segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

JORNADAS DE JUNHO 2014

Por Adelson Vidal Alves

Junho de 2013: milhões de pessoas se lançam às ruas de todo o Brasil para exigir melhores serviços, questionar os poderes constituídos e colocar em cheque os órgãos de mediação política. Foram tempos de intensa participação popular, que não se via desde as Diretas.

Meses depois, pouco das reivindicações foram atendidas. Os serviços continuam deficientes, os poderes corrompidos e a mediação política em crise. O legado de Junho sequer conseguiu fazer a opinião pública manter guarda nas questões que envolvem ao país, pelo contrário, direta ou indiretamente, fez surgir um estranho jeito de manifestação, vestido de preto, de rostos cobertos e com a fúria direcionada ao patrimônio público, a imprensa e a propriedade privada.

Não triunfou o aperfeiçoamento democrático, nem fez surgir novas opções de representação. Até mesmo a presidenta Dilma, atingida em cheio em sua popularidade, conseguiu se recuperar, ainda que distante de voltar a ser o consenso que era antes de Junho.

O fato é que as manifestações de 2013 tem tudo para voltarem em 2014. Afinal, não houve respostas suficientes do poder público.

A Copa do Mundo nos colocará em evidência global. Seremos julgados não só pelo nosso futebol, mas também pela capacidade de organizar uma competição desta largura. Ótima oportunidade para se mostrar ao mundo nossa força de mobilização, e denunciar aos quatro cantos o quanto ainda penamos problemas históricos. Nem mesmo os 10 anos de governos de um partido tradicional da esquerda nos fez superar a maior de nossas vergonhas: a desigualdade social.

2014, ainda, é ano de eleições. O bloco do poder retomou suas forças, a oposição foi incapaz de se apresentar como alternativa. Mas o espírito que tomará as ruas é o de renovação, momento pelo qual poderemos renovar nossa democracia, apresentar novidades e deixar para trás o atraso da velha política.

Enfim, o novo ano que se aproxima apronta um cenário de mudança. O povo brasileiro quer isso, o Brasil precisa disso, motivos pelo qual as Jornadas de Junho voltarão com mais força em 2014. Estejamos atentos e prontos para participar ativamente de um novo tempo para nossa nação.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A mensagem do Jesus histórico



Por Adelson Vidal Alves

Está chegando o Natal, festa que celebra o nascimento de Jesus Cristo. Com a data vem os Shoppings lotados, o consumismo desenfreado e a bebedeira. Pouco se lembra do aniversariante, pouco se reflete sobre sua mensagem. Uma mensagem de amor, tolerância e compaixão, que se contradiz com a opulência e a avareza com que muitos comemoram a festa. Os banquetes fartos expõem uma terrível contradição, já que milhões de pessoas em todo planeta tem sua vida abreviada por falta de pão.

O Jesus histórico provavelmente não nasceu em 25 de Dezembro, a escolha do dia se deu por conta das festividades do calendário do Império Romano. Pouco importa. Vale a referência que ela nos dá para refletirmos a proposta do homem que literalmente dividiu a história do Ocidente.

O cristianismo que o Vaticano defende nasceu nos Concílios de Niceia (325), Constantinopla (381), Éfeso (431) e Calcedônia (451). O Cristo aparece envolto numa reflexão teológica de corte hierárquico. Já as Igrejas pentecostais apresentam o “Rei Jesus”, cheio de atributos divinos.

O Jesus histórico nada tem de riqueza material. É pobre, morre como um criminoso e é tratado como subversivo e herético. Em sua mensagem está a opção pelos desgraçados da terra. Apresenta um projeto: o Reino de Deus. Um modelo de sociedade fundada na partilha e na solidariedade.  O Deus que prega é aquele que olha com preferência pelos excluídos, e que direciona suas atenções especiais aos pobres, os primeiros nas bem-aventuranças.

Traz uma pregação forte e cheia de ternura. Condena os ricos e poderosos, porque sabe que do luxo destes nasce a exclusão e a pobreza de outros. Ama, cuida e defende os fracos de sua sociedade. Por isso é perseguido pelo moralismo das castas religiosas. Apresenta uma utopia de organização social que é rejeitada pela maioria das pessoas. Fracassa no convencimento e morre por condenação política. Experimenta o sentimento de ser filho de Deus, Abba (o Paizinho), que não anula seu caminho como ser humano. Na cruz se decepciona, não chama Deus de pai, espera a intervenção divina até que, enfim,  entrega seu espírito à fonte originária da vida.

