revolução social que seja capaz de criar um mundo de “autogoverno”. A história, no entanto, nunca se aproximou de algo neste sentido. Mesmos nos regimes que se reivindicaram inspirados em Marx, o Estado aumentou de tamanho, ao invés de diminuir, como propunha o filósofo alemão. Só que, ao contrário do que os marxistas ortodoxos imaginavam, o Estado não aumentou em autoritarismo, mas seguiu, nas sociedades ocidentais, um caminho democratizante, a ponto de se abrirem às conquistas das classes subalternas. Ele já não é mais o “comitê executivo das classes dominantes”.

As forças democráticas, em geral, estão convencidas da impossibilidade de se avançar caminhos civilizatórios por atitudes que  violem a via institucional. Isto por que, o Estado democrático de direito amadureceu pela ação direta de variados atores sociais, sobretudo, os grupos de baixo. O caminho para uma transformação social só é aceita pela via do reformismo, capaz de alterar o jogo de forças e de forma gradual estabelecer uma nova cultura de vivência, o que por sua vez forçará a renovação, ou até a abolição e criação de novas instituições.

A direita precisa de um Estado, ainda que restrito em suas funções. Mas a esquerda, que de alguma forma especula um mundo com mais liberdade, pode imaginar e sonhar com o fim do Estado. Mas esta possibilidade deve ser construída, com a ação cotidiana de democratização dos organismos modernos de Estado. Eles hoje estão abertos a criação de consensos pacíficos, formados pela luta e pelo debate de grupos socais inseridos no jogo democrático. Para usar as palavras de um dos principais documentos do Partido Comunista Italiano, deve se pensar a nova sociedade como uma “grande marcha por entre as instituições”, palavras estas que se contrapõem a estratégias como a do maoismo, que coloca a violência como via para o socialismo.

O debate deve seguir, mas o atual momento histórico exige a compreensão de que a evolução histórica ainda  necessita da existência de um Estado, aberto a pressões populares e com seu poder exercido de forma estendida a outros espaços da sociedade civil.



quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O mito Palmares

Por Adelson Vidal Alves

No ano de 1971, em Porto Alegre, uma organização negra, chamada Grupo Palmares, fez talvez a primeira comemoração do dia 20 de Novembro, data da morte de Zumbi, principal líder do maior quilombo da história brasileira. Zumbi foi capturado, morto e degolado no referido dia do ano de 1695, na região da Serra da Barriga, na capitania de Pernambuco, onde se localiza hoje o estado do Alagoas.  

Em 2003, no dia 9 de Janeiro, a lei 10.639 inclui o Dia Nacional da Consciência Negra no calendário escolar, ao mesmo tempo em que obrigava o ensino da história e cultura afro-brasileira.

A exaltação e evolução da data como referência da cultura negra se sobrepôs ao 13 de maio, data da abolição da escravidão, que até então era tida como centro das reflexões do movimento negro organizado. Vista como uma “falsa abolição”, a data é criticada por celebrar uma libertação que não houve.

Na verdade, a abolição da escravidão é tida, historicamente, como fruto de um conjunto de fatores econômicos, políticos e sociais, que não envolveram apenas a resistência negra, mas também a solidariedade de brancos no movimento abolicionista, que ganhou o mundo e pressionou o único país independente da América a ainda adotar a escravidão a se livrar dela num ato legal. A consciência negra, do Dia 20 de novembro seria, assim,  celebração unicamente do povo negro, do protagonismo exclusivo em suas lutas. Trata-se da substituição de uma data anti-racialista, para uma data racialista.

Frente a data, o movimento negro mistifica um herói: Zumbi. Tratado como líder de um quilombo democrático e que combateu a escravidão. Ele é tido como uma figura mítica, e Palmares uma metáfora do paraíso negro, liberto da opressão branca.

Só que a história mostra Palmares de uma forma bem diferente. Ao contrário de uma sociedade igualitária, prevalecia uma organização estamental, com as lideranças do grupo gozando de privilégios. Bem diferente de combater a escravidão, Palmares se relacionava com colonizadores portugueses e mantinha escravidão no seu território, o próprio Zumbi teve escravos particulares. Zumbi mandava capturar escravos e mulheres, estas últimas eram executadas caso contrariassem a liderança do Quilombo.

No dia da Consciência Negra, será comemorado um Palmares que não existiu historicamente, mas que precisa existir nas mentes, a fim de atender os projetos de movimentos e ONGs racialistas.



quarta-feira, 11 de novembro de 2015

BNCC: o fim da temporalidade no ensino de história

Por Adelson Vidal Alves

March Bloch certa vez escreveu: “a história é a ciência do homem no tempo”. Já Fernand Braudel dizia que “O historiador nunca se evade do tempo da história”. Homens como eles, pensadores e cientistas da história, sabem muito bem que a temporalidade é algo precioso na vida do historiador, e de quebra, no ensino da história.

