quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

O comunismo nos dias de hoje

Por Adelson Vidal Alves


A revolução russa de 1917, junto com a Primeira grande guerra, abriu o breve século XX, para usar o termo do renomado historiador Eric Hobsbawn.  Sua derrocada, ainda, encerrou o mesmo século, quando em 1991 a URSS é desintegrada e a longa disputa ideológica da Guerra fria se encerra. O golpe do fim do regime soviético atingiu todo o movimento comunista internacional, que desde então, nunca mais foi o mesmo.

Nos dias atuais poucos países reivindicam-se comunistas. São os casos da Coreia do Norte, China e Cuba. Em comum, o fato de manterem o unipartidarismo e o autoritarismo político. Com exceção da China, integrada a globalização, mantém-se fechados ao mundo e passando por grandes dificuldades econômicas. Os mais direitistas diriam que o comunismo está morto. Estaria mesmo?

É fato que a grande parte das análises sobre os erros na história do comunismo do Leste europeu formam o consenso de que a ausência de democracia foi fator importante para o fracasso desta experiência. Ao contrário do que defendia Karl Marx, fundador do socialismo científico, os governos do chamado “socialismo realmente existente” apostaram na força coerciva do Estado como mecanismo de transição para uma sociedade pós-capitalista. Ignoraram que o comunismo só pode triunfar quando a dimensão coerciva do Estado desaparece e as ferramentas de consenso prevalecem.

Mesmo na Guerra fria assistimos a tentativa de alguns partidos comunistas de combinarem democracia e socialismo. Foi o caso do saudoso Partido Comunista Italiano, o PCI, fundado por Antonio Gramsci, e que insistiu na tese da via italiana ao socialismo. Não só utilizando-se da democracia, mas fazendo dela, como proferiu o secretário geral do PCI, Enrico Berlinguer, terreno no qual deveria se erguer uma legítima sociedade socialista. A guerra de posição, usada pelos comunistas italianos, utilizou alianças pontuais com os democratas cristãos, um compromisso de governo que seria um dia superado pela hegemonia dos comunistas, inaugurando, desta forma, uma sociedade democrática e socialista.

Bem antes, no Chile, uma outra experiência de via democrática ao socialismo mostrava força, com a chamada Unidade Popular Chilena, de Salvador Allende, que só não foi mais longe por interferência direta dos EUA com um golpe militar.


O Comunismo que está em crise nos dias atuais é exatamente o comunismo autoritário e inspirado no velho marxismo-leninismo. O sonho de uma sociedade igualitária e fraterna permanece vivo, e os comunistas, cada vez mais, vão se convencendo da centralidade da democracia na preocupação das forças progressistas. Os que ainda insistem na ditadura do proletariado, no centralismo democrático e em revolucionarismos insurrecionais acabam sendo anacrônicos, saudosistas e sem nada a contribuir para os tempos modernos, onde a principal conquista foi a consolidação da democracia como valor universal e o Estado democrático de direito como forma superior de organização social. A mais avançada que conseguimos construir até hoje. 

domingo, 14 de dezembro de 2014

Esquerda em Volta Redonda, hoje

Por Adelson Vidal Alves


A cidade de Volta Redonda sediou uma série de lutas das classes subalternas. A mais importante delas foi a greve de 1988, que deixou três vitimas fatais, assassinadas pelo exército. Por aqui, uma série de organizações da sociedade civil protagonizaram e interferiram na construção do imaginário de uma cidade antes operária e hoje cada vez mais prestadora de serviços. O sindicalismo metalúrgico, classista e combativo, foi tão forte que fez um operário, Juarez Antunes, ascender a prefeitura da cidade. Por uma fatalidade, ficou menos de dois meses no poder.

Nunca pudemos ter, assim, um governo de esquerda. Também não tivemos um de direita, nem mesmo Wanildo. Percorremos anos no chamado centro político, que, com suas variáveis, modernizaram a cidade e resolveram a maior parte dos problemas sociais que assolam muitas cidades do país. Malgrado a dívida que os governos vem mantendo com os servidores públicos, Volta Redonda apresenta índices sociais muito bons.

Mas e a esquerda? Como se comportou nestes tempos? Qual sua realidade hoje?