O Natal que se aproxima nos traz a memória deste Jesus histórico. O Jesus da manjedoura, e não o dos palácios e realezas divinas. Traz-nos a memória de um simples camponês pobre, disposto a intervir para mudar a realidade de injustiça social. Um Jesus que mostra seu rosto nos grotões de miséria, nos encarcerados, famintos, e doentes que padecem o descaso de nossos governantes com a saúde pública. O Jesus que não cabe no rosto capitalista de um papai Noel, nem nas propagandas que fomentam o consumismo.

O rosto do menino de Nazaré estará onde o espírito natalino exige, isto é, de onde brota a sede de Justiça.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

FRENTE DEMOCRÁTICA: PSB / REDE / PPS



Por Adelson Vidal Alves


“O apoio ao Campos significa um reencontro de um partido de vertente comunista, o PPS, e outro de vertente socialista, o PSB, que historicamente é um aliado nosso". Foi assim que Roberto Freire, presidente nacional do PPS, definiu o possível apoio de seu partido à candidatura presidencial de Eduardo campos.  A legenda indicou aliança em Congresso nacional realizado recentemente, mas a decisão final só deverá acontecer em Março. O partido precisa ainda fazer alguns ajustes internos, já que parte dele insiste em candidatura própria, apostando na ex-vereadora Soninha Francine, enquanto outro grupo defende apoio a Aécio Neves (PSDB).

Freire tem preferência por Campos, mas Aécio tem tentado costurar alianças com diretórios estaduais, e conseguiu adesão das direções de Minas Gerais e Rio de Janeiro, o que irritou Freire: "O Aécio pode fazer as articulações que quiser, mas quem decide nossa posição é o PPS. Não somos sublegenda de ninguém".

O fato, porém, é que salvo algum obstáculo improvável, o PPS deve mesmo integrar a candidatura PSB/REDE, encabeçada por Eduardo Campos, e que tem Marina Silva como grande aliada. A concretização desta aproximação configuraria um inédita frente eleitoral. Seria a aglutinação de três agrupamentos democráticos, de corte progressista e propostas inovadoras.

O PSB fez contraponto histórico a Estalinização dos Partidos Comunistas, advogando um socialismo democrático e com amplas liberdades. Teve em seus quadros figuras como João Mangabeira e Miguel Arraes. A REDE traz um programa renovador na política, com ênfase na sustentabilidade, e um grande potencial para dialogar com os novos atores sociais que emergem da sociedade em rede. Já o PPS é um partido que se confunde com a história da República brasileira. Foi o resultado da modernização do PCB, que entrou em crise junto com o “socialismo real”. Hoje tem como referência a defesa da democracia, assim como a proposta de um reformismo democrático.

A nova frente que se anuncia se credencia para enfrentar o atual grupo no poder, situando-se no campo da esquerda democrática. Tem espaço para crescer, já que pesquisa recente do Datafolha mostra que 66% dos brasileiros querem mudanças no país. Soma-se a isso o fato de que 2014 tem tudo para ser um ano conturbado, na política e na economia, principalmente por conta da Copa do Mundo. Tudo indica que o favoritismo de Dilma será abalado, e que a possibilidade de um crescimento oposicionista é real, desde que alternativas sejam apresentadas.

Neste quadro o PSDB pode ficar isolado, contando apenas com o conservador DEM, sem muitas condições de se apresentar como o “novo”. Mesmo assim é importante, por representar parcelas tradicionais e moderadas da sociedade brasileira.

Tudo vai depender do comportamento das oposições, que só poderão obter êxito caso consigam transmitir ao povo um fôlego de novidade. A frente democrática PSB/REDE/PPS tem uma chance histórica de desalojar do poder àqueles que há 10 anos afundam o Brasil em um populismo pobre e desalentador.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

JESUS HISTÓRICO

Por Adelson Vidal Alves

Há pelo menos dois Jesus: o “Jesus da fé” e o “Jesus histórico”. O primeiro dispensa comentários. É o “Cristo” (“Ungido” em grego), influência para mais de dois bilhões de pessoas em todo mundo, que de formas diferentes veem nele um mensageiro de Deus. O segundo faz parte de um esforço da ciência em tentar reconstruir o homem que viveu há mais de dois mil anos atrás na Palestina.

O Jesus histórico, no entanto, oferece dificuldades para ser desvendado. Tudo por conta das poucas fontes que deixou fora das narrativas bíblicas. Os evangelhos são muito mais testemunhos de fé do que biografias históricas. Fora deles temos citações antigas de um certo Jesus por parte de Suetônio, Tertuliano, Tácito, Plínio o Jovem e Flávio Josefo. Provas materiais somente uma caixa de pedra onde consta escrito em aramaico “Tiago, filho de José, irmão de Jesus”. Em 2010 ela passou por perícia e teve sua autenticidade atestada. Como as possibilidades estatísticas de uma família naquele período e local combinarem todos estes nomes são pequenas, alguns pesquisadores acreditam ter encontrado a primeira referência material direta à Jesus.

