quinta-feira, 21 de março de 2013

Esquerda democrática



Por Adelson Vidal Alves

O mundo contemporâneo apresenta um novo quadro de sujeitos individuais e coletivos. A realidade relativamente simples que predominou nos séculos XIX e início do XX, cederam lugar para uma complexidade social que já não se permite resumir as contradições da vida societal em questões unicamente classistas. Ainda que sob o aspecto econômico sejam visíveis as relações de conflito entre capital e trabalho, a criação de outras identidades produz inovadoras formas de disputa no campo da política e da cultura. Sendo assim, insistir em uma esquerda meramente “classista” é remar contra a maré forte que segue seus caminhos e molda a nova esfera social da vida moderna.

Uma esquerda, para nossos tempos, deve acima de tudo eleger o Estado de direito como palco exclusivo de luta política. Estratégias autoritárias de assalto ao poder simplesmente, se tornaram anacrônicas diante das formas atuais de contrato institucional, consagradas em organismos estatais que regulam a vida política por meio de negociação e construção de consensos. O socialismo advogado por esta esquerda deve, assim, ser produzido processualmente em meio às instituições democráticas, numa estratégia de guerra de posição e construção de hegemonias.

O ator revolucionário moderno já não é tão claro como nos tempos de Marx. Já em autores heterodoxos do marxismo, do qual se destaca Antônio Gramsci, a corrida revolucionária deve se pautar pela capacidade de se “fazer política” captando alianças para além das esferas exclusivas da categoria classista do trabalho. Não é a toa que o teórico italiano, em seus escritos de maturidade, abandonou a ideia de “hegemonia do proletariado”, vindo a substituí-la por “hegemonia civil ou política”. Mesmo que parte das esquerdas brasileiras continue rejeitando a democracia como valor universal, optando por utilizar-se dela e depois descartá-la, o fato é que a sociedade tomou o jogo democrático como único processo legítimo de transformação. Nosso país, que atravessou um acúmulo substantivo de “revoluções passivas”, guarda elementos autoritários na cultura, o que, porém, não impediu o Brasil de dar corpo a uma vida democrática fortemente estável e robusta.

A esquerda democrática assume desafios de se equilibrar em um contexto onde as ideologias autoritárias ainda tentam figurar uma aparência progressista, vinda particularmente de um esquerdismo caduco e fragilizado, que, contudo, teima em desqualificar o acordo democrático como sendo ele tão somente burguês, quando na verdade dele emana a vontade oriunda das lutas sociais das classes subalternas.  O desafio segue ainda pelo fato de que a obrigação política da esquerda democrática deva ser de se organizar em meio aos setores que veem na democracia o regime supremo da vida civilizatória, ainda que estes pertençam, no campo da disputa política, a grupos conservadores.

Por fim, a esquerda democrática não deve tolerar rupturas ao ordenamento democrático por nenhum dos lados. É seu dever combater tanto a direita golpista quanto a esquerda autoritária. Não chega a ser uma tarefa fácil, mas é sem dúvida o caminho único e possível pelo qual se possa sonhar o socialismo nas realidades ocidentais.

Revisão textual: Regina Vilarinhos


terça-feira, 19 de março de 2013

Sobre lobos e fantoches



Por Adelson Vidal Alves

A Câmara dos Vereadores de Volta Redonda é hoje palco de uma crise institucional e política na cidade. A legítima greve dos trabalhadores públicos do município deu as bases para que parlamentares de oposição inflamassem um discurso de impeachment do prefeito Neto, que terá requerimento votado nesta terça-feira, 19 de Março.

Os recursos legais para tal ato são pra lá de questionáveis, mas a estratégia da oposição derrotada em 2012 é tão somente sangrar o governo e minar sua governabilidade. De suas cadeiras legislativas, vereadores como o ex-prefeito Baltazar e o indignado de última hora Walmir Vitor, tentam reger a orquestra de uma platéia ingênua e raivosa, que há muito convergiu equivocadamente dois momentos distintos dos acontecimentos: a greve dos servidores e o pedido de impedimento do prefeito.

É bem verdade que o comando de greve não orientou os grevistas para que caiam no canto oportunista do golpe, ainda que sempre termine suas manifestações no terreno de onde ocorrem as manobras golpistas. O fato, porém, é que os lobos algozes de outrora, se tornaram heróis do movimento dos trabalhadores, usando não só da clássica demagogia, mas principalmente da manipulação do discurso e da velha tática dos programas de auditório de infiltrar aliados no meio do público para inflamar gritos de ordem.

Um impeachment, além de ser justo, precisa de apoio da sociedade, não é este o caso. O governo que saiu com mais de 14 mil votos de frente na última eleição, não perderia em três meses suas bases de sustentação, a menos que estivesse envolvido em um escândalo ético com devidos documentos de comprovação. Também não é este o caso.

O mais lamentável é que o impasse oportunista vindo de agentes da “Casa do Povo” desorienta a luta justa dos trabalhadores, retira o foco principal e atrapalha nos andamentos democráticos que caracterizam uma autêntica relação entre governo e as instituições de classe.

Podemos dispensar nossos videntes. O script da votação de hoje responde pela manipulação desesperada dos regentes do oportunismo, que confiam no vacilo de alguns parlamentares que se curvam ao apelo afoito de uma platéia inconscientemente dirigida, para poderem prolongar um pouquinho mais o que julgam ser um processo de desgaste do governo. A tribuna parlamentar servirá hoje de palco de uma eleição antecipada, que se depender dos lobos opositores, podem se transformar na extensão de uma eleição que teimam em tornar inacabada. Enquanto isso o PCCS sai da pauta, a categoria vira fantoche e a letargia de nossa sociedade civil se substitui pela histeria desregulada de um espetáculo de marionetes. Triste.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Cantos de oportunismo e ingenuidade



Por Adelson Vidal Alves

A proposta bizarra de um impeachment do Prefeito Antônio Francisco Neto (PMDB) protocolado pelo vereador Maurício Batista (PTN) é tão somente um recurso político de uma oposição fisiológica, assanhada com o impasse governamental instalado após a legítima greve dos servidores públicos.