No entanto, tal compreensão vem faltando aos “especialistas” do MEC, que vem propondo uma reforma radical no conteúdo do ensino de história,  através da Base nacional Comum Curricular (BNCC) que em sua essência, vai abolir a noção de tempo histórico. Isto por que, com a desculpa de combater o eurocentrismo, os reformadores se propõem a abolir o sistema clássico francês de divisão da narrativa histórica (antiguidade, Idade média, Idade moderna e Idade contemporânea). No lugar, entraria o estudo de culturas e “mundos” próprios de alguns povos, sobreduto o dos “ameríndios” “africanos” e “afrobrasileiros”. O aluno mergulharia em compreensões de realidades culturais cercadas por muralhas étnicas, raciais e políticas. A história universal, moldada pelos feitos da tradição greco-romana, da Renascença, do cristianismo da Idade Média, da Reforma protestante, das revoluções liberais na Europa, simplesmente desapareceria dos livros de História. No lugar, a total subserviência ao multiculturalismo, sempre disposto a fragmentar.

Tamanho absurdo recebeu críticas até mesmo do ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro. Em Outubro, Janine fez suas primeiras críticas, citando a ausência do ensino da Inconfidência Mineira, rebelião colonial que nos legou a figura de Tiradentes. Vejam só! Teríamos um herói nacional, com feriado e tudo, sem sequer ser citado nos currículos de história. Neste caso, faria todo o sentido um jovem questionar o feriado de 21 de abril, afinal “quem é Tiradentes?”.

Janine, que retardou a apresentação do BNCC de história, ainda, criticou o texto original que “ignorava quase por completo o que não fosse Brasil e África”. O ex ministro também alertou para o perigo de se “descambar para a ideologia”.

Enfim, o MEC se propõe a mutilar a História mundial, ignorar a temporalidade como elemento de construção da identidade histórica, e se concentrar nos estudos de realidades recortadas historicamente, retirando dos alunos o direito de compreenderem a totalidade, os processos de rupturas e permanências que construíram a história do mundo. Um verdadeiro desastre. 

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Sartre, Beauvoir e o jornalista apressado

Por Adelson Vidal Alves


O jornalista Aurélio Paiva, dono de um jornal de grande circulação no Sul fluminense carioca, publicou audacioso artigo em que diz que a escritora Simone Beauvoir e o filósofo Jean Paul Sartre seriam defensores de pedófilos, assim como praticantes de uma vida sexual que tratava as mulheres como objeto.

Aurélio recolhe suas informações básicas do livro “Uma relação perigosa” da historiadora escocesa Carole Saymour-Jones. Para sustentar sua narrativa, o autor se apega, ainda, em cartas póstumas de Beauvoir, assim como artigos e manifestos publicados pelo casal de intelectuais.

No entanto, algumas questões sérias foram colocadas sem a devida cautela que se exige de quem escreve um texto público, ainda mais contendo rotulações e acusações tão graves. Deve-se, também, compreender que a história não é feita por revelações mágicas  vindas de fontes solitárias que atestariam uma “verdade, pelo contrário, a história é fruto de um trabalho interpretativo do historiador, que se realiza a partir das fontes, e apesar da sua objetividade científica, ele sempre fala a partir de algum lugar. Sendo assim, tomar uma única obra com pequenos segmentos descontextualizados não é a melhor maneira de se contar a vida de uma pessoa.

Mas vamos ao artigo, intitulado “mulheres-objeto de Sarte e Simone de Beauvoir”. De início, destaco o cuidado de Aurélio a reconhecer que não há documentado qualquer caso de pedofilia envolvendo Sartre ou Beauvoir. Sim, eles tiveram relações sexuais com jovens de 16 e 17 anos, mas sempre com as suas devidas concessões. Para associar o casal à pedofilia, Aurélio teve que recuperar um manifesto assinado por ambos, onde se fazia a defesa da diminuição da idade de concessão sexual, na França daquele tempo, a idade era de 15 anos. 

É de se lembrar que Beauvoir sempre se posicionou pela emancipação de jovens como protagonistas de sua vida sexual, deixando de serem vítimas indefesas. Se isso é certo ou não, a história é outra, mas isso não significa que eles sejam pedófilos, assinaram um documento propondo a mudança de uma lei (quem assina um manifesto pedindo a legalização da maconha não é necessariamente maconheiro). É oportuno registrar que não foram apenas Sartre e Beauvoir que assinaram a petição, nomes de intelectuais de peso, como Deleuze e Foucault, também assinaram.

No artigo ainda há pequenas menções sobre, no mínimo, um silêncio dos dois em relação ao nazismo, ainda que não se repita o absurdo propagandeado de que Beauvoir era ativa colaboradora da doutrina nacional-socialista. Aurélio Paiva cita o episódio quando Simone de Beauvoir trabalhou na Rádio AVFM, controlada por nazistas. Por lhe faltar o sotaque de historiador, talvez tenha faltado a Aurélio compreender a realidade ambígua da França ocupada, o mesmo erro que muitos cometeram ao taxar de nazista o papa emérito Bento XVI, por este um dia ter sido membro da juventude nazista.

Muitos pesquisadores, como Ingrid Galster, professora de literatura alemã e estudiosa da vida de Beauvoir, garantem, depois de estudar os discursos de Beauvoir na rádio,  que não há nenhuma evidência que a escritora tenha se envolvido com o nazismo, diferente do filósofo Martin Heidegger. A posição é acompanhada pela professora de Harward, Susan Sulelman que garante não haver nenhuma prova contundente de alguma aproximação de Simone com a ideologia nazista.


