Por Adelson Vidal Alves
No ano 1757, diante da porta de uma igreja de Paris, um
homem era puxado e desmembrado por quatro cavalos que o rasgaram ao meio ao puxarem
seus braços e pernas para lados opostos. Antes de ser desmembrada, a vítima teve
suas pernas arrancadas e seus nervos retalhados. Depois de tudo finalizado, as
partes de seu corpo foram queimadas e jogadas ao vento.
A cena de terror acima narrada fez parte de um cerimonial de
punição. A vítima teria sido um homem acusado de assassinato. Tais rituais
públicos faziam parte do sistema de penalidades que vigorou em grande parte das
monarquias no Antigo Regime. Aqui, o que valia como pena disciplinar era o
suplício dos condenados, sempre em forma de espetáculo, sob o olhar de milhares
de pessoas.
Nosso direito penal moderno evoluiu, a ponto das penas já
não serem mais guiadas pelo paradigma do suplício, e mesmo nos países onde
ainda vigora a pena de morte, as execuções se dão de forma rápida e eficiente,
aos olhos de um público pequeno e selecionado.
A punição dos Estados modernos democráticos avançou ao ponto
de colocarmos como principal valor penal, não mais o sofrimento e a vingança,
mas a regeneração dos criminosos. Hoje, a principal instituição de aplicação de
penas nas democracias mais avançadas é a prisão.
A prisão, em sua forma atual, tem basicamente dois
objetivos: remover o criminoso de convívio social e sua reeducação para a vida
em sociedade. Tais objetivos, no entanto, só terão razão de existir caso o
condenado e toda sociedade saiam ganhando. E aqui cabe perguntar: o sistema
prisional tem cumprido sua função? A sociedade vem colhendo frutos positivos do
encarceramento de milhares de pessoas? A resposta é não.
No Brasil, cerca de 70% dos presidiários são reincidentes. Isto
é, 7 a cada 10 presos depois de saírem da cadeia voltam a cometer crimes. A
explicação é lógica. Ao serem detidos, esses criminosos são carimbados com uma marca
eterna de assassinos, ladrões, estupradores etc, mesmo quando tem suas penas
cumpridas. Fora da prisão não conseguem trabalho decente, são discriminados
pela sociedade, e sentem dificuldades até mesmo em suas relações afetivas. O
conjunto disso tudo potencializa a
chance de um novo crime. Além do mais, um criminoso ocasional, ao entrar para
prisão, pode sair de lá um delinquente. Um jovem pobre que roubou para comprar
remédios para mãe, em contato com a escola do crime prisional, pode sair de lá
membro de uma facção criminosa, com todos os sotaques de alguém realmente
perigoso para a sociedade.
Outro aspecto a ser levado em conta é o fator econômico.
Quando um pai de família comete um crime e é preso, sua família perde uma
importante fonte de renda. Sem amparo do Estado, está ali montada todas as
condições para ser gerado novos criminosos. Neste aspecto, o encarceramento
duradouro de pessoas não vem trazendo benefícios para o coletivo, pelo
contrário, com tudo que nosso sistema penitenciário oferece, o mais comum é que
os presos devolvidos a sociedade difundam o crime, antes um ato isolado, e
agora sistematizado numa prática de vida.
Sendo assim, o que devemos fazer? Em primeiro lugar, antes
de visualizarmos novas instituições penais, devemos nos concentrar em valores
importantes que devem nos nortear na construção de um novo sistema de punição.
Penso que é preciso dividir responsabilidades. Antes de
alguém cometer um crime, uma série de fatores articulados favoreceram a
execução do ato infracional. A sociedade desigual, os problemas sociais, a
correria excessiva de uma sociedade pós-industrial, a omissão dos governos na
promoção de justiça, tudo isso precede o tiro do assassino, o grito do ladrão e
o golpe do agressor. Não seria mais justo assumirmos uma parte dessa culpa? Mesmo
que não inocentando o infrator, não seria mais eficiente e justo pensarmos em
soluções conjuntas que atendam a reparação das vítimas e a recuperação
humanitária do criminoso? Não ganharia a sociedade estabelecendo relações de
pena e correção, de modo a evitar crimes futuros? Tá na hora de pensarmos
nisso.
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