segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Ecologia e Socialismo

Por Adelson Vidal Alves

          


          Os dramas sociais da humanidade convivem nos tempos atuais com o drama ambiental. As catastrofes naturais cada vez mais constantes estão diretamente ligados ao padrão de produção e consumo do sistema capitalista. A busca excessiva pelo lucro atropela todas as formas de proposta de convivência mínima entre os homens e o meio ambiente.
           A então candidata presidencial Marina Silva no ano de 2010, abusou em campanha eleitoral da temática ambiental, tornando-se assim quase uma ícone nas questões relacionadas a luta ecológica. De fato, suas propostas demontraram correta preocupação em relação a saúde da biosfera, mas o que chama a atenção em todo o seu discurso é o fato de seu posicionamento estar restrito ao que se chamou de "desenvolvimento sustentavel", uma espécie de capitalismo verde. Marina e tantos outros, mesmo que com boas intenções, acham ser possivel resolver o problema do planeta sem questionar as relações de produção hegemonizadas pelo capital.
          Por outro lado, há marxistas que reduzem a questão ao afirmar que basta fazer a revolução socialista e todos os problemas estarão resolvidos. É por isso que muitos pensadores contemporâneos de esquerda vem cada vez mais chamado atenção para uma articulação entre o socialismo e a ecologia, o que veio a ser conhecido como Ecossocialismo.
          De forma genérica o ecossocialismo seria o esforço de pensar transformações materiais, culturais e econômicas de carater socialista ao lado de uma concepção de mundo que levasse em conta as demandas ambientais do mundo moderno, afinal, para se fazer uma revolução no mundo é preciso que o mundo permaneça existindo.
          Apesar de todo o alarme mundial quanto as questões ecológicas, as reivindicações do ecossocialismo encontram barreiras até mesmo entre os socialistas. É paradoxal que o maior ataque a legislação ambiental dos últimos anos tenha vindo de um dito comunista, Aldo Rebelo (PC do B), que em aliança com o agronegócio estão propondo uma reforma no código florestal, que abre espaço para mais devastação, assim como anistia aos desmatadores. Nos assusta também o fato do governo Dilma, teoricamente abarrotado de gente que um dia se disse socialista, propor obras de significativo impacto ambiental, como o Belo Monte e a transposição do Rio São Francisco, o primeiro para beneficiar empreiteiras e a segunda para enriquecer os fazendeiros do ramo de crustáceos e frutas tropicais. Não podemos esquecer que o veneno dos transgênicos teve porta aberta pelo governo Lula, inclusive enquanto Marina era Ministra do Meio Ambiente.
         Impossível resolver a questão da sobrevivência do globo sem se repensar uma revolução integral, econômica, cultural e ética. Precisamos de novas formas de sociabilidade, de valores, de cuidado com a natureza e um compromisso humano com a vida na terra. Enquanto houver capitalismo este dialogo é impensável.


sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O movimento Negro e o mito da raça