Sobre Beauvoir e Sartre, sabemos que tiveram um relacionamento duradouro e livre. Não se trata de uma união aos moldes cristãos, mas acordado entre as partes, firmado sob convicções de amor e liberdade. Se erraram ao praticar algo que condenaram, isto está longe de denegrir suas imagens, construídas sob suas competências intelectuais e militantes. Estes dois pensadores contribuíram e muito para a evolução do pensamento ocidental, e nada mais infeliz que um jornalista apressado tentando desconstruir o que há séculos testemunha a história da filosofia. Há de se ter cuidado, não só para não manchar a índole de pessoas, mas, principalmente, para não deseducar a opinião pública com informações mal colocadas, para um jornalista, trata-se de um erro grave. 

Link para se ler o artigo de Aurélio Paiva: http://diariodovale.com.br/colunas/mulheres-objeto-de-sartre-e-de-simone-de-beauvoir/

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Não me lembrem de Deus, sou agnóstico

Por Adelson Vidal Alves



Nos tempos mais antigos a religião fazia todo o sentido. Como explicar a complexidade do universo, o surgimento da inteligência, o equilíbrio que relativamente preserva a existência da vida planetária? As explicações mágicas acabavam tendo supremacia, por isso o advento dos mitos, como o de Adão e Eva, o mais próximo entre nós ocidentais. Vale lembrar que mitos não são mentiras construídas por charlatães malvados, mas narrativas próprias de um tempo, que explicam coisas e acontecimentos.

Nos nossos dias, com o avanço fantástico da ciência, muito do que a religião explicava perdeu sentido. Descobrimos que não somos o centro do universo, que no Planeta Terra somos os últimos dos inquilinos, e que se algum processo de extinção vingar, somos frágeis criaturas nas mãos da seleção natural. Então, por que a religião ainda sobrevive? Por que a grande maioria das pessoas ainda toma decisões importantes da vida baseadas exclusivamente na fé?

Uma explicação rápida e marxista diria que o capitalismo produz as condições materiais para a consciência religiosa alienada, e que o homem recusa seu protagonismo vital para deitar suas esperanças em um ser estranho a si próprio. Bastaria um a revolução social que colocasse a baixo a estrutura fabricante de alienação para que Deus desapareça. Mas tal explicação, levada ao extremo, ignora a dimensão libertadora da religião, e que ela não é apenas um lugar de pessoas dóceis e obedientes, mas também o incentivo para muitos lutarem por libertação. Os exemplos estão por ai: a revolução sandinista de 1979, feita por bispos com armas na mão. Os dominicanos brasileiros, que pagaram com a vida a resistência à ditadura. Dom Helder Câmara, Dom Waldir Calheiros, Oscar Romero, Pastor Milton Schwantes, e tantos outros são provas vivas do lado libertador da fé. Sendo assim, o fenômeno religioso é muito mais complexo que imaginamos.

Mas há aqueles que negam a fé. E eles crescem cada vez mais, segundo pesquisas. Só na China, 47% das pessoas dizem não ter fé ou religião. É verdade que a existência de Deus já não traz tanto motivo para os debates. No Brasil a grande maioria é religiosa, e como se sabe, os crentes não estão dispostos a colocar sua fé a prova da razão ou da ciência. Basta crer. O ateu, também, nega veementemente Deus, e nem mesmo se um anjo aparecesse com trombetas e o levasse a um passeio pelas belezas celestiais ele estaria disposto a rever sua opinião. Afinal, poderia ser uma simples alucinação.
No entanto, entre ateus e crentes, há uma categoria, digamos intermediária: os agnósticos. A terminologia significa, etimologicamente “não conhecimento”, e na sua filosofia está a afirmação de que mesmo que Deus exista, ele não pode ser testado pela razão e pela ciência. Então, seria perda de tempo pensar na sua existência, pois ela não pode ser negada ou afirmada, a não ser pela fé, dos dois lados.

O ateísmo militante repete o fundamentalismo religioso, e tenta apresentar ao público a impossibilidade de Deus. De fato, o mundo físico não apresenta nenhuma evidência de Deus, pelo contrário, cada vez mais vemos sinais de não planejamento no universo, o que fala contra qualquer proposta de um ser supremo, inteligente e governante. Mas como dizia Carl Sagan “a ausência de evidência não é evidência da ausência”. Isto é, pode ser que no fim da vida, mesmo diante desta improvável possibilidade de existência divina, sejamos surpreendidos com alguma energia cósmica, incapaz de ser captada pela realidade empírica. Os agnósticos, assim, são aqueles que estarão um pouco mais prontos que os ateus caso esta surpresa aconteça.


No final, tudo é uma aposta. O ateu pode quebrar a cara ao chocar-se com a luz divina no fim da vida, e o crente pode ter dedicado uma vida toda, rejeitando prazeres e sacrificando escolhas, por nada. Creio que o agnóstico, ao rejeitar certezas, faz o melhor caminho. Simplesmente resolveu caminhar sem pensar em questões que não pode resolver aqui. Afinal, não custa nada esperar pra saber a verdade. De preferência, esperar bastante. 

sábado, 17 de outubro de 2015

A ineficiente guerra contra as drogas

Por Adelson Vidal Alves


Tenho convivido, nas últimas semanas, com notícias constantes de assassinatos de jovens, parte deles alunos e ex-alunos. O motivo é sempre o mesmo: o tráfico de drogas.

