segunda-feira, 27 de julho de 2015

Lula ou Constituição de 88?

Por Adelson Vidal Alves



O ex-presidente Lula gostava de iniciar seus discursos com o bordão “Nunca na história deste país”.  O objetivo sempre foi o de exaltar os 8 anos de seu governo como marca re-fundacional do país. Nas palavras repetitivas de Lula e também de seus apoiadores, o Brasil antes da chegada do operário a presidência era marcado por desgraças e mazelas sociais. Seus governos seriam “oito anos em mais de 500 de depredação social das elites poderosas”, “uma era inovadora de preocupação com os pobres”, mesmo diante da “herança maldita” de seus antecessores, sempre tratados como “neoliberais” ou de “direita.

O fato, porém, é que para se sustentar tal discurso se faz necessário ignorar em absoluto a história. Sim, por que o processo de inclusão social brasileira, robusto e permanente no último quarto de século, não é obra exclusiva de um presidente ou partido, mas da mobilização de amplos setores da sociedade brasileira. Também, não foi a eleição de um membro das classes subalternas ao mais alto posto do poder republicano, mas sim a construção vitoriosa de uma Constituição inclusiva, que cuida da ampliação de direitos civis, sociais e políticos, não a toa chamada de “Constituição cidadã”.

Foi ela que garantiu tranquilidade institucional para o processo de inclusão social que o Brasil contemporâneo vive, que promoveu a saudável alternância de poder, sem que direitos definitivos fossem ameaçados. Veio dela a obrigação de todos os governos para com as liberdades fundamentais de uma democracia avançada, e também a base das regras do jogo que deveriam orientar a representação de nosso regime democrático. Lula, ao contrário, foi um raivoso combatente de nossa Carta magna. Seu partido a recusou, e o próprio a denegriu como sendo “vagabunda’. Ainda que hoje, mais de 20 anos depois, Lula tenha assumido que a Constituição que o PT defendia promoveria “ingovernabilidade”, o fato é que o PT jamais conseguiu se sentir a vontade com os valores que emanam de nossa Constituição. Por várias vezes tentou-se chamar plebiscitos que driblam os caminhos normais da institucionalidade, a fim de atender seus interesses de momento. Faltou ao partido, ainda, a boa relação com a harmonia dos poderes, assim como o respeito a organismos importantes da vida democrática, como a mídia, tratada sempre como “golpista” ou “burguesa”.

Hoje o ciclo petista vive sua maior crise. No entanto, ao invés de buscar saídas democráticas para o Brasil, os petistas preferiram voltar a ofensiva contra os “fantasmas do passado”, ainda que o governo tenha cedido à necessidade de buscar na oposição sustentação para a governabilidade. O que se espera dos setores oposicionistas, contudo, é que o centro da preocupação seja a salvação do país, não de um partido. O PT vive gravíssimas dificuldades, e não cabe aos denegridos por ele promoverem seu resgate.


quarta-feira, 22 de julho de 2015

O lado bom de Eduardo Cunha

Por Adelson Vidal Alves



O jeito com que Eduardo Cunha (PMDB) conduz os trabalhos da Câmara dos deputados é perfeitamente discutível. Autoritário e de convicções conservadoras, ele tem se mostrado hábil em aprovar projetos polêmicos e de interesse próprio. É conhecedor do regimento da casa e muito bem articulado no jogo político. Mas há um lado, podemos ousar em dizer “positivo”, que se esconde na figura de Cunha a frente da Câmara.

É indiscutível que é a primeira vez que, nos governos petistas, o Executivo tem um adversário de fato. Lula e Dilma remaram em mares calmos durante todo seu governo, aparelhando as duas casas legislativas e impedindo que investigações importantes caíssem sobre políticos da base aliada. Governaram tranquilos, sabendo que poderiam blindar projetos e pessoas que são fundamentais na manutenção do poder. Com Cunha, definitivamente, o legislativo ganhou em dinâmica, e a oposição pode fazer política sem enfrentar as tropas de choque montadas pelo governo. Projetos e leis importantes para a sociedade, independente dos resultados das votações, foram apresentados e votados, quebrando a paralisia dos antigos presidentes.

É elemento positivo para a democracia que o legislativo se movimente, que exponha suas contradições, que coloque as claras a real representação que sua composição demonstra. Nisso, Cunha foi fundamental. Os conflitos e os interesses setoriais foram evidenciados, tirando o véu governista que emperrava o trabalho dos parlamentares e impedia mudanças significativas no desenvolvimento dos trabalhos.

É claro que as acusações sobre Cunha devem ser investigadas, e caso algo de errado seja comprovado, deve ser afastado. Nesse caso, as oposições devem ficar atentas para evitar que o governo recupere a direção da casa, principalmente em tempos onde se discute o impeachment da presidente Dilma.

