segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O CHEFE DA QUADRILHA



Por Adelson Vidal Alves

A Ação Penal 470, que ficou conhecida como Julgamento do mensalão, teve seu desfecho em 50 mil páginas processuais, com 600 testemunhas ouvidas, 53 sessões realizadas num período de oitos anos, 38 réus e 25 condenados. Tudo feito sob o maior rigor constitucional, e consumada com a sentença da mais alta Corte de um regime democraticamente sólido como o brasileiro.

Há quem ainda considere as condenações como sendo frutos de uma perseguição midiática contra o partido hegemônico no poder. Somente os incautos, os cínicos, os politicamente interessados e os “inocentes úteis” ainda sustentam tamanha fantasia. O PT e seus aliados bem que tentaram organizar protestos contra o STF, ameaçando a estabilidade institucional. Felizmente, a população não comprou a idéia, e os atos só contaram com a presença de sindicalistas burocratas, militantes profissionais e filiados fanáticos. Prova de que nossa cultura mantém relativa imunidade contra discursos golpistas.

O esperneio do poder se justifica pelo fato da condenação atingir significativamente a cúpula do partido da presidência. Figuras importantes da direção petista foram apontadas como operadores do esquema de corrupção que desviou dinheiro público na compra de votos de parlamentares para projetos de interesse do governo Lula. Entre os ilustres condenados estão José Dirceu, ex-Ministro da casa Civil, e José Genoino, ex-presidente do PT e deputado licenciado. Ambos são tidos como cérebros principais do esquema. Mas e Lula? O presidente da República teria sido enganado durante todo este tempo, desconhecendo por completo o complexo sistema de corrupção que envolveu vários órgãos do Estado? Não podemos ter certeza sobre estas questões.

É intrigante, no entanto, que o mandatário maior da República sequer tenha desconfiado de uma movimentação tão ampla e com envolvimento direto de seus aliados de confiança. Até porque, não falamos de um político ingênuo e de primeira viagem, mas sim de um líder talentoso, com experiência em articulações de poder e admirável inteligência política. É, deveras, estranho que tudo tenha acontecido por fora de sua vontade. O que ganhariam os principais operadores do esquema, aprovando projetos de interesse presidencial sem ganhar reconhecimento do patrão?

Lula reconheceu o mensalão. Pediu desculpas a nação e se disse traído. A presidenta Dilma preferiu não questionar a decisão, e só assumiu gestos simbólicos a favor dos condenados do seu partido. Não atenderam ao apelo de seus correligionários, que queriam posições mais firmes das estrelas maiores do partido a favor dos mensaleiros. O silêncio de ambos mostra cautela de interesse eleitoral. Mas sobre Lula pesa a dúvida de que não compensaria tomar protagonismo num episódio que envolve seu governo, e que poderia inclusive trazer seu nome para futuras investigações.

É verdade que denúncias diretas contra o ex-presidente não existam. Seu nome foi citado uma ou duas vezes por órgãos de acusação, mas sem muito peso. Não há provas e nem evidências que confirmem sua participação no esquema. Mas sejamos racionais. É sim possível que Lula não só soubesse como tenha sido o principal mentor intelectual do esquema. É pouco provável que subordinados políticos ao presidente se arriscassem sozinhos em uma operação tão grande. 

Enfim, o papel de acusação e denúncia é das instituições competentes. Mas é de bom grado não nos darmos satisfeitos com os resultados finais. A ausência de provas contra o ex-presidente o faz juridicamente inocente temporário, mas não significa que devamos recolher nossas suspeitas. Afinal, não é incomum que quadrilhas inteiras sejam desmanteladas poupando seus chefes.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Zumbi, Palmares e os mitos



Por Adelson Vidal Alves


No dia 20 de Novembro, data da consciência negra, celebra-se a memória de Zumbi dos Palmares, líder negro que dirigiu o maior Quilombo de escravos do Brasil no século XVII: o Quilombo dos Palmares. Zumbi teria nascido por volta de 1655, na Capitania de Pernambuco, vindo a ser criado e educado por um padre. Liderou o Quilombo que chegou a ter dezenas de milhares de habitantes, foi capturado e morto em 20 de Novembro de 1695. O consenso historiográfico sobre Zumbi e Palmares, no entanto, para por aqui.

