quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Gramsci, o PT e o Olavo de Carvalho


Por Adelson Vidal Alves



Alguns podem dizer que estou perdendo meu tempo escrevendo algo sobre o “filósofo” (com todas as aspas) e astrólogo Olavo de Carvalho. Mas a se julgar pelo crescente número de discípulos que rebanha, usando das asneiras mais estúpidas, acho ser necessário algumas sacrificantes linhas sobre um tema particular: o suposto projeto gramsciano por trás das ambições do PT.

Sim, pois na cabeça do homem que acha que a Pepsi adoça seus refrigerantes com fetos abortados, o Brasil estaria caminhando para o comunismo sob direção teórica do pensamento de Antônio Gramsci, através da doutrinação nas escolas. Para Olavo e seus seguidores, o teórico sardo seria a referência para a implantação de um regime totalitário no país. O dito “filósofo” (mais aspas) já até escreveu um livro sobre Gramsci, intitulado A nova era e a revolução cultural, no qual chegou a cobrar dos editores do site Gramsci e o Brasil a inclusão em sua bibliografia.

Pois bem, diante das manobras esdrúxulas de Olavo contra Gramsci, conheçamos o real pensamento do italiano e a tal semelhança com o governo petista.

Primeiro, devemos ter a convicção que Antônio Gramsci foi um teórico comunista, que se filiou a Terceira Internacional, mas suas reflexões da maturidade o afastaram do marxismo vulgar desta. Gramsci renovou o pensamento de Marx, sem, no entanto, trair o método materialista dialético, que fez dele até o fim da vida um legítimo marxista. E como sabemos, os governos do PT estão bem longe de algo que se pareça a uma transição para o socialismo. Mal conseguem modernizar nosso capitalismo.

A teoria democrática de Gramsci fala de uma via ao socialismo, mas nada de insurreição, violência ou mesmo do uso prolongado do Estado como instrumento revolucionário, pelo contrário, em uma nota intitulada “estatolatria”, o italiano chega a admitir a necessidade de um Estado forte pós-revolucionário, porém, somente em sociedades “orientais”, isto é, sociedades atrasadas na tradição democrática, ainda sim, exige que tal estratégia não vire “fanatismo teórico”, pois o que deve ser fortalecido é a sociedade civil, o espaço privilegiado para a construção de uma nova ordem social.

A sociedade civil gramsciana é o lugar das organizações coletivas de livre associação, não do autoritarismo ou da doutrinação vulgar. É arena onde se articula a hegemonia, ou seja, a busca de consensos, através da superação dialética das vontades particulares para uma “vontade coletiva”. Para Gramsci , ainda, a hegemonia é produto de um momento “catártico”, quando o sentimento “egoístico passional” assume o momento universal, o momento “ético político”.

O comunismo para Gramsci, chamado por ele de “sociedade regulada” ou “Estado ético”, seria a absorção total dos mecanismos coercivos do Estado para esferas cada vez mais consensuais, seria o triunfo final do autogoverno, do fim das classes sociais e da política como arte de “governantes e governados”.

Como pode, então, que um pensador que defenda a eliminação do Estado e da violência por vias consensuais sirva de inspiração para um suposto governo de viés totalitário? Como pode um teórico que reciclou o marxismo para caminhos democráticos, sendo referência para a criação de partidos e movimentos históricos de um comunismo democrático chegue a ser aproximado da ditadura soviética a quem fez críticas?


Só mesmo um astrólogo  charlatão e cheio de delírios poderia fazer comparações tão bizarras entre o pensamento de Gramsci e o autoritarismo, e pior, transportá-las para a estratégia de poder petista. Estranha-nos que ainda seja levado a sério no movimento editorial brasileiro. 

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Deus é inocente

Por Adelson Vidal Alves



E não é que apareceram ateus para crucificarem as religiões como culpadas pelo terrorismo? Invocam às cruzadas, a inquisição, a opressão das mulheres em teocracias islâmicas, os conflitos na Irlanda como forma de prova que a crença no divino abastece a irracionalidade e atrasa o processo civilizatório. Sem as religiões, dizem os aparentes discípulos de Richard Dawkins, o mundo seria melhor, as pessoas não seriam alienadas por promessas de vidas futuras felizes no céu, haveria liberdades e avanço científico, que levaria a humanidade ao progresso. Um neopositivismo à vista, quem sabe?

O que estranha é o julgamento seletivo. Olham as cruzadas, mas se esquecem dos tantos religiosos perseguidos por defender a democracia e a liberdade. Falam de pastores evangélicos que enganam os fieis, mas se esquecem de Martin Luther King. Criticam padres pedófilos, mas ocultam a vida de doação de um Dom Helder Câmara. Condenam o radicalismo islâmico, mas fingem não ver a oposição pública da maioria das entidades do Islã ao terror.

Se a teocracia é para eles símbolo de opressão e intolerância, deveriam se lembrar da URSS e os governos comunistas do leste europeu, que promoveram perseguição e morte de religiosos, proibindo o culto religioso  e abolindo a liberdade de crença. Estima-se que só na União Soviética morreram mais de 10 milhões de cristãos no chamado ateísmo de Estado.

Deveríamos compreender que o que mata é o fundamentalismo e o fanatismo, sejam pelos os que reivindicam falar em nome de Alá, Cristo ou Marx. Seja pela certeza de ser portador da doutrina verdadeira ou de pertencer a uma raça superior.  Se a religião promoveu massacres, também foi capaz de incutir sentimento de justiça, de fornecer homens e mulheres que ajudaram a edificar os avanços na humanidade.

O sagrado não é obstáculo para a civilização, o extremismo sim. Diante do terrorismo de todas as cores e cegueiras ideológicas, o que deve ser condenado são as ações que promovem mortes e terror contra a vida humana. Se dizem falar por Deus, como o terrorismo religioso, ou se dizem sequestrar e matar por uma sociedade mais justa, como faz as FARC, o que importa é concluir que é a certeza de que vale tudo para alcançar os objetivos que move consciências intolerantes.


Em todos os casos, o fim da religião não cessaria o fanatismo, apenas criaria outras crenças e outras formas de fanatismo violento. No tribunal da história não há outra sentença a ser dada: Deus é inocente. 

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Esquerda e terrorismo

Por Adelson Vidal Alves


O ataque terrorista contra a revista francesa Charlie Hebdo que deixou 12 mortos chocou todo o mundo. Não só pelas vidas ceifadas em pleno exercício da profissão, mas pela iniciativa de tentar inibir a liberdade de expressão, uma das conquistas mais preciosas da democracia moderna.

Contudo, estranha-nos que uma parcela da esquerda relativize a gravidade do fato. O ataque terrorista, segundo esta esquerda, teria sido o resultado do teor satírico que lança mão a revista, principalmente ao satirizar Maomé, o profeta maior do Islamismo.  A chacina seria, assim, reação dos ofendidos. Muitos vão alem, chegam a dizer que o terror é compreensível na medida em que é instrumentos utilizado pelos fracos contra a política opressora do imperialismo ocidental.

Ora, qualquer tentativa de diminuir as responsabilidades de terroristas é um ato irresponsável e desumano. Trata-se de fornecer sinais de justificação de um comportamento que ameaça os avanços civilizatórios. Os atingidos por políticas opressoras devem agir nos limites da democracia, sob as conquistas da civilização, que transferiu os conflitos contemporâneos para o terreno das leis e da diplomacia. A civilização se diferencia da barbárie por não mais aceitar conflitos violentos e abertos. Contra a barbárie, o Estado de direito é o contrato que permite a solução dos confrontos atuais pela via pacífica.