Ainda sim, é pouco para montar o complexo quebra cabeça da vida do homem que dividiu literalmente a história do Ocidente. O que não significa que não possamos buscar outros caminhos de estudo – “A interpretação correta dos textos históricos e a arqueologia estão trazendo surpreendentes revelações sobre o Jesus histórico” diz o historiador John Dominic Croassan, autor de “O Jesus histórico: a vida de um camponês judeu no Mediterrâneo” e um dos maiores especialistas do mundo no assunto.

Os trabalhos articulados entre antropólogos, historiadores, sociólogos, arqueólogos e filólogos foram capazes de construir um consenso mínimo sobre a vida de Jesus. Ele teria nascido em Nazaré, um povoado com pouco mais de 400 pessoas, por volta do ano 3 AC, viveu e trabalhou em tarefas simples, como a de operário ou camponês (suas parábolas são cheias de referências à vida rural), pregou e foi considerado subverviso pelo poder romano e herege pela casta religiosa. Por conta disso foi crucificado e morto na década de 30 da Era cristã.

A partir daí os especialistas se dividem. Durante algum tempo houve quem apostasse que fosse um essênio, já que foi batizado por João Batista, um provável membro desta seita judaica. Contudo, os pergaminhos encontrados no Mar Morto, próximo às cavernas de onde viviam os essênios, não faziam nenhuma menção a Jesus. Além do mais, o estilo de vida asceta dos essênios se contradiz com o ativismo apresentado por Jesus na maioria das fontes.

Outro aspecto que concordam os pesquisadores é sua adesão ao movimento apocalíptico de sua época. Tudo indica que ele acreditava na proximidade do fim dos tempos, e por isso pregou fervorosamente a conversão ao Reino de Deus, o centro de sua pregação. Como esperava para breve o fim das coisas, não se preocupou em fundar uma nova religião, optando por exortar a todos para uma prática voltada para construção de um mundo onde cabiam os valores da partilha, da Justiça e da solidariedade.

As poucas fontes sobre o Jesus histórico podem ser explicadas pelo fato deste ter tido pouca importância no seu tempo, ao contrário do que nos insinua os evangelhos canônicos.  As atividades de Jesus eram comuns naquele tempo, e não há motivos para imaginarmos que sua vida chamou de algum modo atenção diferenciada. Atenção que dois mil anos depois ele a tem de sobra.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

DOM WALDYR CALHEIROS (1923-2013)



Por Adelson Vidal Alves

           
Morreu no sábado, 30 de Novembro, Dom Waldyr Calheiros, Bispo Emérito da Diocese Barra do Pirai/Volta Redonda.
Estive com Dom Waldyr uma única vez na vida, em 2006, por ocasião da eleição sindical metalúrgica daquele ano. Ele me recebeu junto a alguns amigos em sua casa, conversamos sobre a situação do movimento operário na cidade. Lembro-me que pedi a fala e discursei sobre a metamorfose que sofreu o mundo do trabalho, razão que apontei como grande dificuldade para a nova atuação sindical. Disse também que as relações de classe haviam mudado no mundo contemporâneo e que deveríamos repensar novas formas de resistência.

Sua resposta foi serena:

- “Mas meu filho, a exploração continua a mesma. A cabeça do patrão é a mesma, a de explorar e gerar lucro”.

Fiquei em silêncio devoto, diante da sabedoria santa de quem dedicou a maior parte de sua vida à luta dos trabalhadores.

Waldyr Calheiros Novaes nasceu no estado de Alagoas, em 29 de Julho de 1923.  Foi ordenado sacerdote em 1948, no Estado do Rio de Janeiro, onde atuou até ser nomeado Bispo da Diocese de Barra do Piraí/Volta Redonda, em dezembro de 1966. Foi substituído em 2000, pelo Bispo Dom João Messi, carregando até a sua morte o título de Bispo Emérito.

Durante toda sua vida, o “bispo vermelho”, como ficou conhecido entre os círculos militares no período ditatorial, dedicou-se à construção de uma igreja popular. Chegou a radicalizar as diretrizes da Teologia da Libertação, que proclamava um cristianismo com “opção preferencial pelos pobres”. Dom Waldyr sugeriu uma “opção exclusiva pelos pobres”. Sua escolha a favor da libertação dos oprimidos lhe rendeu perseguição dos poderosos. Em 1967, teve sua casa cercada por militares.