A figura de Zumbi esteve e até certo modo ainda está sob uma roupagem heróica, o que tem dificultado muito o debate histórico. Mesmo nas escolas os livros didáticos vem se dedicando há anos a construir a imagem de um bravo guerreiro contra escravidão, que fundou um quilombo de resistência onde vários escravos podiam viver livremente e combater o sistema escravocrata. Esta narrativa vem sendo questionada por um grupo significativo de historiadores. Segundo novas pesquisas, Palmares teria sido um lugar onde viviam escravos refugiados que procuravam salvar sua pele, mas que jamais se propôs a derrubar a escravidão negra. Não seria, ainda, uma comunidade igualitária e democrática, mas sim uma organização hierárquica, com leis rigorosas, que punia com morte seus dissidentes- “É uma mistificação dizer que havia igualdade em Palmares, Zumbi e os grandes generais do quilombo lutavam contra a escravidão de si próprios”, diz Ronaldo Vainfas, professor da Universidade federal Fluminense e autor do Dicionário do Brasil Colonial. Na mesma linha vai o consagrado historiador José Murilo de Carvalho, que escreve em seu livro Cidadania no Brasil: “os quilombos mantinham relações com a sociedade que os cercavam, e esta sociedade era escravista. No próprio quilombo dos Palmares havia escravos. Não existiam linhas geográficas separando a escravidão da liberdade".

Na passagem do livro de Carvalho, fazemos mais uma constatação importante. Além de não combater a escravidão, Palmares admitia a escravidão no seu interior, até porque tal prática era comum na África. Obviamente que a lógica escravista do Quilombo não era idêntica ao que vigorou em quase três séculos no sistema colonial da América portuguesa. Os escravos que ingressavam em Palmares como fugitivos, provavelmente não eram escravizados, ao contrário daqueles que eram capturados. Há indícios que Zumbi e outros líderes tinham escravos pessoais.

O Zumbi e o Quilombo dos Palmares que a historiografia começa a apresentar desmistificam grande parte das narrativas que se consolidaram nos últimos anos. Mas é importante ressaltar que mesmo não sendo Zumbi o herói libertador e Palmares a comunidade perfeita da liberdade, não podemos retirar o papel das iniciativas de resistência negra no processo de desgaste do sistema escravocrata.

O líder de Palmares permanece referência para a luta do negro em nossos dias. Muitos insistem em dar a ele um rosto quase messiânico, e por isso é dever da ciência da história separar o homem do mito, e é exatamente isso que ela vem fazendo. E o faz sem prejuízos para o papel importante que os mitos exercem nas sociedades.



domingo, 17 de novembro de 2013

Mensalão e democracia

Por Adelson Vidal Alves

A democracia não é coisa pronta, mas sim processo. Ela está exposta aos conflitos de uma sociedade, podendo assumir momentos de ampliação, de estabilização ou retrocesso. No Brasil, os últimos 25 anos representam um período de avanço democrático, inaugurado pela aprovação da mais democrática Constituição de nossa historia. Beneficiado maior deste momento foi o Partido dos Trabalhadores, que encorpou graças a adesão de setores importantes da sociedade brasileira a seu projeto político no período de redemocratização. Sua musculatura eleitoral cresceu e faz dele hoje o mais poderoso partido político do país.

Veio dele, no entanto, a maior sabotagem à história da República brasileira. A alta cúpula do partido comandou um esquema de corrupção que contaminou parte significativa do funcionamento estatal brasileiro. O famoso “mensalão” consistiu num arranjo de agentes públicos que viabilizou o abastecimento da compra de votos de parlamentares da base de apoio do governo.  As primeiras denúncias vieram a tona em 2005, e somente agora, 8 anos depois, os primeiros condenados começam a cumprir suas penas.