Por Adelson Vidal Alves

            
             No inicio do século XIX, por ocasião da vinda família real portuguesa para o Brasil, alguns artistas que compunham a comitiva de Dom João VI sugeriram ao mesmo a importação de modelos europeus, argumentando que os nativos de nossa terra não serviriam para elaboração de seus trabalhos, numa visão clara de inferiorização dos modelos de matrizes africanas que aqui estavam.
            Em 1933, o sociólogo Gilberto Freire publicou seu grande clássico Casa Grande e Senzala. Polêmico, o livro critica a idéia de desqualificação da mestiçagem, ao mesmo tempo que insinua que a negritude era incorporada nos mestiços de forma subalterna, perdendo assim, suas particularidades. Por fim, Freire tinha por interesse demonstrar que no Brasil a “mistura racial” criou um ambiente de vivência cordial entre as raças.
            Na Alemanha Nazista, as leis de Nuremberg levaram ao extremo a Eugenia, proibindo matrimônios e relações sexuais entre alemães e as chamadas “raças inferiores”.
           Pode parecer estranho, mas há algo em comum entre estes três relatos. Nenhum deles poderia se sustentar se nestes períodos históricos estivessem cientificamente claro, como nos dias de hoje, de que os seres humanos não se dividem em famílias raciais. O avanço da genética jogou por terra a tese de que a cor da pele ou traços estéticos de um ser humano possa ser base de separação racial entre os homens.
           Entretanto, o “mito da raça” sobrevive, ganhando cada vez mais espaços institucionais, e de forma paradoxal, o principal agente desta luta é o chamado movimento negro, que se dizem organizar na luta por igualdade racial.
            O ano de 1978 é apontado por especialistas como o inicio de organização do movimento negro no Brasil, quando um grupo de manifestantes protestaram nas escadarias do teatro de São Paulo contra a morte de um operário negro na delegacia de policia e a expulsão de 4 atletas negros de um clube paulista. Daí em diante, através de várias oscilações reivindicativas, o movimento cresce e consegue significativa projeção no ano de 1988, exatamente no centenário da abolição, momento em que a deputada Benedita da Silva leva para a assembléia constituinte demandas do movimento. Nesta ocasião, se incorpora a constituição brasileira leis de corte racial. Mesmo que houvesse divergências dentro das várias entidades racialistas que surgem com mais força neste período, o setor hegemônico que prevalece são exatamente aqueles que defendem a inclusão de órgãos de caráter racial nos espaços estatais. Desta forma, podemos perceber que em várias esferas governamentais surgem organismos de governo compostos por negros na intenção de pensar políticas públicas de categoria racial.
            As lideranças do movimento trabalharam em cima do discurso de que as estatísticas mostravam uma clara desigualdade social entre negros e brancos. Sem a mínima preocupação de ser reducionista na simples divisão racial brasileira entre brancos e negros, o movimento vai começar a bater forte na tecla de políticas públicas que garantam formas privilegiadas de ascensão do negro na esfera social. A inspiração vem basicamente dos EUA, particularmente durante a gestão do presidente Nixon que patrocinou o conhecido “Plano Filadélfia” no final da década de 1960, que dava privilégios aos negros no ingresso ao mercado de trabalho. Hoje sabemos que apesar da óbvia ampliação de negros no mercado formal, os Estados Unidos convivem nos dias atuais com uma cultura segregacionista.
            Sem querer desqualificar por completo os números de instituições sérias que atestam a excussão social negra, devemos adotar uma postura crítica a certos discursos de linha de frente do movimento negro. Muitos deles mostram que a renda dos brancos é quase o dobro da renda dos negros. Pois bem, o cientista político César Benjamim em seu belo artigo Racismo não, republicado no livro Bom combate, demonstra que a alta renda dos chamados brancos se explica pelo fato de que a grande concentração de renda está nas mãos de milionários e bilionários da chamada cor branca. Com tanta renda e propriedade na mão de poucos brancos, numa metodologia de divisão per capta da renda, é claro que os brancos, considerados minoria por estas estatísticas, irão ter seu padrão de vida mais alto do que a dos negros. Todavia numa analise mais profunda podemos chegar a conclusão que no Brasil vigora uma pequena elite econômica privilegiada no topo da pirâmide social, convivendo com uma ampla maioria na base excluída de serviços básicos do Estado, estes não são apenas negros. No Brasil a pobreza tem todas as cores.
            Seja como for, é fato que entre as décadas de 1990 e inicio do século XXI, particularmente na gestão petista no poder central do país, as políticas raciais ganharam significativa força institucional. O governo Lula criou uma secretaria para tratar assuntos raciais, apoiou programas de qualificação profissional direcionados as chamadas comunidades afrobrasileiras, além é claro do incentivo da criação de cotas raciais em várias universidades públicas.
            Parece bizarro, mas houve momento em que o deputado Vicentinho (PT-SP) propôs um projeto de lei que oficializava o “Hino a Negritude”, composição do professor Eduardo de Oliveira. O deputado petista justificou o projeto como sendo uma forma de lembrar a importância da cultura negra na formação da identidade brasileira. Contudo,  a letra do hino enaltece a raça negra no estilo de quem historicamente sempre quis fazer prevalecer a cultura opressora. Nos versos “Levantado no topo dos séculos, mil batalhas viris sustentou, este povo imortal QUE NÃO ENCONTRA RIVAL..” percebe-se claramente que a idéia não é valorizar um aspecto cultural de matriz africana na construção do cenário brasileiro, pelo contrário, a auto-exaltação da negritude ignora a faceta multicultural de nossa formação nacional, quebrando assim o esforço histórico da criação de laços fraternais dentro de uma nacionalidade culturalmente plural. Hitler teria feito algo parecido em relação a raça ariana.
            Por fim, chegamos ao ponto alto e recente da “racialização” do Estado brasileiro. Em 2010 foi aprovado o Estatuto da Igualdade Racial. Em sua proposta original, a igualdade republicana era totalmente ignorada.  Falava-se de cotas para apresentações culturais, incentivos fiscais a empresas que contratassem e negros e pasmem, criava uma política de saúde especifica a comunidade negra, como se houvesse na anatomia humana cromossomos raciais. O texto foi aprovado com modificações, mas ainda sim firma o caminho desastroso da construção de um Estado brasileiro “racialista” e “segregador” que ao invés de centrar ações universalizadoras faz opção por dividir a nação em paradigmas de raça, conforme padrões de séculos passados.
            Neste 20 de novembro, dia da Consciência Negra, é dever de cidadãos refletirmos os caminhos que devemos seguir como nação, seja para fortalecermos o espírito de igualdade republicana ou para manter os preconceitos de segregação que atormenta nossa história

