terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A velha política, o velho eleitor e o novo especialista

            

             A teoria política, que realmente pensa a totalidade da vida social e as verdadeiras transformações sociais a partir de uma ótica humanizadora passam longe do atual processo eleitoral, e também das instituições políticas da democracia representativa moderna.
            A beira de mais uma eleição, movimentam-se milhões de reais em agências especializadas em empacotar o candidato para clientela eleitoral. Os conhecidos marketeiros, em sua maioria nunca ouviram falar de Marx, Weber, Gramsci, Locke ou Maquiavel. Em suas bolsas cabem no máximo um punhado de estatísticas e alguns manuais de eleição, que mais parecem planilhas de produção em uma linha de montagem.
            Nos dias atuais,  ao invés de militantes empenhados por uma causa, vemos cabos eleitorais pagos trabalhando feitos robôs, distribuindo santinhos num espetáculo minguado e estático. Ao invés de candidatos, vemos mercadorias em forma de gente, repetindo como papagaios o que lhes manda fazer o marketing adequado, implorando para serem comprados como mostruário de brechó. No final da linha de produção, está um ser humano mutante, um candidato que mal se conhece frente aos arranjos da metamorfose eleitoreira, mas com os votos necessários para subir ao poder e reproduzir o ritual miserável do pragmatismo eleitoral.
            E o povo? Pobre povo. Sem a tão necessária reforma política e refém de um modelo político sustentado sob o corporativismo e a ditadura do poder econômico, se tornam vítimas frágeis para os lobos do poder, que usam de dentaduras a cestas básicas para ganhar o voto do cidadão. No Brasil não se vota com a cabeça, mas sim com o bolso e o estômago.
            Para usar uma linguagem gramsciana, vivemos a hegemonia da “pequena política”, ou seja, aquelas conversinhas de corredor, as fofoquinhas de parlamento, os acordinhos de gabinete. Prova disso é o noticiário do dia-dia, concentrado em saber quem apóia quem, qual candidato vencerá as prévias, onde o partido tal tem mais votos, em qual classe ele precisa subir nas estatísticas. Esta é a arte da ciência política, ou seja, a arte de analisar a corrida de cavalos que virou as eleições. Esta é a arte da pequena política. A política que não muda a vida coletiva e que mantém intactos os grandes problemas estruturais da nação.
            Como mudar este trágico cenário? Primeiro fazer uma profunda reforma política. Contudo, o triste paradoxo consiste que reformar o modelo político brasileiro precisa de aval parlamentar daqueles que definitivamente não querem mudar nada. Neste caso, as mudanças devem vir de baixo, da própria consciência popular.
            Reproduzo um conselho de Frei Betto: Nesta eleição, guarde uma lista de dez prioridades que você considera essenciais para a melhoria de vida do seu município e apresente ao candidato que lhe bater a porta. Converse com ele, exija opiniões robustas (Como fazer? Porque fazer? Quando fazer?) e não apenas genéricas do tipo “vou melhorar a educação, a saúde..”. Se ele concordar com os pontos, peça-o que assine a sua lista, você terá uma ferramenta importante de cobrança no futuro. Seria um bom começo para uma pedagogia que coloque o povo no centro da democracia e elimine de vez a demagogia individualista tão consolidada em nossa cultura política.


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Fundamentalismo religioso e PL 122/06

Por Adelson Vidal Alves

Silas Malafaia, Pastor evangélico e um dos símbolos da intolerância, do fanatismo e do fundamentalismo religioso
           