Emblemática as imagens reproduzidas pela imprensa no exato momento da prisão dos culpados. Com um histórico à esquerda no cenário político, alguns deles resolveram montar uma patética cena teatral de vitimização. O ex-guerrilheiro e deputado licenciado José Genoino se auto definiu preso político. Não tardou para que a militância virtual acolhesse o discurso fantasioso e espalhasse a tese mirabolante de que todo o julgamento foi movido por um sentimento de ódio e perseguição a militantes com história de prestação de serviços a democracia.  Seríamos tolos se levássemos a sério toda esta fábula, principalmente ao levarmos em conta todo o histórico do julgamento. Devemos nos atentar para o fato de que as sentenças não partiram de um tribunal arbitrário em um regime de exceção, mas sim da alta corte de um sistema democraticamente moderno que ofereceu aos réus todos os recursos de defesa a que se tem direito.

Não faz sentido dar ouvidos a vocabulários militantes que ignoram o real significado do funcionamento isento e competente do STF, que assumiu o protagonismo do processo que definitivamente entra para a história do direito democrático brasileiro.

Ainda que nos pese a compreensível desconfiança que tudo pode acabar em pizza afinal, não deixa de ser um alento para as forças democráticas o fato da Justiça pesar suas mãos sobre os poderosos. A Ação Penal 470 abre um novo momento na República brasileira, que faz temer a parte de cima da política, historicamente acostumada a impunidade. Nossa democracia dá mais um passo de maturidade, e nos dá um importante recado: nunca percam as esperanças.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Sobre raças e cotas raciais

Por Adelson Vidal Alves

O século XVIII assistiu ao apogeu de uma importante corrente de pensamento da modernidade: o iluminismo. Seus formuladores pretendiam jogar luz racional à cultura humana, tendo entre seus princípios a igualdade entre todos os homens. Estes nasceriam iguais e livres, segundo os pensadores iluministas.

Neste mesmo século, cientistas naturais trabalhavam nas primeiras tentativas de classificar a humanidade pelo paradigma da “raça”. O médico alemão Johann Friedrich Blumenbach foi um dos pioneiros. Para ele, os homens poderiam ser divididos nas raças caucasoide (branca), mongoloide (amarela), malaia (marrom), etiópica (negra) e americana (vermelha). Mais a frente seus colegas expandiram suas concepções raciais, chegando muitos deles a falar em 100 raças diferentes.

Entre uma concepção de igualdade humana do iluminismo e da divisão racial da espécie, discussões foram sendo travadas. Sob a divulgação do trabalho de Charles Darwin, A evolução das espécies (1859), cientistas argumentavam uma hierarquia entre as famílias raciais humanas. Algumas delas teriam vantagens intelectuais e morais sobre outras, que por sua vez se faziam refletir na vida cultural e social de cada uma delas. Consolidava-se aí o mito da raça.

Entretanto, ao contrário do que muitos pensam, este mito jamais foi usado como fator ideológico na escravidão negra. O modelo de escravização dos africanos funcionou sob um consenso que dispensava a necessidade de uma ideologia justificadora. Para se ter uma ideia, o abastecimento do mercado colonial não se dava em guerras de conquistas, como ficou caracterizada grande parte dos processos de escravização na história da humanidade. Bastaram-se negociações pacíficas entre colonizadores e reinos africanos. A “naturalidade” se estendia até mesmo às partes mais baixas da sociedade escravocrata. Escravos negros libertos tinham o hábito de acumular dinheiro para comprarem outro  escravo negro.

O mito racial, assim, só foi necessário na segunda metade do século XIX, no período que ficou marcado pelo imperialismo. As potencias imperiais se lançaram a exploração dos continentes africanos e asiáticos, tendo que convencer suas próprias opiniões públicas, construídas sob a evolução de uma imprensa relativamente complexa e moderna. Recorrer a “raça” era assim uma forma de justificar a dominação dos europeus sobre grupos “inferiores”. Não é a toa que tão logo os imperialistas colocavam o pé numa terra conquistada, procuravam classificar seus habitantes pela referência racial, organizada por intelectuais de vários campos, principalmente os antropólogos.

É aqui que nasce o racismo que conhecemos hoje. Ele foi fundado e desenvolvido por uma crença sólida de que os seres humanos dividiam-se em famílias raciais. Sem esta concepção hegemônica no imaginário social, jamais seria possível o êxito racista.