Para tentar combater esta realidade, usa-se sempre a mesma estratégia, a da guerra constante contra as drogas. Há quem aposte em trabalhos de conscientização contra o uso de entorpecentes, mas os resultados quase sempre são insuficientes. Isto porque, no Brasil, prevalece-se a ideia de criminalização do uso de drogas, com o uso da violência policial contra os usuários, assim como o encarceramento dos envolvidos. Há de se atentar que em nosso país não há leis que estabeleçam quantidades exatas que diferenciem usuários de traficantes, cabendo a autoridades policiais e judiciárias a definição do que é o tráfico. Na prática, prevalece o critério social e racial. Negros e pobres quase sempre acabam na cadeia.

Os assassinatos bárbaros contra jovens, seja pela polícia ou pelo tráfico, não vem do uso das drogas, mas da disputa de poder e território que se estabelece entre facções criminosas. Sendo assim, a manutenção do crime do uso das drogas acaba por manter sistemas ilegais de distribuição, e assim, a sustentação da indústria de morte e prisões, feitas pela rejeição de se legalizar o consumo com responsabilização e regulação por parte do Estado.

Seria muito mais inteligente e eficaz legalizarmos o uso das drogas leves, de inicio, e progressivamente as outras drogas. Ao descriminalizar o uso, entregando ao Estado o dever de regulação, não só o tráfico sofreria um grande impacto econômico, como os assassinatos ocorridos por conta de disputa criminosa também diminuiriam. A droga ficaria mais barata, e até o roubo para o consumo sofreria redução. De quebra, o encarceramento de pessoas cairia, aliviar-se-ia o sistema prisional e toda a sociedade sairia ganhando.

Os que são contra a legalização dizem que o uso aumentaria, afetando assim a saúde pública. No entanto, estudo realizado pelo Conselho Nacional de Drogas (JND), ligado à presidência da república uruguaia, revela que naquele país, onde o consumo de maconha é permitido, o uso da droga entre a população aumentou 1% em 2 anos, de 8,3%  para 9,3%, o menor aumento contabilizado em 14 anos. Além do mais, o índice de morte por tráfico de drogas chegou a índices próximos a zero.

A lógica simples. É muito mais eficaz deslocar a fortuna que se aplica em segurança pública e manutenção de cadeias para a área de educação e saúde pública. Garantindo aos usuários a capacidade de consumirem consciente, e de se tratarem caso se tornem viciados.
A experiência mostra que a guerra contra as drogas já fracassou. Mas o moralismo e a desinformação mantém o Brasil atrasado em relação a este debate. Enquanto isso nossos jovens seguem morrendo e sendo presos, vítimas de nossa hipocrisia.

domingo, 4 de outubro de 2015

Por que Rede Sustentabilidade

Por Adelson Vidal Alves

Nasceu a Rede Sustentabilidade. O novo partido aumenta para 35 os que estão devidamente registrados no TSE. Diante de um numero aparentemente exagerado de agremiações políticas cabe perguntar: porque Rede Sustentabilidade? O que ela traz de novo que justifique sua criação?

Antes de qualquer coisa, a Rede não é um partido pronto, e não objetiva projetos finalísticos de sociedade. Suas bandeiras se encontram com os valores democráticos e progressistas do mundo contemporâneo, mas sua organização e articulação permite a reunião de variados atores políticos, de centro, esquerda e centro-esquerda, sobretudo. O que une todos seus militantes e simpatizantes é a proposta ambiciosa de vencer a velha política, a começar por sua própria organização interna, feita em rede, superando a hierarquia burocrática que caracteriza a maior parte dos partidos tradicionais.

A Rede, ainda, pode ser considerada o eco das manifestações de Junho. A expressão política do grito das ruas, que se fez alto pela atuação das redes sociais, instrumento precioso na mobilização popular em nossos dias. A Rede se propôs sensível a toda as mudanças operadas por esta nova revolução tecnológica, fazendo desta, aliada do aprofundamento da democracia, uma das bandeiras centrais do partido.

O desenvolvimento inclusivo e sustentável é ponto importante do programa do partido. Isto é, o desenvolvimento econômico que não atenda apenas os interesses do grande capital, mas que distribua renda e respeite nossas limitações ambientais. É notório que devamos mudar nossos padrões de consumo, com a pena de ficarmos com um planeta inabitável.

A Rede não pretende ser a salvação de todos nossos problemas. Humildemente se coloca como um instrumento coletivo em construção, com a diferença que pretende vencer elementos envelhecidos de nosso sistema partidário, por isso não quer apenas uma nova forma de ser partido, mas uma revolução no sistema político representativo, preservando as instituições democráticas mas ampliando as formas de participação popular, inclusive se utilizando da internet e das novas tecnologias.


Em tempos de crise, a Rede chega pra dar respostas às problemáticas contemporâneas, sempre respeitando as pautas de um partido moderno, focando a radicalização da democracia e o desenvolvimento social e econômico de caráter inclusivo e ambientalmente sustentável. 

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Política e cultura em Volta Redonda

Por Adelson Vidal Alves



A cultura recebeu, no decorrer da história, uma série de conceitos e significados. Em outros tempos, ela estava ligada à beleza das artes. A relação e o gosto pelo belo era coisa de gente culta, de refinado talento para apreciar o que de melhor havia nas artes. Mais tarde, recebeu a função educadora, cabendo a ela o papel civilizatório de retirar as massas ignorantes e estúpidas de seu estado rude. E por fim, já nos nossos tempos, ela tem sua definição ampliada para o campo da produção simbólica que envolve os homens de todas as classes.