É perceptível o encolhimento, tanto da esquerda política como social, nos últimos 20 anos. A década de 1990, com a implantação das chamadas reformas de Estado de FHC e também com a privatização da CSN, fez as forças conservadoras ganharem terreno e a esquerda se fragmentar. Em alguns casos, com a profissionalização de movimentos sociais, penou-se o transformismo.  

Hoje, o sindicalismo metalúrgico se curvou à concepção economicista de resultados, as associações de bairro perderam a autonomia e hoje se aglomeram numa entidade autoritária, a FAM (presidida há anos por uma mesma pessoa com cargo no governo). O movimento estudantil se trancou nos muros das universidades e escolas, e o sindicalismo em geral oscila entre radicalismos estéreis e paralisias.

Os partidos políticos, então, foram os mais atingidos pela crise. O PT até que sobreviveu, mas com poucos quadros qualificados, tendo emplacado um vice-prefeito sem apoio consensual do partido. O PCdoB, que dirigiu anos o movimento estudantil e influenciou nas oposições sindicais, hoje se resume a pequenos cargos no governo e com apenas um parlamentar na Câmara, ainda sim, com poucas ligações ideológicas. Perdeu quase todas as entidades de base.

Com crescimento, apenas o PSOL, que soube melhor aproveitar os ventos rebeldes de Junho e aumentar suas fileiras na juventude, recrutando espíritos inquietos e remanescentes das famosas Jornadas de 2013.  Mantém, entretanto, modesto crescimento eleitoral, e está longe de  se firmar como um partido com vocação de governo.

PSB, PDT e PPS sobrevivem, com este último fazendo um esforço de reestruturação, mas ainda sofrendo com a cultura despolitizada que contamina o município.

É grave, assim, que não só as esquerdas estejam em crise. Mas é notório e preocupante a ausência quase que total de uma esquerda democrática, renovada com seu compromisso pela democracia e o Estado de direito. A hegemonia de grupos conservadores, em disputa com esquerdas cooptadas e radicalizadas, parece ser o resumo da luta ideológica na cidade, que está esvaziada, atingida pela prevalência da pequena política. Talvez fosse a hora da esquerda compreender a necessidade de se autotransformar, abandonar sectarismos e dogmatismos, e ingressar de vez no terreno democrático, como sendo ele o exclusivo lugar da luta pelas transformações que historicamente ela defende. 

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A fé do Jesus histórico

Por Adelson Vidal Alves



Ele influencia bilhões de pessoas em todo mundo, e ainda hoje é um enigma para os historiadores. O homem que dividiu a história do ocidente, literalmente ao meio, ainda é objeto de debates entre teólogos, cientistas e pessoas comuns. Cada qual a sua maneira entrega devoção a Jesus, o “Cristo” para alguns, o filho de Deus enviado em sacrifício pelos pecados da humanidade. Aquele que ressuscitou ao terceiro dia e há de vir julgar vivos e mortos. Para outros, porém, é um espírito evoluído, ou apenas um profeta entre tantos.

Mas o Jesus que a ciência investiga talvez caísse para trás caso voltasse a terra e se defrontasse com a doutrina mais difundida sobre sua pessoa. Pesquisas recentes, na arqueologia, na historiografia e na filologia, demonstram que Jesus jamais teve a pretensão de fundar uma Igreja. Sua intenção, no máximo, seria a de reformar o judaísmo. Membro dos movimentos milenaristas acreditava no fim dos tempos para breve, por isso não pensou numa religião peregrina. O fim do mundo, para o Jesus histórico, seria questão de dias.

Ele também não se entregou espontaneamente à morte, que foi consequência de sua atuação política (por isso morreu na cruz, e não por apedrejamento, pena guardada aos hereges). Incomodou mais Roma que a elite judaica. Aliás, a cena da troca de Pilatos por Jesus não tem registro nos costumes hebraicos. Provavelmente, ela foi obra dos evangelistas que, temendo perseguição de Roma, preferiram um Pilatos “que lavava as mãos por um inocente” ao sanguinário implacável que revela os documentos encontrados recentemente.  Os Judeus foram então responsabilizados.