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Os excluídos contra o capitalismo

Por Adelson Vidal Alves



           Marx no século XIX pensava que os operários fabris seriam os coveiros do sistema capitalista. Para o pensador alemão a socialização da produção e o avanço das forças produtivas criaria uma ampliação do proletariado, assim como a degradação da vida social dos mesmos, o que criaria as condições para uma revolução social contra o sistema do capital.
          Hoje, no século XXI, constatamos que Marx errou. O operariado diminuiu e a luta dos trabalhadores fez avançar vários direitos trabalhistas e uma elevação global de sua renda. Entretanto, a reorganização do capitalismo impôs uma reestruturação produtiva que abriu espaço para o aprofundamento da exploração da mais valia relativa e assim uma profunda metamorfose do ser social do trabalho.
         Os sindicatos e as entidades de classe perderam força, o mundo do trabalho se diversificou e fragmentou, novos paradigmas de luta como as questões raciais e de gênero surgiram no horizonte e o sistema econômico global criou uma multidão de excluidos, desorganizados politicamente mas que cada vez mais vão reagindo a sua situação. A esquerda parece incapaz de compreender tamanha mudança. Se agarra dogmaticamente a jargões ultrapassados, faz análises conjunturais sob conceitos que já não dão conta de nossa nova realidade, e pior, se organizam anacronicamente para a luta. O resultado é que as novas forças sociais emergentes do anticapitalismo vão buscando formas inovadoras de luta. Pelas redes sociais, em novos movimentos sociais ou mesmo em pequenos grupos debate, em comum o fato de rejeitarem as formas hierarquizadas e burocratizadas dos partidos políticos.
          Na Europa, onde a esquerda sempre foi forte, esta não consegue ser a voz destes novos excluidos do capitalismo globalizado. Os rejeitados do capitalismo global mostram uma capacidade incrível de auto-organização, mas pecam grosseiramente no momento de criar alternativas a ordem estabelecida, ou seja, aplicam golpes ao capital, mas não conseguem articular um novo modelo societal.
          Os partidos políticos ainda são os grandes organizadores universais da construção de um novo poder, mas precisam se reinventar para acolher a demanda democrática dos novos atores sociais anti-capital.
         Diante de uma  crise econômica corremos o risco de em meio as fragmentações e fragilidades do capitalismo sofrermos uma derrota política e ideológica que refaça a organização da exploração e bloqueie a construção de um mundo mais solidário e humano.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A ocupação da USP

Agradeço a meu amigo Jorge Gonzaga, o Gim, por ter repassado este importante relato de uma menina que presenciou todo o episódio da reintegração de posse na USP. Sem a pretenção de ser a verdade absoluta dos fatos pelo menos deve servir para mostrar o outro lado da moeda que a grande midia não quer mostrar.