Como objeto de política de Estado, a cultura aparece somente na segunda metade do século XX, especialmente na França, no governo de Charles de Gaulle, que criou talvez o primeiro Ministério da Cultura em todo o mundo. Este, nas palavras do ministro André Malraux, era “encarregado de assuntos culturais”, “com a missão de garantir a maior audiência possível para o patrimônio cultural francês”, além de “promover obras de arte que enriquecem seu legado”.

Desde então, quase todos os países democráticos adotaram políticas públicas de cultura, voltadas para a promoção da diversidade cultural, assim como o fomento e a garantia da liberdade de criação artística. No Brasil, a cultura ganhou atenção ministerial entre meados da década de 1980 e início da década de 1990.

Os municípios, em geral, também criaram secretarias, fundações ou órgãos públicos responsáveis pelas políticas públicas de cultura. Em Volta Redonda não foi diferente. No entanto, a cidade jamais pode usufruir do que poderíamos chamar de uma política cultural genuína. Estranho, porque na cidade do aço a cultura ferve, não só pelo talento dos artistas locais, mas pela diversidade artística que oferece. Em 2012, às vésperas das eleições para a prefeitura, um forte movimento de artistas, poetas, músicos, e intelectuais resolveu reivindicar mais investimento público em cultura. Misteriosamente, finalizado as eleições e com a reeleição do prefeito, este movimento se dissolveu em reuniões secretas com a nova secretária de cultura, a desconhecida Rosane Gonçalves.

Rosane é ligada ao deputado fundamentalista Edson Albertassi, e pior que seu antecessor, Moacir de Carvalho, promoveu um profundo processo de cooptação da classe artística, que se calou mediante suas demandas corporativas atendidas. O movimento cultural, então forte e respeitável, se sucumbia a interesses pessoais mesquinhos, ao mesmo tempo em que fortalecia uma secretária de Cultura estranha no seu próprio cargo.

Hoje, quase 3 anos depois da reeleição de Antonio Francisco Neto, Rosane, desprovida de qualquer plataforma de cultura, segue tranquila no comando da Secretaria, sem ser incomodada pelos gritos até então histéricos que se direcionavam contra seu antecessor. Seja lá o que aconteceu, todo o fogo dos artistas de Volta Redonda foi completamente apagado no gabinete da Secretaria de cultura. Vai saber a que preço um movimento aparentemente tão disposto foi sufocado.

           
            

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Libertai os cativos

Por Adelson Vidal Alves



No ano 1757, diante da porta de uma igreja de Paris, um homem era puxado e desmembrado por quatro cavalos que o rasgaram ao meio ao puxarem seus braços e pernas para lados opostos. Antes de ser desmembrada, a vítima teve suas pernas arrancadas e seus nervos retalhados. Depois de tudo finalizado, as partes de seu corpo foram queimadas e jogadas ao vento.

A cena de terror acima narrada fez parte de um cerimonial de punição. A vítima teria sido um homem acusado de assassinato. Tais rituais públicos faziam parte do sistema de penalidades que vigorou em grande parte das monarquias no Antigo Regime. Aqui, o que valia como pena disciplinar era o suplício dos condenados, sempre em forma de espetáculo, sob o olhar de milhares de pessoas.

Nosso direito penal moderno evoluiu, a ponto das penas já não serem mais guiadas pelo paradigma do suplício, e mesmo nos países onde ainda vigora a pena de morte, as execuções se dão de forma rápida e eficiente, aos olhos de um público pequeno e selecionado.
A punição dos Estados modernos democráticos avançou ao ponto de colocarmos como principal valor penal, não mais o sofrimento e a vingança, mas a regeneração dos criminosos. Hoje, a principal instituição de aplicação de penas nas democracias mais avançadas é a prisão.

A prisão, em sua forma atual, tem basicamente dois objetivos: remover o criminoso de convívio social e sua reeducação para a vida em sociedade. Tais objetivos, no entanto, só terão razão de existir caso o condenado e toda sociedade saiam ganhando. E aqui cabe perguntar: o sistema prisional tem cumprido sua função? A sociedade vem colhendo frutos positivos do encarceramento de milhares de pessoas? A resposta é não.

No Brasil, cerca de 70% dos presidiários são reincidentes. Isto é, 7 a cada 10 presos depois de saírem da cadeia voltam a cometer crimes. A explicação é lógica. Ao serem detidos, esses criminosos são carimbados com uma marca eterna de assassinos, ladrões, estupradores etc, mesmo quando tem suas penas cumpridas. Fora da prisão não conseguem trabalho decente, são discriminados pela sociedade, e sentem dificuldades até mesmo em suas relações afetivas. O conjunto disso tudo potencializa  a chance de um novo crime. Além do mais, um criminoso ocasional, ao entrar para prisão, pode sair de lá um delinquente. Um jovem pobre que roubou para comprar remédios para mãe, em contato com a escola do crime prisional, pode sair de lá membro de uma facção criminosa, com todos os sotaques de alguém realmente perigoso para a sociedade.