             A PL 122/06, em trâmite no Senado Federal, constitui-se uma conquista histórica para a comunidade LGBTT. Ela criminaliza a prática de discriminação aos homossexuais, bissexuais, transexuais e até mesmo os próprios heterossexuais. O que deveria ser mais um elemento jurídico de proteção e promoção à cidadania, acabou por se tornar o centro de uma guerra política, onde os principais protagonistas são os segmentos religiosos, que teimam em acusar a PL de cercear a liberdade de expressão.
            Tal acusação só se mantém de pé ou por uma profunda ignorância ou por pura má fé. Em nenhum artigo do documento está presente o risco de restrição a liberdade de pensar e se expressar, uma garantia jurídica presente na Constituição, quando no art. 5º lemos: “é livre a manifestação do pensamento”.
            Entretanto, a liberdade de expressão não pode ser confundida e nem usada para justificar ofensas que causem constrangimentos e obstáculos à vida social de inteiros segmentos sociais. Os religiosos andam dizendo que, se aprovada, a lei vai impedir a manifestação de pensamento e de expressão moral e de fé por parte das igrejas. Devemos ressaltar que também a constituição garante a liberdade religiosa. Reza o art. 5º.é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
            O que a PL pretende fazer é criminalizar a “discriminação” por motivos de orientação sexual e gênero, e que cause constrangimento através de tratamento diferenciado. Os cristãos, por exemplo, poderão continuar crendo que a homossexualidade é um pecado, direito este que está explícito no art. 3º do referido projeto de lei: “O disposto nesta Lei não se aplica à manifestação pacífica de pensamento decorrente da fé e da moral fundada na liberdade de consciência, de crença e de religião de que trata o inciso VI do art. 5º da Constituição Federal”.
Contudo, tal crença não pode se estender às práticas de discriminação. Por exemplo: um pastor ou padre poderá continuar ensinando os preceitos de sua religiosidade, sem, contudo, poder expulsar um membro de seu templo ou deixar de contratar alguém por questões ligadas a orientação sexual.
            A PL 122 está dentro de um contexto de luta por cidadania dos grupos minoritários da sociedade. Os negros, as mulheres e os idosos já têm mecanismos legais que os protegem em seus direitos específicos. A comunidade Gay é apenas mais um segmento social nesta luta, visto que no Brasil centenas de pessoas são vítimas fatais de crimes motivados por homofobia. Número esse que cresce a cada ano.
O projeto está em debate há mais de 10 anos, e recebe imenso apoio da população. É preciso fazer a ressalva que nem todos os religiosos são contrários a esta lei. Frei Betto e o Pastor Ricardo Gondim, são exemplos de valorosa exceção de cristãos que entendem que a subjetividade da fé não pode ser critério para impedir o avanço de direitos dos setores oprimidos no campo da esfera pública. Os que hoje gritam contra esta conquista, entre eles o Pastor Silas Malafaia e o Pe. José Augusto, fazem parte de grupos fundamentalistas, e já foram responsáveis por ações antidemocráticas, como na espetacularização das eleições presidenciais 2010, quando os mesmos, histericamente, acusavam a então candidata Dilma de ser contra a vida, quando esta defendia a discriminalização do aborto. A desonestidade destes senhores também ganha eco nas chamadas bancadas evangélicas, que em outros tempos chegaram a impedir o avanço em pesquisas com célula tronco, ignorando o que seria um passo importante para a cura de quem sofre de várias doenças.
            A aprovação da PL 122/06 não é apenas uma vitória da comunidade homossexual, mas, principalmente, do Estado Laico, e da tolerância frente às diferenças, que nenhuma religião em estado de sanidade é capaz de ir contra.

Créditos:

Revisão textual: Regina Vilarinhos
           

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Breve nota sobre as eleições municipais

Por Adelson Vidal Alves




Ainda não foi dada a largada, mas o processo eleitoral de 2012 já está a todo vapor. Brasil afora o quadro político está cada vez mais claro, apesar de que certezas, só teremos mesmo no meio do ano, quando se dão inicio as convenções partidárias.
Chama a atenção, contudo, a divisão da base aliada do governo central, que travará disputas fragmentadas em várias capitais do país. Em São Paulo está o caso mais visível: Fernando Haddad (PT), Netinho de Paula (PCdoB), Gabriel Chalita (PMDB), Paulo Pereira da Silva (PDT) e Luiz Flávio D'Urso (PTB), todos partidos de sustentação do governo Dilma, já anunciaram pré-candidatura. O caso paulista expõe a fragilidade ideológica do governo , que reúne uma aliança heterogênea, que conta com partidos de esquerda como o PC do B, mas também com verdadeiros asilos direitistas, como o PP de Francisco Dornelles. A presidente já anunciou que nem ela e nem seus ministros irão interferir diretamente no processo.
                No campo mais a esquerda, uma resolução do Psol, parece demonstrar outros vôos para a legenda este ano. Ao que parece, a flexibilização da política de alianças pode selar o divórcio do partido com a chamada frente de esquerda, que conta ainda com PSTU e PCB, ambos sem grande expressão eleitoral.
                À direita, as movimentações parecem confirmar o declínio democrata, assim como a exigência de uma renovação do discurso oposicionista, com o risco de assumirem caminhos de decadência ainda mais graves.
                Em nossa região, um caso chama muito a atenção. A candidatura de Jonas Marins (PC do B) em Barra Mansa vem ganhando cada vez mais consistência e possibilidade de vitória. Neste momento, abre-se condições reais de  êxito de uma força política anti-oligárquica, que possa vir a derrotar as oligarquias que há anos administram o poder da cidade. Sua queda é visível nos últimos anos, mas a vitória para a prefeitura de setores políticos de caráter popular significaria de fato uma guinada progressista na cidade, sinal que poderia inclusive mudar a cultura barramansense e trazer respingos à esquerda em toda a região. É dever das forças de esquerda se unirem por esta vitória histórica.
                Em meio a morte das ideologias e sem a tão necessária reforma política, que teima em não ser realizada, o pleito vindouro não guarda expectativas de grandes rupturas. Entretanto,  é necessário observar os pequenos sinais de mudanças, nutrindo sempre o “Otimismo da vontade”.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

CONHECENDO GRAMSCI: TEXTO 3

Os conceitos de Gramsci e a realidade brasileira



Por Adelson Vidal Alves



A consolidação de Gramsci no pensamento social brasileiro abriu novas portas para reinterpretação do Brasil em sua caminhada até a modernidade. No campo da esquerda marxista, o italiano trouxe ainda conceitos revigorados que puderam propor um novo caminho revolucionário em nosso país.
Enquanto nosso marxismo, débil em sua origem, forçava conceitos etapistas para enquadrar nossa problemática nacional e avaliar os caminhos de transição histórica, o conceito gramsciano de “revolução passiva” chegou como uma novidade valiosa para desvendar as particularidades de nossa modernização. O conceito de revolução passiva, muito semelhante ao de “via-prussiana” de Lênin, inclui o momento em que as classes subalternas pressionam por mudanças, enquanto as classes dominantes fazem concessões a partir de arranjos por cima, cedendo em alguns pontos, mas mantendo a exclusão das camadas populares na direção do processo, assim como a manutenção da ordem.
No Brasil, a revolução passiva foi algo abundante. Está presente na independência, quando um herdeiro do trono português assumiu a direção de nossa emancipação política. Na Abolição da Escravatura em 1888, na Proclamação da República em 1889, na revolução de 1930, nas redemocratizações de 1945 e 1985, e finalmente a constituinte de 1988. Em todos estes momentos houve pressões de baixo, com concessões dos setores dirigentes, sem, entretanto, haver mudanças estruturais significativas e com características sempre excludentes em relação as classes subalternas.
O caminho de nossas “revoluções passivas” teve uma característica particular, no qual a presença do Estado foi algo fundamental para sua concretização. No entanto, a presença do poder estatal como força protagonista do processo, não impediu que nossa sociedade se tornasse uma “sociedade ocidental”, ou seja, uma realidade onde a democratização abriu caminho para o fortalecimento de uma sociedade civil robusta que se equilibrasse com o Estado em sentido restrito (sociedade política). Devemos ressaltar que a “sociedade civil” gramsciana se difere da de teóricos como Rousseau e Marx. Para o pensador sardo, a sociedade civil seria uma nova arena de luta política, onde vários organismos de difusão ideológica, os “aparelhos privados de hegemonia”, seriam expressões materializadas de uma disputa pela “hegemonia”. Ou seja, a direção ideológica e política da sociedade. Ressalto que a sociedade civil gramsciana faz parte de uma concepção ampliada do Estado, já que ali há claras relações de poder.
Voltando à realidade brasileira, podemos afirmar que a presença do poder estatal como centro de nossa modernização não impediu o aparecimento de uma sociedade civil forte e plural, momento em que deixamos de ser um país de tipo “oriental”, onde a sociedade civil é primitiva e gelatinosa, para ser um país “ocidental”.
Nossa ocidentalização, pelo menos para os marxistas, é um momento fundamental para que possamos repensar a estratégia revolucionária. Ao contrário da Rússia de 1917, da China de 1949, de Cuba de 1959 e da Nicarágua de 1979, onde fica claro o sucesso da “guerra de movimento”, ou seja, um assalto ao poder em espaço pequeno de tempo, no Brasil ocidentalizado, assim como a maior parte das nações do século XX e XXI, a nova estratégia de luta revolucionária deve ser mais lenta e processual, no que ficou conhecida como “guerra de posição”. Neste processo, as revoluções se dão por dentro das estruturas institucionais modernas, abertas pelas lutas democráticas, no qual a transformação social passa a ser algo mais complexo, com avanços e recuos nos seus vários momentos de luta.

Para Gramsci, a revolução socialista deve ter como ponto de partida a conquista da hegemonia, momento em que uma classe ou frações de classe consegue estabelecer um consenso majoritário para seus projetos.
A conquista hegemônica é o objetivo da guerra de posição, única estratégia verdadeiramente eficiente para a construção do comunismo no Brasil e nas sociedades “ocidentais”.