Por Shayene Metri, terça, 8 de Novembro de 2011 às 23:10

Cheguei na USP às 3h da manhã, com um amigo da sala. Ia começar o nosso 'plantão' do Jornal do Campus. Outros dois amigos já estavam lá. A ideia era passar a madrugada lá na reitoria, ou pelas redondezas. 1) para entender melhor a ocupação, conhecer e poder escrever melhor sobre isso tudo. 2) para estarmos lá caso a PM realmente aparecesse para dar um fim à ocupação.
Conversa vai, conversa vem. O tempo da madrugava passava enquanto ficávamos lá fora, na frente da reitoria, conversando com alunos da ocupação. Alguns com posicionamentos bem definidos (ou inflexíveis), outros duvidando até das próprias atitudes. A questão é: os alunos estavam lá e queriam chamar atenção para a causa (ou as causas, ou nenhuma causa)...e, por enquanto, era só. Não havia nada quebrado, depredado ou destruído dentro da tão requisitada reitoria (a única marca deles eram as pixações). A ocupação era organizada, eles estavam divididos em vários núcleos e tinham medidas pra preservar o ambiente. Aliás, nada de Molotov.
Mais conversa foi jogada fora, a fogueira que aquecia se apagou várias vezes e eu levantei a pergunta pra alguns deles: e se a PM realmente aparecesse lá logo mais? Seria um tiro no pé dela? Ela sairia como herói? Os poucos que conversavam comigo (eram uns 4, além dos amigos da minha sala) ficaram divididos. "Do jeito que a mídia está passando as coisas, eles vão sair como heróis de novo", disse um. "Se ele vierem vai ter confronto e isso já vai ser um tiro no pé deles", disse outra. Mas, numa coisa eles concordavam: poucos acreditavam que a PM realmente ia aparecer.
Eu achava que a PM ia aparecer e muito provavelmente isso que me fez ficar acordada lá. Não demorou muito e, pronto, muita coisa apareceu. A partir daí, meu relato pode ficar confuso, acho que ainda não vou conseguir organizar tudo que eu vi hoje, 08 de novembro.
Muitos PMs chegaram, saindo de carros, motos, ônibus, caminhões. Apareceram helicópteros e cavalaria. Nem eu e, acredito, nem a maior parte dos presentes já tinham visto tanto policial em ação. Estávamos em 5 pessoas na frente da reitoria. Dois estudantes que faziam parte da ocupação, eu e mais 2 amigos da minha sala, que também estavam lá por causa do JC. Assim que a PM chegou, tudo foi muito rápido:

os alunos da ocupação que estavam com a gente sugeriram: "Corram!", enquanto voltavam para dentro da reitoria. Os dois amigos que estavam comigo correram para longe da Reitoria, onde a imprensa ainda estava se posicionando para o show. Eu, sabe-se lá por qual motivo, joguei a minha bolsa para um dos meninos da minha sala e voltei correndo para frente da reitoria, no meio dos policiais que avançavam para o Portão principal [e único] da ocupação.
Tentei tirar fotos e gravar vídeos de uma PM que estava sendo violenta com o nada, para nada. Os policiais quebravam as cadeiras no carrinho, faziam questão do barulho, da demonstração da força. Os crafts com avisos dos estudantes, frases e poemas eram rasgados, uma éspecie de símbolo. Enquanto tudo isso acontecia, parte da PM impedia a imprensa de chegar perto da área, impedindo que os repórteres vissem tudo isso. Voltando para confusão onde eu tinha me enfiado: os PMs arrombaram a porta principal, entraram (um grupo de mais ou menos 30, eu acho) e, logo em seguida, fecharam o portão. Trancaram-se dentro da reitoria com os alunos. Coisa boa não era.
Depois disso, o outro grupo de PMs,que impedia a mídia de se aproximar dessas cenas que eu contei , foi abrindo espaço. Quer dizer, não só abrindo espaço, mas também começando (ou fortalecendo) uma boa camaradagem para os repórteres que lá estavam atrás de cenas fortes e certezas.
"Me sigam para cá que vai acontecer um negócio bom pra filmar ali agora", disse um dos militares para a enxurrada de "jornalistas".
A cena era um terceiro grupo de PMs, arrombando um segunda porta da reitoria, sob a desculpa de que queria entrar. O repórter da Globo me perguntou (fui pra perto deles depois da confusão em que me meti com os policiais no início): "os PMs já entraram, não? Por que eles tão tentando por aqui também?". Respondi: "sim, já entraram. E provavelmente estão fazendo essa cena pra vocês terem algum espetáculo pra filmar"
A palhaçada organizada pelos policiais e alimentada pelos repórteres que lá estavam continuou por algumas horas. A imprensa ia contornando a reitoria, na esperança de alguma cena forte. Enquanto isso, PM e alunos estavam juntos, dentro da Reitoria, sem ninguém de fora poder ver ou ouvir o que se passava por lá. Quem tentasse entrar ou enxergar algo que se passava lá na Reitoria, dava de cara com os escudos da tropa de choque, até o fim.
Enquanto amanhecia, universitários a favor da ocupação, ou contra a PM ou simplesmente contra toda a violência que estava escancarada iam chegando. Os alunos pediam para entrar na reitoria. Eu pedia para entrar na reitoria. Tudo que todo mundo queria era saber o que realmente estava acontecendo lá dentro. A PM não levava os estudantes da ocupação para fora e o pedido de todo mundo era "queremos algo às claras". Por que ninguém pode entrar? Por que ninguém pode sair?
Enquanto os alunos que estavam do lado de fora clamavam para entrar, ouvi de um grupo de repórteres (entre eles, SBT): "Não vamos filmar essas baboseiras dos maconheiros não! O que eles pedem não merece aparecer". Entre risadas, pra não perder o bom humor. Além dos repórteres que já haviam decidido o que era verdade ou não, noticiável ou não, tinham pessoas misturadas a eles, gritando contra os estudantes, xingando. Eu mesma ouvi muitas e boas como "maconheirazinha", "raça de merda" e "marginal" .
Os estudantes que enfrentavam de verdade os policiais que faziam a 'corrente' em torno da Reitoria eram levados para dentro. Em questões de segundos, um estudante sumia da minha frente e era levado pra dentro do cerco. Para sabe-se lá o que.
Lá pras 7h30, depois de muito choro, puxões e algumas escudadas na cara, comecei a ver que os PMs estavam levando os estudantes da ocupação para dentro dos ônibus. Uma menina foi levada de maneira truculenta, essa foi a única coisa que meu 1,60m de altura conseguiu ver por trás de uma corrente da tropa de choque. Enquanto eu tentava entrar no cerco, para entender a história, a grande mídia já estava lá dentro. Fui conversar com um militar, explicar da JC. Ouvi em troca "ai, é um jornal da usp. De estudantes, não pode. Complica".
Os ônibus com os alunos presos saíram da USP. Uma quantidade imensa de outros alunos gritavam com a PM. Eu e os dois amigos da minha sala (aqueles da madrugada) pegamos o carro e fomos para a DP.
Na DP, o sistema era o mesmo e meu cansaço e raiva só estavam maiores. Enjoo e dor de cabeça, era o meu corpo reagindo a tudo que eu vi pela manhã. Alunos saiam de 5 em 5 do ônibus para dentro da DP. Jornalistas amontoados. Familiares chegando. Alunos presos no ônibus, sem água, sem banheiro, sem comida, mas com calor. Pelo menos por umas 3h foi assim.
Enquanto a ficha caia e eu revisualizava todo o horror da reintegração de posse, outras pessoas da minha sala mandavam mensagens para gente, de como a grande imprensa estava cobrindo o caso. Um ato pacífico, né Globo? Não foi bem isso o que eu vi, nem o que o JC viu, nem o que centenas de estudantes presenciaram.