Foi preciso um avanço significativo das ciências naturais, sobretudo a genética, para que tenhamos conseguido desconstruir a ideologia racista. Hoje temos a certeza da existência de espécies monotípicas, isto é, compostas de uma raça só, como nós, os Homo Sapiens. Sabemos que a variedade física dos homens justifica-se por combinações biológicas que não nos permitem lotear grupos biológicos comuns. A cor da pele, fator que ainda hoje permite a muitos classificar racialmente populações inteiras, é tão somente fruto da exposição evolutiva à radiação ultravioleta, controlada no máximo por 10 genes dentro de um universo de mais de 25000.

Qualquer filosofia racista é insustentável em nosso tempo. A certeza de que entre humanos não existe raças cancela de vez qualquer pensamento que atribua superioridade intelectual de algum suposto grupo sobre outro. Mas o racismo persiste, podem dizer alguns. O fato é que as descobertas científicas ainda não conseguiram atingir em cheio nossa cultura, tendo que enfrentar obstáculos em ideologias que se movimentam no campo cultural e das políticas públicas.

Não é novidade para nós o esforço de setores organizados do movimento negro de tentarem obter reparações históricas a sua “raça”, utilizando-se de políticas públicas”. A mais famosa destas políticas são as cotas raciais, aprovadas recentemente no Brasil. Com ela, indivíduos que se assumem da “raça negra” podem se candidatar a vagas em universidades e serviços públicos, mantendo vantagens sobre os “não negros”. Este tipo de política foi importada dos EUA, um dos pioneiros em tais iniciativas. O Plano Filadélfia, do presidente Nixon, mudou o rosto do mercado de trabalho americano ao garantir cotas raciais em várias empresas do país. Se de fato a vida econômica dos negros melhorou, por outro lado a cultura americana permanece vivendo sob uma realidade segregacionista. E não podia ser diferente. Lembremos que após a abolição da escravidão negra os americanos aplicaram leis anti-miscigenação, que funcionavam sob o critério famoso da “gota de sangue único”, a saber, um método que consistia na retirada de uma gota de sangue que jamais poderia conter sequer 1% de descendência africana, senão a identidade branca do indivíduo logo se perdia.

O Brasil não apoiou leis raciais depois de sua abolição, negando a se construir a partir do Estado políticas anti-miscigenadoras. Isso, todavia, não impediu que o falso paradigma da raça penetrasse no aparato jurídico da nação. Ainda que sem Gota de sangue, nosso país seguiu a racialização de seu vizinho da América do Norte, e adota cada vez mais leis baseadas na cor da pele. Hoje várias Universidades brasileiras adotam cotas raciais, assim como em concursos públicos. Até um Estatuto racial aprovamos.

Com a impossibilidade de selecionar objetivamente a raça beneficiada pelas cotas, a nação brasileira vem se submetendo a autoridade de um tribunal que rotula racialmente pessoas a seu bel prazer. No processo de busca por uma vaga no ensino superior, já não basta a autodeclaração racial do candidato, faz-se obrigatório o carimbo dos doutores em raça.

Tudo isso soa igualmente trágico e cômico. Tínhamos tudo para fortalecermos nossa vocação democrática e republicana, com tolerância as diversidades, mas por escolha de nossos governantes, sob pressão de ONGs racialistas, voltamos a ser um país repartido pela cor da pele. Temos de volta as rivalidades raciais, as paranoias do cotidiano, o sentimento de separação. Não nos bastaram as conquistas da ciência a favor de uma humanidade só. Prevaleceu a vontade de uma elite racial, que não fez e não faz nenhum esforço para virarmos páginas tristes de nossa história. Em nome de uma “raça” eles pedem reparação, o Estado concede, e o Brasil permanece marcado pela dolorosa divisão de seu povo, mais preso a sua cor do que na unidade do chão em que se pisa.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O rosto fascista dos black blocs

Por Adelson Vidal Alves

Em tempos onde a política entra em crise, é normal o aparecimento de grupos inspirados numa espécie de “anti-politica”. No Brasil esta dimensão de negação da política se deu no aparecimento dos black blocs, em Junho de 2013. Momento em que milhões de pessoas iam as ruas questionar a eficiência de nossas instituições e órgãos de mediação da política, como os partidos.

