Por Adelson Vidal Alves
Caríssimo prefeito Antônio Francisco Neto, deve ser de seu
conhecimento que a Câmara de vereadores de Volta Redonda aprovou um Projeto de
lei (054/2015), de autoria do vereador Paulo Conrado, no qual se proíbe debater questões
de gênero nas escolas. Deves saber também, que o projeto foi votado entre os
muros exclusivos desta casa legislativa, sem que a sociedade pudesse ter sido
envolvida na discussão.
Prefeito, durante todos seus anos de governo, o senhor nunca
mostrou qualquer sinal de fundamentalismo religioso, sob sua gestão, a
prefeitura guardou respeito significativo a laicidade do Estado, um elemento
precioso para o funcionamento de uma democracia robusta e plural em nossos
dias. É sabendo disso que lhe direciono esta carta, pedindo que vete o projeto
de lei, levando em conta os seguintes argumentos:
Primeiro: É de se atentar que a questão de gênero é um tema
de orientação no PNE (Plano Nacional de Educaçã0) de 2014, no qual se aponta
diretrizes para que a escola desenvolva a temática do gênero, de modo a
promover a valorização e o respeito à diversidade sexual. Em geral, a
orientação não visa nenhuma “ideologia” que ofereça riscos à família ou ponha
em perigo a heterossexualidade dos alunos. A questão do gênero trabalha a
realidade de um mundo onde a natureza não se apresenta sob o dogma de sexos
biológicos, segundo o qual o natural seria obrigatoriamente homem e mulher,
perfeitamente ajustados nos seus corpos físicos e psíquicos, sendo àquele que
não se adequa a esta imposição um doente ou aberração. Parte-se do princípio que
a orientação sexual é uma construção de identidade, e que sua expressão pública
está no rol dos direitos individuais, uma conquista penosa de nossa sociedade
contemporânea, e que é fundamento indispensável para o bom funcionamento da
democracia.
Segundo: É falso as afirmações de que as escolas irão
doutrinar alunos a virar gays ou algo assim. Bem, me parece óbvio que ninguém
escolhe orientação sexual como se escolhe uma Escola de samba, o time de
futebol ou a cor do vestido de uma festa de gala. A identidade sexual começa
logo que o libido aparece, e os homossexuais, cercados da heteronormatividade,
resolvem reagir , tentando fugir de sua natureza, até que aceitam ou vivam
infelizes pelo resto da vida dentro dos seus “armários”. Sendo assim, não há a
mínima possibilidade de alguém tornar-se gay por influência externa.
Terceiro: Está muito claro que estes PL geralmente vem de setores políticos ligados a religiosos fundamentalistas. Ora, ninguém é obrigado a concordar com a prática homossexual, mas daí trazer para a esfera pública convicções íntimas de fé, viola o principio da República laica. O senhor como prefeito tem o dever de agir conforme este princípio, de que as religiões são respeitadas em seus direitos, mas jamais devem fazer suas doutrinas tornarem-se leis a serem aplicadas a todo o conjunto da sociedade.
Quarto: O PL de Conrado pode não só atingir a questão específica
de temas relativos a luta contra a discriminação, como pode até mesmo
interferir na autonomia curricular de várias disciplinas, sobretudo, história, sociologia e filosofia. É que um professor de história
poderá ser acusado de servir à “ideologia de gênero” quando contar as lutas
históricas de mulheres e gays contra as opressões que sofrem. Numa aula de
sociologia, analisar os novos núcleos familiares, formados por casais homoafetivos,
poderá ser considerado apologia à destruição da família.
Por tudo isso, confiando em seu respeito pelo princípio
republicano da laicidade do Estado é que peço que o senhor vete este PL.
Atenciosamente,
Adelson Vidal Alves
Historiador, educador e especialista em história
contemporânea
Muito bom!
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