Enfim, sou contra a ocupação. Sempre tive várias críticas ao Movimento Estudantil desde que entrei na USP. Nunca aceitei a partidarização do ME. Me decepciono com a falta de propostas efetivas e com as discussões ultrapassadas da maioria das assembléias. Mas, nada, nada mesmo, justifica o que ocorreu hoje. Nada pode ser explicação pra violência gratuita, pro abuso do poder e, principalmente, pela desumanização da PM.
Não costumo me envolver com discussões do ME, divulgar textos ou participar ativamente de algo político do meio universitário. Mas, como poucos realmente sabem o que aconteceu hoje (e eu acredito que muita coisa vai ser distorcida a partir de agora, por todos os lados), achei que valeria a pena escrever esse texto. Taí o que eu vi.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O movimento operário em Volta Redonda

Por Adelson Vidal Alves



No próximo dia 9 de Novembro completa-se 23 anos da morte brutal de 3 operários na histórica Greve da Companhia Siderúrgica Nacional, a CSN. A data se tornou marco de resistência operária e colocou Volta Redonda entre as cidades que lutaram bravamente contra as politicas perversas do Governo de José Sarney.
Mais de duas décadas depois muita coisa mudou no movimento operário da cidade do aço, e infelizmente, a memória da bravura de nossos trabalhadores a cada dia que passa fica mais ameaçada. Nossos jovens mal conhecem o episódio de 1988 e se desenvolvem dentro de uma cultura que praticamente elimina diariamente o imaginário de uma cidade berço da industrialização brasileira e palco de um dos mais violentos conflitos de classe da Nova Republica.
A década de 1990 significou uma inflexão no perfil classista da luta operária, momento que a Força Sindical vence as eleições do Sindicato dos Metalúrgicos e daí em diante estabelece um sindicalismo de negócios e conciliação. Em 1993 a CSN é privatizada, demite mais de 15000 funcionários e a igreja progressista, ponto de apoio aos movimentos trabalhistas, faz uma guinada eclesial conservadora com o Bispo Dom João Maria Messi. Os partidos de esquerda e os outros movimentos populares desapareceram ou sofreram metamorfoses ideológicas e assim sociedade civil voltaredondense se fragiliza e abre um ciclo de "despolitização" de toda a população, assim como um recuo dramático nas lutas sociais.
Os elementos que permitiram uma cultura de resistência nos movimentos sociais da década de 80 foram afetados pela derrota ideológica do ideário progressista, cedendo espaço para a hegemonia do neoliberalismo e seus valores de individualismo e competição. Os governos sucessivamente eleitos trabalharam duro na diminuição dos espaços públicos de debate, na consolidação do “pensamento único” e a na derrota das utopias alternativas ao domínio do capital. Volta Redonda não escapou a todo este processo e minguou anos de marasmo político-ideológico.
Uma luz, contudo, surgiu no ano de 2006. A nível internacional percebia-se certo esgotamento da hegemonia liberal e o aparecimento de novas alternativas se firmaram no plano institucional. Em Volta Redonda, o sindicalismo metalúrgico de resultado da Força Sindical sofreu derrota importante para as forças populares que construíram um amplo leque de alianças de caráter progressista. A vitória de Renato Soares, colocou teoricamente fim a uma era de 14 anos na cidade do aço de uma prática sindical em harmonia com o capital e abriu expectativa para um novo ciclo da luta operária em Volta Redonda.
Hoje, 5 anos depois desta vitória histórica, Renato Soares retrocedeu as práticas conciliadoras de seu antecessor pelego. Repetiu o autoritarismo e golpes eleitorais, se afastou das bases, se deleitou nas vantagens do conforto de gabinete, oferecidos pelos recursos volumosos da entidade, e pior, se assanhou na possibilidade de aumentar seu poder político candidatando-se a prefeito.
A mosca azul picou Soares, a ponto inclusive de devolver o Sindicato aquela mesma central sindical que ajudou a privatizar a CSN.
O 9 de Novembro deste ano repetirá a festança minguada do sindicalismo pelego e desconsiderará por completo a valorosa história da luta de classes.
Há de se travar uma luta pela memória dos trabalhadores, construindo espaços culturais e educacionais que resgate o imaginário operário, retorne ao trabalho de base, crie um novo foco de oposição a atual direção do Sindicato dos Metalúrgicos, além de um esforço acadêmico maior de nossos intelectuais no estudo da temática.
           Parafraseando Marx “a história se repete: primeiro em forma de tragédia (vitória da Força Sindical em 1992) e depois em forma de farsa (vitória de Renato Soares)”. Assim caminha o movimento operário de Volta Redonda.