CRÉDITOS:

Revisão textual: Regina Vilarinhos

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

CONHECENDO GRAMSCI: TEXTO 2

Por Adelson Vidal Alves

A recepção de Gramsci no Brasil e as edições brasileiras



As primeiras citações de Gramsci no Brasil remontam os anos finais da década de 1930 e inicio de 40. São pouquíssimas citações, se resumindo a enaltecer seu martírio antifascista, e sem nenhuma colocação em respeito a sua obra política.

Na década de 60, Gramsci aparece no Brasil se aproveitando de uma conjuntura de ascensão das lutas sociais e de uma crise internacional comunista, devido as denuncias dos crimes stalinistas, expostos de forma abrangente no XX congresso do PCUS em 1956. O interesse por uma literatura marxista heterodoxa, bem diferente da vulgata soviética, começa a aparecer entre os brasileiros, ainda que restrito aos círculos universitários. Nosso autor, contudo, é visto restritamente como um filósofo e pensador da cultura, tendo sua principal contribuição teórica, a politica, completamente deixada de lado. Não é a toa que ele sempre aparece ao lado de autores como Gyorg Lukács de História e consciência e Classe e Jean Paul Sartre de Critica a razão dialética.

As primeiras movimentações da publicação de uma edição brasileira de Gramsci acontecem já nos anos de ditadura militar, e se concretizam entre 1966 e 1968. A iniciativa partiu da editora Civilização Brasileira, que depois de trocar correspondências com Franco Ferri, diretor do Instituto Gramsci e detentor dos direitos de publicação na época, concluiu a tradução das Cartas do cárcere e de Concepção dialética da história, vindo mais tarde a finalizar com Os intelectuais e a organização da cultura e os textos políticos, como os que tratam de Maquiavel e as notas sobre o II Risorgimento.  Enior Silveira, editor da CB, coordenou todo o trabalho, e teve assim o mérito de abrir o pensamento social brasileiro não só para Gramsci, mas também Theodor Adorno, Lucien Goldmann, Walter Benjamin e Herbert Marcuse, todos teóricos em completa oposição ao marxismo esquemático da academia de ciências sociais da URSS.

Ainda que importante como introdução de Gramsci em nosso país, o fracasso editorial deste primeiro ciclo gramsciano brasileiro foi visível. Mal conseguiu chegar a terceira edição, enquanto milhares de exemplares se empoeiravam em sebos Brasil afora. O desinteresse por Gramsci, em parte se explica pela radicalização politica da esquerda nos anos de 1968, quando o regime militar assina o AI5, momento em que as liberdades mais elementares são cerceadas. A grande maioria das organizações de esquerda preferiu partir para a luta armada, inspiradas no castrismo, maoísmo e trotskismo. A visão de um país semi-colonial e que precisava de uma revolução democrático-burguesa, ainda inspirava quadros do PCB e da intelectualidade da extrema-esquerda, que preferiam Althusser e Marcuse a Gramsci.

Após a derrota da “esquerda armada” brasileira, Gramsci volta ao cenário brasileiro, desta vez favorecido não só pela conjuntura interna, mas também pela externa, no qual crescia uma tendência de cunho marxista que ficou conhecida como “Eurocomunismo”, que de forma resumida defendia a chegada ao socialismo pela via democrática. É fato importante a declaração do então secretario geral do PCI, Enrico Berlinguer em 1977,  segundo o qual a “democracia seria um valor universal” e por isso, elemento indispensável na sociedade socialista.

A questão democrática, assim como o aparecimento da “edição crítica” dos cadernos do cárcere (ver texto 1) empolgou a própria Civilização Brasileira a uma nova publicação da obra do pensador sardo em meados dos anos 70. A nova edição brasileira se baseou na já citada “edição critica” de Valentino Gerratana e separando claramente os “cadernos miscelâneos” dos “cadernos especiais”,  estes últimos que seriam os articuladores centrais da nova tradução. Os editores desta nova empreitada seriam intelectuais como Carlos Nelson Coutinho, Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques.

É interessante que a edição brasileira não desprezou o trabalho da primeira produção italiana dos cadernos, vindo a aproveitar a separação temática, como forma de facilitar aos leitores iniciantes de Gramsci. Devemos ressaltar que a cronologia dos escritos está presente nos seis volumes publicados, da forma que não só os iniciados na obra de Gramsci possam começar sua leitura, assim como, os mais exigentes poderão desenvolver pesquisas aprofundadas a partir de nossa edição nacional.

No terceiro e último artigo, vamos conhecer os conceitos politicos de Gramsci e sua aplicação na realidade brasileira.