Às vésperas do golpe militar de
31 de março de 1964, o Brasil vivia um ambiente de assanhamentos autoritários,
à esquerda e à direita. A primeira desistira de conduzir seu programa, as
reformas de base, por dentro do ordenamento institucional existente, insinuando
frequentemente atropelar as regras do jogo. A segunda convertera-se à paranóia que
circulava pela Guerra Fria, alardeando o risco de um golpe comunista no país. A
tensão do momento produziu 21 “anos de chumbo”
Para resistir ao regime
ditatorial, a esquerda se dividiu, parte dela recorreu às armas, sem conseguir
grandes contribuições, pelo contrário, forneceu elementos para o aprofundamento
da repressão governista. O retorno à democracia se deu pela ação conjunta de
múltiplos atores sociais no campo da sociedade civil, organizados numa frente
ampla contra a ditadura. A estratégia era “derrotar” e não “derrubar” o regime”.
A redemocratização, assim, se
deu com a participação heterogênea do campo democrático. Reuniam-se neste grupo
empresários, sindicatos, Igreja, movimentos sociais etc. A esquerda conseguiu
certo consenso, mas ainda sim uma parte significativa tratava a democracia como
uma necessidade tática para a transição ao socialismo, e não como valor
universal, o que enfraqueceu a construção de uma esquerda democrática forte, que
até hoje nos traz sérios prejuízos.
As Jornadas de Junho, por
exemplo, que levaram milhões de pessoas às ruas, não conseguiram trazer grandes
conquistas para o aprofundamento democrático, pior, facilitou o aparecimento de
grupos anacrônicos, em flerte com o
fascismo e cheios de apreço pela violência desmedida e anti-democrática, que
não se contentava com a propriedade, atingia pessoas.
Para piorar, a esquerda hegemônica
a 10 anos, do posto maior da República, atua para desestabilizar a
institucionalidade democrática, sendo orquestrando campanhas de injúria contra
o STF, desobedecendo a decisões judiciais ou denegrindo a imprensa, tratada
como “golpista”.
Tudo isso atesta a ausência de
uma esquerda democrática no país, o que tem facilitado não só a presença de
elementos autoritários em nossa cultura, mas, principalmente, dando cobertura a
permanência de uma baixa política, resumida a questões do cotidiano, sem
preocupações estruturais.
A tarefa de redefinir um campo
democrático de atuação da esquerda é urgente. A democracia é conquista
civilizatória, lugar seguro e exclusivo para se caminhar transformações
substantivas.
A presença de uma esquerda
simpática à “ditadura do proletariado” mostra certo atraso na adaptação de
nossas forças progressistas ao mundo contemporâneo. Para caminharmos rumo a uma
nova ordem social justa e solidária, é preciso que toda a esquerda incorpore a
democracia política como ponto inegociável em suas utopias. O caminho, porém,
parece ainda estar bem no princípio.
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