terça-feira, 25 de novembro de 2014

Um novo governo velho

Por Adelson Vidal Alves



Passada a tempestade eleitoral, que sob o marketing governista repartiu o Brasil por critérios de classe, como se Dilma falasse pelos pobres e Aécio pelos ricos, a presidente reeleita fica a vontade para montar seu novo governo. Pressionada pelo crescimento da oposição e do encolhimento de seu partido e dos aliados mais fiéis, o Planalto se articula para buscar governabilidade. E a se julgar pelas primeiras movimentações, Dilma irá buscar apoio exatamente a quem mais criticou: a tão falada “elite”.

Sim, pois as pastas da Agricultura e da Fazenda serão entregues a intelectuais orgânicos do agronegócio e do sistema financeiro. Kátia Abreu e Joaquim Levy, respectivamente. Este último é pupilo de Armínio Fraga, aliado de Aécio e possível Ministro da Fazenda caso o tucano vencesse. Ambos tem a simpatia do mercado e falam por um modelo  de Estado enxuto, ao gosto do neoliberalismo.

As mudanças que Dilma prometeu pelo slogan “Governo novo, ideias novas” parece ter sido apenas mais uma manobra de eleição, com vista a evitar perdas maiores em um eleitorado que mostrava desejo por mudanças. Dilma não venceu por méritos de seu governo, nem por convencer que sua candidatura era a melhor. Teve que se equilibrar em perfis que não era dela, denegrir adversários, fantasiar passados assombrosos, caluniar, difamar e instalar um clima de terror, a fim de formar a impressão de que seria melhor manter tudo como estava do que arriscar outros caminhos.

Venceu por pouco, e viu sua estratégia, antes infalível no duelo petistas x tucanos, mostrar esgotamento, e assistiu as oposições encorparem com qualidade, absorvendo para dentro dela setores democráticos e progressistas, com o qual terá que duelar no campo das ideias nos próximos quatro anos.  

Salvo os sindicatos e movimentos sociais cooptados, é possível que a manutenção da atual direção do governo afaste dele grupos mais à esquerda, o que o obrigará a procurar ainda mais abrigo nos setores conservadores e fisiológicos da política e da sociedade. Oportunidade para que a oposição apresente, desde já, alternativas para a governança, mostrando que a opção de Dilma por manter a mesma concepção agrícola e econômica da direita é o sinal incontestável que se esgotou como polo progressista de governo. Desta vez, tudo indica que a capitulação do PT será a maior de sua história no poder.


O novo governo velho, com suas formulas envelhecidas, promete modificar o quadro da correlação de forças e da luta de classes no Brasil, assim como redefinir o PT, de uma vez por todas abandonando o pouco que lhe restava de suas utopias de origem. 

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Pedagogia racial

Por Adelson Vidal Alves

Já há algum tempo que o 13 de maio -data da libertação dos escravos- já não é mais festejado pelo movimento negro. Justifica-se que o episódio insinua como protagonista uma branca, a princesa Isabel, que assinou a Lei Áurea abolindo a escravidão negra. Melhor seria ter um herói da cor negra, Zumbi dos Palmares, líder do mais famoso quilombo brasileiro. Celebra-se, assim, o 20 de Novembro, data de sua morte, que já é feriado em parte dos estados do país, como o Rio de Janeiro.

Fato, porém, é que nem Isabel e nem Zumbi foram lá grandes opositores à escravidão negra. A primeira foi beneficiada histórica de um ato que envolveu uma série de atores internos e externos, o segundo lutou para salvar sua pele e de outros negros. O quilombo que liderava mantinha a escravidão e negociava com o mundo escravagista, assim, não tinha nenhuma pretensão de enfrentar o sistema. Mas por que optou-se pelo 20 de Novembro?

Como dito acima, o 13 de Maio favorecia a imagem de uma "heroína" branca e de linhagem real. Não se podia, assim, manipular o imaginário a favor de uma pedagogia racial.  Sem apoio científico para dividir seres humanos em raças, as ONGs e entidades racialistas precisam trabalhar a cultura como fator de pertencimento racial.

O 20 de Novembro ganhou nome sugestivo: Consciência negra. Uma espécie de apelo para que negros se enxerguem como negros, grupo diferenciado frente a uma sociedade separada por raças.  É preciso ostentar o orgulho de pertencer a uma “raça”.  Por isso que alguns professores, lideranças comunitárias, movimentos sociais e intelectuais trabalham a fundo para fazer da data um dia para reflexão de um povo e seus mitos: a mãe África, a cultura dos tambores, etc.  A intenção é formar a unidade da consciência para o falso paradigma da raça.