Acusado de comunista, D.Waldyr sempre se sentiu mais à vontade afirmando-se cristão. Certa vez disse: “O que é mais doloroso em tudo isto é que qualquer posição que se venha a reivindicar em favor dos menos favorecidos é tachada de comunista”. Mesmo nunca integrando qualquer organização de corte socialista, o bispo sempre se posicionou contra o sistema capitalista, a quem tratava como “incapaz de criar uma proposta para uma sociedade mais justa, humana e fraterna”.

Seu destaque maior se deu em 1988, quando apoiou a greve histórica da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional). Ao lado do sindicalista Juarez Antunes, tomou a frente de um movimento que sacudiu a cidade de Volta Redonda, garantiu vitórias importantes aos operários da siderúrgica, mas que teve um saldo trágico de três trabalhadores mortos pelo exército. Mais tarde, em documentário, revelou que fora ameaçado de morte, junto com Juarez, que de fato veio a falecer em um acidente de automóvel pouco esclarecido.

Ainda em 1988, recebeu uma carta da Congregação para os Bispos, com críticas à sua pregação. O documento tinha influência do papado de João Paulo II, com auxílio de Joseph Ratzinger, mais tarde Bento XVI. Já naquele momento, a Igreja Católica começava a silenciar as vozes dos sacerdotes que pretendiam articular a fé com libertação social, num esforço de adequar a igreja a um caminho conservador. Obediente à sua vocação, D Waldyr nunca rompeu seus laços eclesiásticos, mas muitas vezes, na contramão do discurso oficial católico, assumiu posição a favor de uma igreja mais generosa, aberta, cheia de compaixão e comprometida com a luta de todos os excluídos.

D. Waldyr morreu como um sacerdote católico, mas nos momentos de contradição com a igreja, sempre optou pelo evangelho da libertação. 


Créditos:

Revisão Textual: Regina Vilarinhos

domingo, 1 de dezembro de 2013

ESQUERDA E DEMOCRACIA

Por Adelson Vidal Alves

Às vésperas do golpe militar de 31 de março de 1964, o Brasil vivia um ambiente de assanhamentos autoritários, à esquerda e à direita. A primeira desistira de conduzir seu programa, as reformas de base, por dentro do ordenamento institucional existente, insinuando frequentemente atropelar as regras do jogo. A segunda convertera-se à paranóia que circulava pela Guerra Fria, alardeando o risco de um golpe comunista no país. A tensão do momento produziu 21 “anos de chumbo”

Para resistir ao regime ditatorial, a esquerda se dividiu, parte dela recorreu às armas, sem conseguir grandes contribuições, pelo contrário, forneceu elementos para o aprofundamento da repressão governista. O retorno à democracia se deu pela ação conjunta de múltiplos atores sociais no campo da sociedade civil, organizados numa frente ampla contra a ditadura. A estratégia era “derrotar” e não “derrubar” o regime”.

A redemocratização, assim, se deu com a participação heterogênea do campo democrático. Reuniam-se neste grupo empresários, sindicatos, Igreja, movimentos sociais etc. A esquerda conseguiu certo consenso, mas ainda sim uma parte significativa tratava a democracia como uma necessidade tática para a transição ao socialismo, e não como valor universal, o que enfraqueceu a construção de uma esquerda democrática forte, que até hoje nos traz sérios prejuízos.

As Jornadas de Junho, por exemplo, que levaram milhões de pessoas às ruas, não conseguiram trazer grandes conquistas para o aprofundamento democrático, pior, facilitou o aparecimento de grupos anacrônicos,  em flerte com o fascismo e cheios de apreço pela violência desmedida e anti-democrática, que não se contentava com a propriedade, atingia pessoas.

Para piorar, a esquerda hegemônica a 10 anos, do posto maior da República, atua para desestabilizar a institucionalidade democrática, sendo orquestrando campanhas de injúria contra o STF, desobedecendo a decisões judiciais ou denegrindo a imprensa, tratada como “golpista”.

Tudo isso atesta a ausência de uma esquerda democrática no país, o que tem facilitado não só a presença de elementos autoritários em nossa cultura, mas, principalmente, dando cobertura a permanência de uma baixa política, resumida a questões do cotidiano, sem preocupações estruturais.

A tarefa de redefinir um campo democrático de atuação da esquerda é urgente. A democracia é conquista civilizatória, lugar seguro e exclusivo para se caminhar transformações substantivas.

A presença de uma esquerda simpática à “ditadura do proletariado” mostra certo atraso na adaptação de nossas forças progressistas ao mundo contemporâneo. Para caminharmos rumo a uma nova ordem social justa e solidária, é preciso que toda a esquerda incorpore a democracia política como ponto inegociável em suas utopias. O caminho, porém, parece ainda estar bem no princípio.