Outro aspecto a ser levado em conta é o fator econômico. Quando um pai de família comete um crime e é preso, sua família perde uma importante fonte de renda. Sem amparo do Estado, está ali montada todas as condições para ser gerado novos criminosos. Neste aspecto, o encarceramento duradouro de pessoas não vem trazendo benefícios para o coletivo, pelo contrário, com tudo que nosso sistema penitenciário oferece, o mais comum é que os presos devolvidos a sociedade difundam o crime, antes um ato isolado, e agora sistematizado numa prática de vida.

Sendo assim, o que devemos fazer? Em primeiro lugar, antes de visualizarmos novas instituições penais, devemos nos concentrar em valores importantes que devem nos nortear na construção de um novo sistema de punição.


Penso que é preciso dividir responsabilidades. Antes de alguém cometer um crime, uma série de fatores articulados favoreceram a execução do ato infracional. A sociedade desigual, os problemas sociais, a correria excessiva de uma sociedade pós-industrial, a omissão dos governos na promoção de justiça, tudo isso precede o tiro do assassino, o grito do ladrão e o golpe do agressor. Não seria mais justo assumirmos uma parte dessa culpa? Mesmo que não inocentando o infrator, não seria mais eficiente e justo pensarmos em soluções conjuntas que atendam a reparação das vítimas e a recuperação humanitária do criminoso? Não ganharia a sociedade estabelecendo relações de pena e correção, de modo a evitar crimes futuros? Tá na hora de pensarmos nisso. 

sábado, 5 de setembro de 2015

O cabo de guerra da crise

Por Adelson Vidal Alves



Me parece óbvio que a permanência de Dilma na presidência só retarda ações mais ligeiras no trato da crise econômica que assola o país. Sua saída promoveria um ambiente mais propicio para que saiamos deste delicado momento. Entretanto, os caminhos democráticos para sua destituição encontram-se embaraçados no jogo de forças político.

O governo segue sem rumo, e para amenizar sua impopularidade, recorre a retóricas que tentam responsabilizar inimigos por um suposto exagero no dimensionamento da crise. Nas oposições, a incapacidade de se compreender que o momento não é o de acirrar ânimos ou mesmo destruir o PT, mas de trazer de volta ao país a normalidade da resolução pacífica dos conflitos, afastando qualquer perigo de polarizações autoritárias que ofereçam riscos às instituições.

O impeachment já reúne as condições básicas para sua realização, mas é o caminho mais perigoso, podendo causar traumas, sem falar que sua realização exige um longo e penoso processo, quando o que precisamos é uma saída rápida. O ideal seria a renúncia da presidente, e a posse imediata de seu vice Michel temer. Isso possibilitaria a criação de um pacto nacional, que aceleraria as reformas e medidas anti-crise.

Isso não significa anistiar o governo, e muito menos eliminar os necessários  embates entre  oposição e governo. Com temer, deve-se priorizar uma agenda minimamente consensual e equilibrada, restando ao PT o papel de assumir a postura de responsabilização da crise que produziu, apoiando o novo governo ou saindo e se isolando no pacto político. Às oposições e à base governista, sobretudo o PMDB e PSDB, resta a tarefa de liderarem a construção do programa político deste governo de unidade nacional.

Talvez, com isso, o próprio governo recupere fôlego, e Temer e o PMDB ganhem forças que poderiam impedir a necessária mudança que todos esperamos em 2018. Só que no atual momento a crise se apresenta como um cabo de guerra, onde ninguém consegue vencer, e o país se torna a corda, esticada pelos dois lados e cada vez mais fragilizado. Encontrar um caminho conciliatório é impedir que a corda arrebente para o lado mais fraco.



quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Carta aberta aos vereadores de Volta Redonda

Por Adelson Vidal Alves



Caríssimos vereadores de Volta Redonda, a mídia noticiou hoje que nossa casa legislativa promulgou, depois do veto do prefeito Neto,  o bizarro projeto de lei do vereador Paulo Conrado, que proíbe o debate de gênero nas escolas de Volta Redonda, assim como sua inclusão no PME. Pelo que me consta, ainda, nenhum dos senhores foi contra este projeto.

Bem, acompanhei de perto este debate, cheguei inclusive a enviar uma carta como esta ao prefeito Neto. Com o veto deste, pude participar da audiência pública que tratou o Plano de educação do município, sendo testemunha de um espetáculo lamentável comandado pelo presidente da casa, acompanhado por seus pares que, além de demonstrarem absoluta ignorância no tema, abusaram de adjetivos toscos para com os defensores do debate de gênero, os quais não vale a pena mencionar aqui.

Também sou delegado, como professor, no fórum de educação do município, onde as discussões já se dão há semanas, e em nenhum momento vi sequer um de vocês por lá. É inadmissível que em uma democracia a casa legislativa não se faça presente em um momento tão importante como esse. Estariam mesmo os senhores preocupados com as diretrizes pedagógicas do sistema de ensino da cidade? Ou seria o show midiático feito por Conrado, acompanhado pela omissão de todos, um aceno oportunista para o eleitorado conservador voltarredondense? Somente isso explicaria a pressa desnecessária para tratar o tema, que conta com conhecimento raso e superficial de todos vocês.