Uma parte da esquerda, no entanto, sempre demonstrou apreço pela violência. Quem não se lembra na Italia do terror vermelho, que alvejava seus adversários políticos na perna, deixando-os penar a dor? Ato cruel e desumano, que não combina com forças políticas interessadas em transformar o mundo. Mesmo no Brasil, sobretudo na resistência a ditadura, grupos guerrilheiros também utilizaram métodos de tortura e justiçamentos que se aproximavam do terror. Mundo a fora organizações ditas marxistas, como as FARC, também usam do terror como forma de chegar aos seus objetivos.

Em geral, o terrorismo que cresce é o de cunho religioso, principalmente o islâmico. Mas não podemos deixar de notar que quando o alvo são países ou lugares de ligação com os Estados Unidos e o ocidente, uma parte da esquerda tende aliviar a culpa do terror. Os culpados não seriam fanáticos perversos e fundamentalistas, desprovidos de razão e compaixão, mas soldados de uma causa justa contra um inimigo mais forte. Esta esquerda costuma oferecer análises que fazem do terrorismo um ato heroico e necessário para vencer o império do mal. Sem perceber, são vozes de apoio a este grande mal que é o terrorismo.


sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Quem era a direita, afinal?

Por Adelson Vidal Alves



O segundo turno das eleições presidenciais de 2014 trouxe, para um determinado a público, a ideia de que o que estava em jogo era um duelo particular entre direita e esquerda. E como no Brasil ser de direita significa o mal, a defesa dos ricos contra os pobres e a encarnação da corrupção, o PT conseguiu trazer para si o apoio de setores progressistas e socialmente mais vulneráveis. O discurso foi reeditado dos outros três pleitos passados.

Logo depois de vencer a eleição, porém, Dilma foi buscar as bases de seu governo nos setores conservadores. Nomeou para seus ministérios: Joaquim Levy (Fazenda), Armando Monteiro (Desenvolvimento), Kátia Abreu (Agricultura), Gilberto Kassab (Cidades), Cid Gomes (Educação), Eduardo Braga (Minas e Energia), George Hilton (Esportes).  Pessoas de convicções distantes do que se esperava de um “governo novo com ideais novas”. Nem o mais pessimista dos governistas imaginaria uma guinada à direita tão radical.

Mesmo assim, não podemos dizer que houve aqui uma traição de princípios. Era visível a inclinação de Dilma neste sentido. Ela só materializou seus acordos eleitorais. Ao contrário do PSDB, que em 2014 encorpou-se com grupos moderados e progressistas, bem diferente do que aconteceu  nas candidaturas de Serra e Alckmin, o PT foi à direita, dando a linha de frente da campanha, e agora do governo, a grupos fisiológicos e até mesmo reacionários. 

Aécio liderou uma coalizão que isolou a extrema-direita, dando espaço para o avanço de forças políticas de centro e até de esquerda. A direita propriamente dita era minoria. Talvez os ministros, hoje nomeados, pudessem agradar parte do eleitorado tucano, mas a coalizão de sustentação do tucano iria, certamente, aprontar um terreno que favoreceria um governo de centro, democrático e com espaço para a esquerda democrática e movimentos modernos da sociedade civil.

Com Dilma, vemos o triunfo de parte da direita, que governa apoiada em símbolos que vestem o imaginário petista, que ilude mentes que ainda creem no PT como alguma coisa que representou nos primeiros tempos de sua fundação. Com as centrais sindicais e os movimentos sociais estatizados na parte de baixo do aparelho estatal, os trabalhadores estão desarmados, necessitando urgentemente do fortalecimento de organismos sociais que possam protegê-los contra os possíveis ataques do governo, como já demonstrou Dilma nos ajustes do Seguro de desemprego e da Previdência.

A agenda de esquerda do governo petista foi duramente derrotada. Muito pouco sobrou do projeto original. Talvez apenas nas políticas sociais. No resto, prevaleceu a governabilidade pragmática, os acordos espúrios, o privilégio político às classes dominantes, a cooptação, o favorecimento ao grande capital etc.

Nenhum sinal para uma proposta reformista, que pudesse modernizar o país democraticamente. O partido que surgiu criticando o “Estado burguês” fez dele seu berço esplêndido, no qual pretende ficar deitado por muito tempo.