A data da consciência negra poderia ser apenas mais uma rememoração de uma luta ou de uma liderança histórica. Mas, no fundo, ela foi fabricada e é usada para fins pedagógicos de um movimento que precisa da “raça” como referência de divisão social, sem o qual seus projetos de poder estariam seriamente ameaçados.


quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Desapreço pela democracia

Por Adelson Vidal Alves



Democracia não é coisa, é processo. Está sempre inacabada, e assume feições diferentes no tempo e no espaço. Seu valor universal está na inclusão constante de homens e mulheres na gestão do poder, na participação mais igualitária na distribuição da riqueza como forma de ampliação da cidadania.  Não há, ainda, uma democracia plena, perfeita, mas não nos restam dúvidas que não se trata mais de um valor de classe, concessão penosa à burguesia, mas sim de uma conquista de civilização.

No Brasil, sobretudo a partir de 88, a democracia ganhou corpo avançado no Estado de direito e em sua Constituição, a mais democrática da história. Preocupa-nos, assim, que setores da esquerda e da direita estejam hoje dando sinais de desapreço por esta institucionalidade, repetindo erros de um passado recente trágico, quando a corrida para fazer valer suas teses se davam contornando os limites da regra do jogo,  “na lei ou na marra” como dizia Francisco Julião, líder das ligas Camponesas.

Na ressaca de uma eleição presidencial tensa e agressiva, vemos grupos minoritários solicitando intervenção militar, e como resposta, a esquerda no poder decreta conselhos populares e articula Reforma Política por plebiscito, ações de afronta ao Congresso Nacional. Quando do golpe de 1964, um dos maiores erros dos defensores da legalidade foi o desencontro quanto ao fato de que não havia naquele momento outra bandeira a ser levantada senão a defesa da Constituição de 1946. O sectarismo impediu que a esquerda  enxergasse que seria preferível apoiar, nas eleições de 1965, uma candidatura moderada como a de Juscelino, ou até mesmo de direita como a de Carlos Lacerda, ambos, com suas limitações, seriam infinitamente melhores que os 21 anos de ditadura. Mas até Goulart encantou-se com o poder e as possibilidades reformistas pela via das ruas, e sugeriu manobra para que fosse possível sua reeleição, o que não permitia a Constituição da época.

Voltando aos dias de hoje, penso ser um risco engrossarmos propostas de enfrentamentos diretos, como se o Brasil vivesse uma crise revolucionária. Para os democratas, de esquerda ou liberais, o momento é de reforçar a convicção nacional do Estado democrático de direito como organização social superior no momento, capaz de operar soluções cívicas dos conflitos modernos. Não é saudável importarmos a hostilidade permanente de uma Venezuela chavista, país dividido por ideologias fabricadas sob paranoias e fantasias de ambas as partes.
Cabe-nos, aqui, reconciliar a nação, respeitar a dialética democrática oposição x situação, mas sem jamais entendê-la como exclusivamente antagônica, quando o governo pode acolher propostas da oposição e vice-versa. Caminho difícil quando os ânimos ainda insistem em polarizar dois países em dois partidos: o PSDB dos ricos, paulistas e elitistas contra o PT do Nordeste e dos pobres. Um delírio total quando se percebe que, identificando as divergências, é possível detectar que tratam-se de duas agremiações oriundas da social democracia à brasileira. Caso cessassem sua guerra permanente, o Brasil ganharia, a democracia fortaleceria e consensos democráticos seriam produzidos em um amplo e plural debate nacional.

Lamentável, porém, que a ideia anacrônica de que a democracia é burguesa- e por isso não serve de terreno revolucionário- ainda ganhe adeptos entre a juventude e lutadores populares. Gente que não percebeu que a verdadeira batalha é fortalecer os espaços democráticos, alargá-los para maior participação popular, moralizá-los e fazerem deles territórios de transformação social. Insistir no desapreço pelo Estado de direito é um caminho perigoso, e o apelo é que a unidade das esquerdas, moderados e até conservadores do campo democrático, seja capaz de forçar uma agenda reformista na sociedade, a fim de isolar os autoritários, seja da esquerda ou da direita, e definir, de uma vez por todas, que a democratização e suas instituições são as ferramentas para revoluções no Ocidente.


quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Direito à morte

Por Adelson Vidal Alves



O direito ao suicídio deveria estar previsto em toda Constituição democrática. É direito de qualquer cidadão querer por fim a sua vida quando esta se torna insuportável por torturas físicas, psíquicas ou espirituais. Em alguns casos, deveria ser dever do Estado prestar auxílio.  

O caso recente da americana Brittany Maynard reacendeu o debate quanto ao direito à morte. Com sentença marcada para seis meses, vítima de um câncer terminal, Maynard anunciou seu suicídio assistido, que veio a cumprir no último dia 1 de Novembro. Mas na história há outros casos emblemáticos. Como o caso do frade dominicano Frei Tito. Depois de se integrar a um grupo de resistência armada à ditadura, ele foi capturado e barbaramente torturado pelo delegado Sergio Fleury. Libertado, passou a sofrer com o fantasma de seu algoz, e só viu paz quando enforcou-se em agosto de 1974. Como escreveu seu colega Frei Betto, Frei Tito morreu “para buscar a unidade que havia perdido deste lado da vida”. Por fim, lembro o suicídio de amor praticado pelo filósofo André Gorz, que não suportava ver a dor que sofria sua mulher, vítima de uma doença degenerativa que se somou a um câncer. Por não ver sentido na vida sem ela, praticaram juntos o suicídio.