Claro que a vitória do projeto é uma vitória apenas simbólica. Pela graça constitucional, a sala de aula é território do professor e seus alunos, e não há lei que limite a saudável liberdade de expressão de educando e educadores. Ou estariam os senhores dispostos a vigiar os passos de nossas aulas com câmeras ou até mesmo militarização das salas de aula? A se julgar pelo trabalho de vocês não duvidaria que os senhores chegassem a tal ponto.

Nós, os educadores democratas, convictos e obedientes a ética profissional de educar para a civilização, seguiremos mantendo nosso compromisso de debater as questões contemporâneas da sociedade que se modifica dia-dia. Seguiremos trabalhando contra a discriminação de todas as espécies, o obscurantismo e o fundamentalismo religioso que querem pautar as discussões do Estado laico. Seguiremos promovendo a diversidade sexual, o pluralismo de ideias, a valorização da construção do cidadão crítico e autônomo para a sociedade.

Não somos inimigos da família, não militamos por uma bandeira ideológica homogênea, o que nos une é a fé na educação como instrumento de libertação, de luta contra a alienação, de promoção de uma sociedade mais justa, igualitária e tolerante. Leis como essa dificultam nosso trabalho, mas somos incansáveis e corajosos a ponto de enfrentar, dentro dos limites democráticos, toda e qualquer iniciativa que fira nossos sonhos.

Atenciosamente,

Adelson Vidal Alves

Professor de História



segunda-feira, 27 de julho de 2015

Lula ou Constituição de 88?

Por Adelson Vidal Alves



O ex-presidente Lula gostava de iniciar seus discursos com o bordão “Nunca na história deste país”.  O objetivo sempre foi o de exaltar os 8 anos de seu governo como marca re-fundacional do país. Nas palavras repetitivas de Lula e também de seus apoiadores, o Brasil antes da chegada do operário a presidência era marcado por desgraças e mazelas sociais. Seus governos seriam “oito anos em mais de 500 de depredação social das elites poderosas”, “uma era inovadora de preocupação com os pobres”, mesmo diante da “herança maldita” de seus antecessores, sempre tratados como “neoliberais” ou de “direita.

O fato, porém, é que para se sustentar tal discurso se faz necessário ignorar em absoluto a história. Sim, por que o processo de inclusão social brasileira, robusto e permanente no último quarto de século, não é obra exclusiva de um presidente ou partido, mas da mobilização de amplos setores da sociedade brasileira. Também, não foi a eleição de um membro das classes subalternas ao mais alto posto do poder republicano, mas sim a construção vitoriosa de uma Constituição inclusiva, que cuida da ampliação de direitos civis, sociais e políticos, não a toa chamada de “Constituição cidadã”.

Foi ela que garantiu tranquilidade institucional para o processo de inclusão social que o Brasil contemporâneo vive, que promoveu a saudável alternância de poder, sem que direitos definitivos fossem ameaçados. Veio dela a obrigação de todos os governos para com as liberdades fundamentais de uma democracia avançada, e também a base das regras do jogo que deveriam orientar a representação de nosso regime democrático. Lula, ao contrário, foi um raivoso combatente de nossa Carta magna. Seu partido a recusou, e o próprio a denegriu como sendo “vagabunda’. Ainda que hoje, mais de 20 anos depois, Lula tenha assumido que a Constituição que o PT defendia promoveria “ingovernabilidade”, o fato é que o PT jamais conseguiu se sentir a vontade com os valores que emanam de nossa Constituição. Por várias vezes tentou-se chamar plebiscitos que driblam os caminhos normais da institucionalidade, a fim de atender seus interesses de momento. Faltou ao partido, ainda, a boa relação com a harmonia dos poderes, assim como o respeito a organismos importantes da vida democrática, como a mídia, tratada sempre como “golpista” ou “burguesa”.

Hoje o ciclo petista vive sua maior crise. No entanto, ao invés de buscar saídas democráticas para o Brasil, os petistas preferiram voltar a ofensiva contra os “fantasmas do passado”, ainda que o governo tenha cedido à necessidade de buscar na oposição sustentação para a governabilidade. O que se espera dos setores oposicionistas, contudo, é que o centro da preocupação seja a salvação do país, não de um partido. O PT vive gravíssimas dificuldades, e não cabe aos denegridos por ele promoverem seu resgate.


quarta-feira, 22 de julho de 2015

O lado bom de Eduardo Cunha

Por Adelson Vidal Alves



O jeito com que Eduardo Cunha (PMDB) conduz os trabalhos da Câmara dos deputados é perfeitamente discutível. Autoritário e de convicções conservadoras, ele tem se mostrado hábil em aprovar projetos polêmicos e de interesse próprio. É conhecedor do regimento da casa e muito bem articulado no jogo político. Mas há um lado, podemos ousar em dizer “positivo”, que se esconde na figura de Cunha a frente da Câmara.

É indiscutível que é a primeira vez que, nos governos petistas, o Executivo tem um adversário de fato. Lula e Dilma remaram em mares calmos durante todo seu governo, aparelhando as duas casas legislativas e impedindo que investigações importantes caíssem sobre políticos da base aliada. Governaram tranquilos, sabendo que poderiam blindar projetos e pessoas que são fundamentais na manutenção do poder. Com Cunha, definitivamente, o legislativo ganhou em dinâmica, e a oposição pode fazer política sem enfrentar as tropas de choque montadas pelo governo. Projetos e leis importantes para a sociedade, independente dos resultados das votações, foram apresentados e votados, quebrando a paralisia dos antigos presidentes.