O grupo de parlamentares que se reúne em torno do pedido de impedimento goza de uma história de distância das lutas populares, tendo grande parte deles ligações profundas com a CSN e grandes empresários. Obviamente não é a sensibilidade para com a dor dos servidores que move a ação destes vereadores, mas sim a perspectiva de por abaixo um governo que nas urnas os impõe derrotadas a pelo menos 16 anos.

Junto ao visível oportunismo político, se une o sentimento ingênuo de parte de nossa esquerda, que há muito desconsidera a democracia como ponto inegociável de conquista civilizatória, antes leva em conta a possibilidade de seu cancelamento, desde que se alinhe a sua proposta política, entendida como projeto político de caráter popular.

Esta esquerda não consegue enxergar que a desestabilização do jogo democrático fere vitórias da modernidade, que mediam institucionalmente os conflitos sociais do mundo atual e permitem construção de consensos por mecanismos sofisticados de ordenamento político. 

Defender um impeachment três meses depois da entrada do novo governo, empossado com sustentação de instituições jurídicas, não passa de uma tentativa oportunista de oposições desalinhadas com os valores de uma democracia refinada, que se encorpou em meio a luta madura de inteiros segmentos sociais.

Não acredito no êxito de uma empreitada golpista em Volta Redonda. Os organismos institucionais que regulam a vida política de nossa cidade estão imunes a golpes amadores, e nem aceitarão quebras de contratos democráticos em meio a pirraça de alguns parlamentares de oposição.

Que as questões justas levantadas pelos funcionários públicos se resolvam por negociação, com capacidade de concessão de ambos os lados, onde a governança de uma cidade inteira seja possível junto a necessária valorização da categoria, que serve há anos com excelência toda nossa população.

A politicagem não pode romper com conquistas de um município que teve a ocupação de um exército nas instalações operárias, mas soube resistir golpismos e caminhar satisfatoriamente para uma organização social de robusta envergadura democrática.

terça-feira, 12 de março de 2013

Jesus e Marx



Por Adelson Vidal Alves

Dois judeus, um da palestina do século I e o outro da Europa do século XIX, ainda tem seus legados teóricos e de vida muito vivos em nossos dias. O primeiro, Jesus de Nazaré, foi assassinado como condenado político, resultado de sua atuação contra o poder estabelecido, tanto religioso como secular. O segundo, Karl Marx, viveu como intelectual e teórico de uma nova sociedade, pelo qual se empenhou com fortes críticas ao sistema dominante.
Jesus, segundo relato dos evangelhos, colocou como condição de ser seu discípulo a opção preferencial pelos excluídos, tomados como portadores especiais da mensagem divina. Defendeu ainda a construção de uma nova ordem social, que chamou de Reino de Deus, no qual a solidariedade, justiça e fraternidade fossem o centro de seu núcleo civilizatório.
Karl Marx também defendeu uma nova organização social, que chamou de comunismo. Nela os elementos que emperram nossa plena humanização seriam abolidos, tais como a alienação, a propriedade privada dos meios de produção e a exploração do homem pelo homem. O alemão desenvolveu uma sofisticada teoria política, que elegeu os trabalhadores como sujeito revolucionário do sistema, inclusive com o emprego da violência. Jesus se ocupou de uma mensagem de libertação, que apelava às consciências a transformação radical da sociedade. Concentrou-se num discurso ético contra a exploração da vida social.
Jesus era um típico judeu, um religioso. Marx era ateu materialista. Ambos, contudo, compartilhavam a utopia de uma sociedade que partilhasse os bens produzidos. Se o comunista alemão produziu uma refinada teoria de produção e apropriação socializadas dos bens produzidos, o nazareno usou da metáfora da ceia e da multiplicação dos pães para denunciar um mundo que furtava de grande parte de seus habitantes o direito mais básico de um ser humano: o de comer. A Santa ceia simboliza a partilha dos alimentos, e a multiplicação dos pães a tomada de iniciativa para fazer com que a justiça seja feita aos famintos da terra.
Jesus e Marx guardam ainda o discurso forte contra os ricos. O primeiro chega a afirmar “ai dos ricos” (Lc 6-24) uma expressão de condenação veemente usada pelos profetas da época, enquanto Marx desvenda minuciosamente o processo de enriquecimento da burguesia em exploração aos trabalhadores, consolidada na famosa teoria da “mais valia”.
Karl Marx e Jesus “O Cristo” guardam, obviamente, diferenças históricas. Mas não podemos negar que entre eles há convergências utópicas quanto ao sonho de uma nova sociedade. Para se ter uma idéia, seus discípulos autênticos assumiram frentes comuns na luta contra a injustiça, que o diga as resistências às ditaduras, a revolução sandinista na Nicarágua e as fantásticas CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) fruto da teologia da libertação da América Latina, no qual Marx cumpre importante papel de análise da realidade.
Para terminar, não podemos deixar de identificar seus falsos discípulos. Os cristãos que condenam o marxismo por esse ser ateu, esquecendo-se que para Jesus é a prática que determina seu discipulado (Mt 25, 31-46) , e também os comunistas, que no poder em alguns países, proibiram o culto religioso, argumentando ser este “ópio do povo”.  Nesses casos, o dogmatismo impediu que se veja a verdadeira essência das duas doutrinas, ambas humanistas e libertadoras.