Em todos estes casos, não se trata de gente “fraca” e “sem fé”, como costumam ser tratado os suicidas. Pelo contrário, há coragem e autonomia, de quem escolhe a morte por consciência. Houve a escolha de não aceitar a vida imposta em condições sofríveis, preferiram o silêncio à dor, simplesmente recusaram-se a seguir vivendo sob estas condições. Não deveríamos tratar a vida como um dever, mas como direito dado a seres inteligentes, com direito a optar por seguir ou não sua jornada.

Claro, há casos em que o suicídio é resultado de patologias. De pessoas que não queriam perder a vida, mas não conseguiram suporte para seguir adiante. São situações em que a sociedade, a família, a escola e as religiões podem reverter. Afinal, muitos chegam a usar o suicídio como grito, grito este que não foi ouvido em vida. São apelos ignorados de quem queria viver, mas não via saída para seus problemas existenciais. Aqui não há uma consciência clara de rejeição à vida, comprovada em casos aonde o próprio suicida chega a se arrepender enquanto agoniza.  Nestas realidades, é possível devolver a vontade de viver, desde que a sociedade saiba ouvir e auxiliar na dor destes seres humanos.


Devermos reconhecer situações diversas no comportamento suicida, a fim de não tratarmos como simples fraqueza de quem o pratica, em alguns casos ele é recurso racional e filosófico. Viver não é um gozo absoluto que se tem direito. A existência pode perfeitamente ser interrompida por quem não se vê mais representado nela, ou quem, simplesmente, tem dela o que ela oferece de pior. A estes o direito à morte é inegociável. 

domingo, 2 de novembro de 2014

Fora Dilma?

Por Adelson Vidal Alves


Faz parte de qualquer democracia avançada a possibilidade permanente da alternância de poder por via eleitoral. O Brasil, que amadureceu sua democracia, de forma mais intensa, a partir da Carta constitucional de 1988, oferece a seu amplo leque de forças políticas a rotatividade política na gestão do Estado, sempre sustentada por regras do jogo que caracterizam o sistema político democrático. Motivo pelo qual, malgrado o nível rebaixado do debate, as eleições de 2014 apresentaram um absoluto sucesso no processo eleitoral, não só na transparência da condução como na rapidez da apuração do resultado. Sendo assim, não tenhamos dúvidas: Dilma foi reeleita presidente da República. Qualquer outra afirmação é delírio, golpismo ou má fé.

Mas o nível de agressividade do debate eleitoral acirrou ânimos, favorecendo reação autoritária tanto por parte dos governistas como de grupos oposicionistas. Os primeiros se apressaram em apresentar projetos que violam a democracia representativa, como o nefasto decreto dos conselhos populares. Já setores anti-Dilma da sociedade civil organizaram manifestações solicitando o impeachment da presidente. Até o PSDB, partido de sólida convicção democrática, cometeu o erro de pedir auditoria nas eleições. O ato foi merecidamente taxado de chororô.

Mais graves são os gritos isolados, mas sem deixar de serem preocupantes, de pessoas sugerindo intervenção militar. Em momentos no qual a polarização ideológica assume contornos extremos, aumenta-se o risco de triunfo autoritário. Não à toa o Rio de Janeiro deu o maior número de votos para a ALERJ e para o Congresso Nacional, a candidatos que assumem versões radicalizadas de esquerda e direita, Marcelo Freixo e Bolsonaro, respectivamente. 

Há um claro sentimento de perda de paciência, que favorece extremos e enfraquece eixos programáticos moderados ou de centro. Aumenta-se a perspectiva de que as soluções devem vir pela força, e não pela busca persistente de caminhos consensuais e democráticos. Pedir a saída da presidente neste momento, como alguns vem fazendo, é condenável. Não se trata de um ataque à Dilma, mas à democracia e o poder constitucional.

Sabemos que o impeachment é recurso legítimo e pertence ao arcabouço jurídico da Constituição, mas violar a vontade popular por denúncias sem comprovações é um equívoco. Se há acusações sérias, que se investigue, mas pronunciar-se por impedimento antes que nossas instituições verifiquem a autenticidade das acusações é golpismo.

Não há no horizonte risco de um golpe que nos leve a uma outra ditadura. Apesar dos acirramentos, a ordem institucional funciona bem, e a memória brasileira desarma qualquer base significativa na sociedade civil que aprove uma intervenção militar.

São vozes tímidas e isoladas, mas a história nos ensina a jamais subestimar caminhos autoritários. A política é imprevisível, e às vezes a surpresa nem sempre é positiva a nível democrático. Vale a pena vigiarmos.