Ao mesmo tempo em que mascarados quebravam bancos, patrimônios públicos e pequenas propriedades, se diminuía a participação popular. Os black blocs  e sua apologia da violência afastaram e afastam os cidadãos comuns das ruas. Pior, ao assumirem visibilidade, diminuiu-se também o papel das organizações coletivas que historicamente lutam e conquistam melhorias de vida para o povo. Assumidamente sem projetos, os homens e mulheres de preto agem de uma forma desorganizada, sobrevivendo à custa de uma fúria contra tudo que de alguma forma simbolize para eles a opressão do sistema capitalista.

A tática black bloc, no entanto, recebe críticas não só dos setores capitalistas, mas também da população em sua maioria (Pesquisa da Confederação Nacional do Transporte , em parceria com o MDA revela que 93,4% dos entrevistados não apoiam a atuação dos black blocs), e de parte significativa da esquerda. O PSTU emitiu nota condenando a ação dos mascarados, mostrando certa coerência com sua orientação ideológica. Já o PSOL, mais uma vez desajustado, preferiu liberar parte de sua militância, que se encantou pela rebeldia black bloc, mas não deu apoio público.

O olhar desconfiado da esquerda aos black blocs faz sentido na medida em que sua ação se aproxima bem mais do fascismo do que do anarquismo, a quem muitos dizem simpatizar. Seu caráter autoritário, a antipatia pela institucionalidade democrática, o uso apologético da violência marcam o traço fascista do movimento. São fascistas que agridem pessoas, e não os anarquistas. São fascistas que atacam jornalistas, e não anarquistas.

Para disfarçar-se de libertários, os black blocs também aprenderam comunicação com o fascismo, fazendo da verdade uma “mentira contada várias vezes”.  Durante o dia quebram padarias, batem em pessoas, vandalizam o patrimônio público, e a noite montam uma ação militar virtual, a fim de responsabilizar a “mídia golpista” por distorções dos fatos. Ora, é de ingenuidade estúpida imaginar que os black blocs só são violentos quando são atacados, ou mesmo que defendam professores nas manifestações. Sem violência e confronto não podem sobreviver, motivo pelo qual mesmo que a Polícia cruze os braços vai sempre ter alguém pronto a criar um ambiente de enfrentamento. Sem confronto, violência e confusão não existe black blocs.

Uma esquerda que se pretenda moderna precisa ser democrática, imune ao canto autoritário que brota das próprias crises históricas da esquerda. Os black blocs não tem como se sustentarem por muito tempo. Mas sua duração pode trazer prejuízos, não a bancos e multinacionais, mas para todos àqueles que trabalham duro para fortalecer uma nova cultura política, de caráter solidário e democrático.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Em memória de William, Walmir e Barroso

Por Adelson Vidal Alves


No dia 10 de Novembro o Jornal O Dia noticiava: “Os conflitos começaram quando tropas avançaram pela Avenida Independência, centro da cidade. Os soldados começaram, então, a invadir casas, jogar bombas de gás lacrimogêneo e prender e bater em operários e pessoas que encontravam pelas ruas”. A narrativa parece uma operação de guerra ou então uma ação militar de um governo ditatorial. Mas tais acontecimentos se deram em plena redemocratização, dentro do esforço de um governo em reprimir uma greve de trabalhadores da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) localizada na cidade de Volta Redonda/RJ.

O tempo era o importante ano de 1988, que marcou com força nossa transição à democracia, momento em que conquistamos a mais democrática Constituição de nossa história. No entanto, a Carta cidadã, como ficou conhecida, não tinha ainda conseguido atingir o centro de nossas instituições, sobretudo o exército, ainda de ressaca com as lutas que finalizaram 21 anos de ditadura militar. O espírito de guerra que tanto norteou nossas tropas permanecia vivo entre aqueles que usavam fardas, e com truculência e violência levaram a fim trágico suas intenções de parar a greve. Três operários foram mortos: William Fernandes Leite, Walmir Freitas Monteiro e Carlos Augusto Barroso. O primeiro com um tiro pelas costas, o segundo com uma bala no pescoço, e o terceiro com esmagamento de crânio. Nem mesmo os três óbitos foram capazes de sensibilizar o comando das Forças Armadas. No dia seguinte aos assassinatos o general José Luiz Lopes da Silva, que comandou toda a operação, disse ter lamentado as mortes, mas que elas deveriam “servir de exemplo”.

Neste ano completam-se 25 anos deste fatídico episódio. Muita coisa mudou. Refirmamos nosso caminho democrático, consolidamos instituições democráticas que regulam com relativa competência nossa vida política, e o movimento sindical trocou sua orientação combativa para uma bem mais conciliadora. O acontecimento, que durante anos influenciou a formação do imaginário de nossa cidade, que trouxe à memória dos mais jovens um sentimento de pertencimento a uma cultura de luta, parece aos poucos cair no esquecimento. Faltamos com políticas públicas de cultura e educação, com intervenções mais efetivas do Sindicato dos Metalúrgicos, com um pouco mais de sensibilidade em relação aos monumentos, que teimosos tentam não nos deixar cair no esquecimento. O memorial que lembra os três mortos, construído pelo saudoso Oscar Niemayer e alvo de um ataque terrorista da extrema -direita que quase o destruiu, vê hoje bancos de praça dando as costas a ele. É como se uma cidade inteira dessem as costas para sua própria história.

Ao completar ¼ de século neste 9 de Novembro, a morte de William, Walmir e Barroso devem trazer a todos nós pelo menos um sentimento de responsabilidade para com nossa memória, não apenas pra lembrar o horror de ações que se dão às margens de uma cultura verdadeiramente democrática, mas principalmente impedir que as novas gerações, mergulhadas em twiter e facebook, se desenvolvam com a apatia que abate setores, que outrora combativos, hoje se encolhem em suas comodidades, deixando a história ser contada por aqueles que sempre nutriram ódio à luta dos trabalhadores.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Porque o Psol não sai do isolamento



Por Adelson Vidal Alves

 O Psol nasceu de ruptura interna dentro do PT. Um episódio marca este momento. Por conta da votação da (Contra) Reforma da Previdência do governo Lula em 2003, 4 parlamentares desobedeceram às orientações partidárias e votaram contra o projeto. O PT foi implacável, e expulsou os deputados, que fundaram o Partido Socialismo e Liberdade.

A nova legenda foi criada a partir de críticas à esquerda ao governo Lula, carregando do PT compromissos programáticos de corte popular, mas também o velho sectarismo não-aliancista. O Psol de hoje mantém critérios radicais nas alianças eleitorais, resumindo-se a seus pares da extrema esquerda (PSTU-PCB). Mas ao contrário do Partido dos Trabalhadores, o contexto histórico em que é fundado é de desalentador refluxo da luta de massas. Uma espécie de ressaca dos “anos neoliberais”. Como se recusa a refazer seu programa de alianças, o novo partido segue influenciando pequenos setores da sociedade, se resumindo a classe média, professores, estudantes e servidores públicos. Mantém enorme dificuldade em entrar nas camadas mais pobres e de pouca escolaridade.

Com baixa atuação institucional, mantém divisões internas (tendências), que fazem disputa pelos rumos da legenda. Há trotskistas, leninistas, cristãos, independentes e uma pequena ala gramsciana. Em geral são moralistas, intolerantes nos debates, quase sempre se auto-intitulando portadores da “verdade revolucionária”. Ainda que pequenos, superestimam sua influência na esquerda brasileira.

Na prática o Psol segue isolado. Reelegendo seus poucos deputados (a maioria com mandatos deste o PT) e ganhando prefeituras de pequeno porte. Com a exceção de Macapá, capital do Amapá, onde o partido fez ampla aliança, venceu a eleição e hoje sofre duras críticas de suas bases. Em quase 10 anos de existência, ainda não afirmou sua vocação de governo, não ingressou de corpo e alma à democracia política, tratada por muitos de seus filiados como “burguesa”. Dentro dos movimentos sociais ainda é pequeno, e sua variação interna fragiliza ainda mais sua ação conjunta em entidades como a UNE, CUT e até a radical CSP-Conlutas, ligada ao PSTU.