A fé de Jesus estava em perfeita conformidade com o Judaismo, salvo por seu apreço aos mais pobres, colocados no centro de sua mensagem. Não tinha a intenção de salvar o mundo com sua morte, tal consciência é obra de interpretação das comunidades cristãs, que necessitavam de uma justificativa para a morte humilhante do Messias que deveria salvar Israel. A ressurreição, também, seria outra forma de apaziguar o fracasso de Jesus.

Sim, pois seu empenho em construir o Reino de Deus fracassou. Poucos acolheram sua mensagem. A falta de documentos extra-evangélicos, comprovam que sua caminhada entre nós foi percebida por uma pequena minoria. O nosso Jesus era apenas um entre tantos outros que se reivindicava Cristo.  

O Jesus que nos revela a história é um homem de mensagem simples, indignado com as injustiças de seu tempo, devoto a um Deus que prefere os pobres e repudia a ganância. É o filho de um carpinteiro pobre de Nazaré, que entrou em contato com a vida agrícola (suas parábolas são cheias de alegorias rurais) e que pode ter tido algum acesso a literatura grega. 

Sua morte foi reinterpretada por seus seguidores,  produziu versão mística e ganhou o mundo com Paulo de Tarso, de quem procede a maior parte da doutrina protestante e católica sobre Cristo. Todo o discurso de sua volta ao mundo para buscar a Igreja não deve ter pertencido a sua consciência. Jesus morreu certo de que era mais um a cumprir os mandamentos do Deus Hebreu, jamais imaginaria que bilhões de pessoas ainda o aguardassem de volta e que seria ele o Juiz de todos os nossos destinos. Ainda que atormente a mente de alguns, a simplicidade do Jesus histórico, sem tantos atributos divinos, é bem mais atraente que aquele “Rei dos reis”. O Jesus do presépio é bem mais encantador que o messias poderoso. Por ele, até mesmo os ateus guardam seu apreço.


terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Por uma Polícia sem farda

Por Adelson Vidal Alves



Se buscarmos as primeiras raízes da polícia militarizada no Brasil  chegaremos  a República velha, quando as oligarquias regionais criaram seus grupos armados. Mas a institucionalização da PM acontece em 1969, no auge do terror do regime militar. Hoje, 29 anos depois da redemocratização brasileira, a estrutura das polícias militares seguem as mesmas diretrizes daquele tempo terrível. O treinamento, a cultura e o regimento interno da corporação são de uma entidade montada para guerra, como se nossa vida social se resumisse a guerras. A PM não foi capaz de se atualizar para a vivência democrática e republicana, permanece sustentando a mesma estrutura de uma máquina bélica pronta para liquidar os inimigos.

A Polícia, dentro de uma democracia, deve ser o instrumento da segurança pública, de proteção aos cidadãos contra a criminalidade que oferece riscos a saúde social. Porém, na prática, há a permanência persistente de excessos, que fez o Conselho de direitos humanos da ONU sugerir ao Brasil o fim de sua PM.  Para se ter uma ideia, a chamada “tropa de elite”, o BOPE, em seu treinamento anuncia: “Homens de preto qual é sua missão? Invadir favelas e deixar corpo no chão” uma confissão de assassinato e criminalização da pobreza, dentro dos limites de um órgão de Estado. Uma verdadeira aberração.

A PEC 51, cujo entre os autores está um dos maiores especialistas em segurança pública, o antropólogo Luiz Eduardo Soares, visa abolir a atual PM, e cria possibilidades para a unificação das polícias, que poria fim às desigualdades e rivalidades que existem entre elas. Pois, é bom ressaltarmos, a desmilitarização da Polícia não significa por fim a ela, pelo contrário, busca formas de aperfeiçoamento da instituição. Pesquisas recentes mostram que policiais de baixa patente apoiam o fim da PM, sabem o beneficio que traria para si próprios, seja no trato com a sociedade seja na sua vida profissional. A postura hostil da população em relação a PM é direcionada as práticas autoritárias e violentas que nascem de seu perfil militarizado.


O fim da PM, pronta para guerra e cheia de inimigos e alvos fatais, é um ganho para a sociedade democrática. Não significa ceder ao crime, mas de formatar formas modernas de combate, sem que civis sejam sacrificados pela estratégia truculenta da militarização. O fim da PM seria um ganho para todos, principalmente para os policiais. Difícil entender por que seguimos nos negando a fazer este debate.