O impedimento depende de pelo menos três fatores: um fato jurídico que evidencie crime contra a manutenção do cargo, o apoio da opinião pública e uma conjuntura favorável no Congresso. Os dois primeiros elementos parecem estar claros.   O primeiro pelas pedaladas fiscais e o crime de responsabilidade da presidente frente a corrupção na Petrobrás, e o segundo devido a baixíssima popularidade de Dilma. O terceiro ainda é uma incógnita, mas com Cunha na presidência e o enfraquecimento da base de apoio, parece que o impeachment pode virar uma realidade em breve.


Em resumo, Eduardo Cunha é o tipo de figura que a política democrática dispensa, porém, devemos confessar que até nas ocasiões mais bizarras é possível tirar pontos positivos. E Cunha, podem acreditar, tem os seus. 

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Carta aberta ao prefeito Neto

Por Adelson Vidal Alves



Caríssimo prefeito Antônio Francisco Neto, deve ser de seu conhecimento que a Câmara de vereadores de Volta Redonda aprovou um Projeto de lei (054/2015), de autoria do vereador Paulo Conrado, no qual se proíbe debater questões de gênero nas escolas. Deves saber também, que o projeto foi votado entre os muros exclusivos desta casa legislativa, sem que a sociedade pudesse ter sido envolvida na discussão.

Prefeito, durante todos seus anos de governo, o senhor nunca mostrou qualquer sinal de fundamentalismo religioso, sob sua gestão, a prefeitura guardou respeito significativo a laicidade do Estado, um elemento precioso para o funcionamento de uma democracia robusta e plural em nossos dias. É sabendo disso que lhe direciono esta carta, pedindo que vete o projeto de lei, levando em conta os seguintes argumentos:

Primeiro: É de se atentar que a questão de gênero é um tema de orientação no PNE (Plano Nacional de Educaçã0) de 2014, no qual se aponta diretrizes para que a escola desenvolva a temática do gênero, de modo a promover a valorização e o respeito à diversidade sexual. Em geral, a orientação não visa nenhuma “ideologia” que ofereça riscos à família ou ponha em perigo a heterossexualidade dos alunos. A questão do gênero trabalha a realidade de um mundo onde a natureza não se apresenta sob o dogma de sexos biológicos, segundo o qual o natural seria obrigatoriamente homem e mulher, perfeitamente ajustados nos seus corpos físicos e psíquicos, sendo àquele que não se adequa a esta imposição um doente ou aberração. Parte-se do princípio que a orientação sexual é uma construção de identidade, e que sua expressão pública está no rol dos direitos individuais, uma conquista penosa de nossa sociedade contemporânea, e que é fundamento indispensável para o bom funcionamento da democracia.

Segundo: É falso as afirmações de que as escolas irão doutrinar alunos a virar gays ou algo assim. Bem, me parece óbvio que ninguém escolhe orientação sexual como se escolhe uma Escola de samba, o time de futebol ou a cor do vestido de uma festa de gala. A identidade sexual começa logo que o libido aparece, e os homossexuais, cercados da heteronormatividade, resolvem reagir , tentando fugir de sua natureza, até que aceitam ou vivam infelizes pelo resto da vida dentro dos seus “armários”. Sendo assim, não há a mínima possibilidade de alguém tornar-se gay por influência externa.

Terceiro: Está muito claro que estes PL geralmente vem de setores políticos ligados a religiosos fundamentalistas. Ora, ninguém é obrigado a concordar com a prática homossexual, mas daí trazer para a esfera pública convicções íntimas de fé, viola o principio da República laica. O senhor como prefeito tem o dever de agir conforme este princípio, de que as religiões são respeitadas em seus direitos, mas jamais devem fazer suas doutrinas tornarem-se leis a serem aplicadas a todo o conjunto da sociedade.

Quarto: O PL de Conrado pode não só atingir a questão específica de temas relativos a luta contra a discriminação, como pode até mesmo interferir na autonomia curricular de várias disciplinas, sobretudo,  história, sociologia  e filosofia. É que um professor de história poderá ser acusado de servir à “ideologia de gênero” quando contar as lutas históricas de mulheres e gays contra as opressões que sofrem. Numa aula de sociologia, analisar os novos núcleos familiares, formados por casais homoafetivos, poderá ser considerado apologia à destruição da família.

Por tudo isso, confiando em seu respeito pelo princípio republicano da laicidade do Estado é que peço que o senhor vete este PL.

Atenciosamente,

Adelson Vidal Alves

Historiador, educador e especialista em história contemporânea