Para sobreviver e se apresentar como alternativa de esquerda, o Psol precisaria repensar o rigor de seu programa, reavaliar outras forças políticas como aliadas, tomar a democracia como via exclusiva de luta revolucionária. Há quem diga que assumir tais atitudes seria refazer o caminho errôneo do PT, o que só seria verdade se não adotassem critérios mínimos, baseados numa leitura mais flexível do atual quadro conjuntural da luta de classes no Brasil e no mundo.

O Psol não sairá de seu estado de “seita” enquanto manter-se fechado em seus dogmas, enquanto olhar o mundo a seu redor como um “antro da direita”, enquanto achar que a revolução só triunfará com o compromisso de pureza dos revolucionários. Poderá ajudar a construir uma nova cultura política quando enfim se abrir a novas estratégias, que superem a visão estreita que o partido mantém frente ao novo contexto nacional que se abre, sobretudo depois dos recentes acontecimentos mundiais, que em Junho no Brasil, marcaram posição nas ruas de todo o país. Não há espaços para vanguardas, o grito de ordem é “mais democracia”.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Neoliberalismo ronda REDE-PSB

Por Adelson Vidal Alves

Até a decisão do TSE de negar seu registro eleitoral, a REDE SUSTENTABILIDADE (Partido que se cria em torno de Marina Silva) era uma espécie de núcleo de esperança para àqueles que sonhavam uma renovação na política. Era muito mais um ponto de convergência entre os que esperavam virar a página da velha política, do que verdadeiramente um Partido programaticamente pronto. Tinha ideias e propostas, mas faltou tempo para converter as várias opiniões de vários setores da sociedade em programa político.

Com a sentença do tribunal, coube aos “redistas” tomar uma decisão rápida sobre seu futuro e o de sua estrela maior, a ex-senadora Marina Silva. Decidiu-se pelo ingresso de Marina ao PSB de Eduardo Campos. A REDE e os socialistas têm muito em comum, mas também enormes diferenças, motivo pelo qual vão manter encontros permanentes que ajustem a “aliança programática” entre os aliados. Aguardamos a publicação dos primeiros pontos comuns do programa que poderá ser apresentado na eleição presidencial de 2014. Enquanto isso não acontece, buscaremos pistas nas movimentações de Campos e Marina na procura de alianças, assim como suas declarações públicas, para podermos tentar apostar num futuro perfil da dupla no próximo pleito majoritário.

Marina tem aparecido bem mais que Campos, e preocupantemente, apresentando um discurso nada renovador. Depois de rasgar sedas ao agronegócio, afirmou a necessidade de manter o tripé econômico neoliberal (meta de inflação, superavit fiscal e câmbio flutuante). Não deveria ser surpresa, já que Marina tem como guru o economista Eduardo Gianetti, conhecido por suas posições a favor do livre mercado.

A candidatura Campos/Marina precisa ir além, se quiser de fato firmar-se como uma terceira via eleitoral. Precisa distanciar-se do modelo econômico que caracterizou as gestões tucanas e petistas. Ainda que com acertos, ele serviu como acumulador de capital ao sistema financeiro, desindustrialização e endividamento público. É preciso pensar uma nova política de Estado voltada para o social e o meio ambiente. É estranho que neste momento é Aécio Neves que toma as posturas mais firmes em defesa de um Estado pró-ativo. Marina e Campos parecem estar seduzidos pelo canto do neoliberalismo, e com isso procura, erroneamente, disputar as bases conservadoras do atual bloco no poder.

Há um vácuo político a espera de uma alternativa à crise que se abate na política nacional, com a redução da mesma a questões corriqueiras, sem preocupação com demandas estruturais. Marina Silva apareceu como porta voz do sonho de refazer a administração pública a favor de valores nobres, como ética, gestão eficiente e compromisso ecológico. Se conseguir viabilizar um projeto a favor destas causas, sairá vitoriosa, mesmo que perca as eleições. Mas se o vale-tudo eleitoral a empurrar para conversões conservadoras, veremos consumada a velha tese de que o poder muda as pessoas, antes mesmo quando se têm ele em suas mãos.