É elemento positivo para a democracia que o legislativo se movimente, que exponha suas contradições, que coloque as claras a real representação que sua composição demonstra. Nisso, Cunha foi fundamental. Os conflitos e os interesses setoriais foram evidenciados, tirando o véu governista que emperrava o trabalho dos parlamentares e impedia mudanças significativas no desenvolvimento dos trabalhos.

É claro que as acusações sobre Cunha devem ser investigadas, e caso algo de errado seja comprovado, deve ser afastado. Nesse caso, as oposições devem ficar atentas para evitar que o governo recupere a direção da casa, principalmente em tempos onde se discute o impeachment da presidente Dilma.

O impedimento depende de pelo menos três fatores: um fato jurídico que evidencie crime contra a manutenção do cargo, o apoio da opinião pública e uma conjuntura favorável no Congresso. Os dois primeiros elementos parecem estar claros.   O primeiro pelas pedaladas fiscais e o crime de responsabilidade da presidente frente a corrupção na Petrobrás, e o segundo devido a baixíssima popularidade de Dilma. O terceiro ainda é uma incógnita, mas com Cunha na presidência e o enfraquecimento da base de apoio, parece que o impeachment pode virar uma realidade em breve.


Em resumo, Eduardo Cunha é o tipo de figura que a política democrática dispensa, porém, devemos confessar que até nas ocasiões mais bizarras é possível tirar pontos positivos. E Cunha, podem acreditar, tem os seus. 

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Carta aberta ao prefeito Neto

Por Adelson Vidal Alves



Caríssimo prefeito Antônio Francisco Neto, deve ser de seu conhecimento que a Câmara de vereadores de Volta Redonda aprovou um Projeto de lei (054/2015), de autoria do vereador Paulo Conrado, no qual se proíbe debater questões de gênero nas escolas. Deves saber também, que o projeto foi votado entre os muros exclusivos desta casa legislativa, sem que a sociedade pudesse ter sido envolvida na discussão.

Prefeito, durante todos seus anos de governo, o senhor nunca mostrou qualquer sinal de fundamentalismo religioso, sob sua gestão, a prefeitura guardou respeito significativo a laicidade do Estado, um elemento precioso para o funcionamento de uma democracia robusta e plural em nossos dias. É sabendo disso que lhe direciono esta carta, pedindo que vete o projeto de lei, levando em conta os seguintes argumentos:

Primeiro: É de se atentar que a questão de gênero é um tema de orientação no PNE (Plano Nacional de Educaçã0) de 2014, no qual se aponta diretrizes para que a escola desenvolva a temática do gênero, de modo a promover a valorização e o respeito à diversidade sexual. Em geral, a orientação não visa nenhuma “ideologia” que ofereça riscos à família ou ponha em perigo a heterossexualidade dos alunos. A questão do gênero trabalha a realidade de um mundo onde a natureza não se apresenta sob o dogma de sexos biológicos, segundo o qual o natural seria obrigatoriamente homem e mulher, perfeitamente ajustados nos seus corpos físicos e psíquicos, sendo àquele que não se adequa a esta imposição um doente ou aberração. Parte-se do princípio que a orientação sexual é uma construção de identidade, e que sua expressão pública está no rol dos direitos individuais, uma conquista penosa de nossa sociedade contemporânea, e que é fundamento indispensável para o bom funcionamento da democracia.

Segundo: É falso as afirmações de que as escolas irão doutrinar alunos a virar gays ou algo assim. Bem, me parece óbvio que ninguém escolhe orientação sexual como se escolhe uma Escola de samba, o time de futebol ou a cor do vestido de uma festa de gala. A identidade sexual começa logo que o libido aparece, e os homossexuais, cercados da heteronormatividade, resolvem reagir , tentando fugir de sua natureza, até que aceitam ou vivam infelizes pelo resto da vida dentro dos seus “armários”. Sendo assim, não há a mínima possibilidade de alguém tornar-se gay por influência externa.

Terceiro: Está muito claro que estes PL geralmente vem de setores políticos ligados a religiosos fundamentalistas. Ora, ninguém é obrigado a concordar com a prática homossexual, mas daí trazer para a esfera pública convicções íntimas de fé, viola o principio da República laica. O senhor como prefeito tem o dever de agir conforme este princípio, de que as religiões são respeitadas em seus direitos, mas jamais devem fazer suas doutrinas tornarem-se leis a serem aplicadas a todo o conjunto da sociedade.

Quarto: O PL de Conrado pode não só atingir a questão específica de temas relativos a luta contra a discriminação, como pode até mesmo interferir na autonomia curricular de várias disciplinas, sobretudo,  história, sociologia  e filosofia. É que um professor de história poderá ser acusado de servir à “ideologia de gênero” quando contar as lutas históricas de mulheres e gays contra as opressões que sofrem. Numa aula de sociologia, analisar os novos núcleos familiares, formados por casais homoafetivos, poderá ser considerado apologia à destruição da família.

Por tudo isso, confiando em seu respeito pelo princípio republicano da laicidade do Estado é que peço que o senhor vete este PL.

Atenciosamente,

Adelson Vidal Alves

Historiador, educador e especialista em história contemporânea