quinta-feira, 9 de julho de 2015

Carta aberta ao prefeito Neto

Por Adelson Vidal Alves



Caríssimo prefeito Antônio Francisco Neto, deve ser de seu conhecimento que a Câmara de vereadores de Volta Redonda aprovou um Projeto de lei (054/2015), de autoria do vereador Paulo Conrado, no qual se proíbe debater questões de gênero nas escolas. Deves saber também, que o projeto foi votado entre os muros exclusivos desta casa legislativa, sem que a sociedade pudesse ter sido envolvida na discussão.

Prefeito, durante todos seus anos de governo, o senhor nunca mostrou qualquer sinal de fundamentalismo religioso, sob sua gestão, a prefeitura guardou respeito significativo a laicidade do Estado, um elemento precioso para o funcionamento de uma democracia robusta e plural em nossos dias. É sabendo disso que lhe direciono esta carta, pedindo que vete o projeto de lei, levando em conta os seguintes argumentos:

Primeiro: É de se atentar que a questão de gênero é um tema de orientação no PNE (Plano Nacional de Educaçã0) de 2014, no qual se aponta diretrizes para que a escola desenvolva a temática do gênero, de modo a promover a valorização e o respeito à diversidade sexual. Em geral, a orientação não visa nenhuma “ideologia” que ofereça riscos à família ou ponha em perigo a heterossexualidade dos alunos. A questão do gênero trabalha a realidade de um mundo onde a natureza não se apresenta sob o dogma de sexos biológicos, segundo o qual o natural seria obrigatoriamente homem e mulher, perfeitamente ajustados nos seus corpos físicos e psíquicos, sendo àquele que não se adequa a esta imposição um doente ou aberração. Parte-se do princípio que a orientação sexual é uma construção de identidade, e que sua expressão pública está no rol dos direitos individuais, uma conquista penosa de nossa sociedade contemporânea, e que é fundamento indispensável para o bom funcionamento da democracia.

Segundo: É falso as afirmações de que as escolas irão doutrinar alunos a virar gays ou algo assim. Bem, me parece óbvio que ninguém escolhe orientação sexual como se escolhe uma Escola de samba, o time de futebol ou a cor do vestido de uma festa de gala. A identidade sexual começa logo que o libido aparece, e os homossexuais, cercados da heteronormatividade, resolvem reagir , tentando fugir de sua natureza, até que aceitam ou vivam infelizes pelo resto da vida dentro dos seus “armários”. Sendo assim, não há a mínima possibilidade de alguém tornar-se gay por influência externa.

Terceiro: Está muito claro que estes PL geralmente vem de setores políticos ligados a religiosos fundamentalistas. Ora, ninguém é obrigado a concordar com a prática homossexual, mas daí trazer para a esfera pública convicções íntimas de fé, viola o principio da República laica. O senhor como prefeito tem o dever de agir conforme este princípio, de que as religiões são respeitadas em seus direitos, mas jamais devem fazer suas doutrinas tornarem-se leis a serem aplicadas a todo o conjunto da sociedade.

Quarto: O PL de Conrado pode não só atingir a questão específica de temas relativos a luta contra a discriminação, como pode até mesmo interferir na autonomia curricular de várias disciplinas, sobretudo,  história, sociologia  e filosofia. É que um professor de história poderá ser acusado de servir à “ideologia de gênero” quando contar as lutas históricas de mulheres e gays contra as opressões que sofrem. Numa aula de sociologia, analisar os novos núcleos familiares, formados por casais homoafetivos, poderá ser considerado apologia à destruição da família.

Por tudo isso, confiando em seu respeito pelo princípio republicano da laicidade do Estado é que peço que o senhor vete este PL.

Atenciosamente,

Adelson Vidal Alves

Historiador, educador e especialista em história contemporânea

Um comentário: