quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Marina e o PSOL



Por Adelson Vidal Alves
O vereador carioca Jeferson Moura (PSOL) abriu um debate nas redes sociais quanto a possibilidade de apoio de seu partido a Marina Silva nas eleições de 2014. O parlamentar argumenta corretamente que o atual quadro de correlação de forças não permite radicalizações, e que assim, obriga as forças de esquerda a flexibilizarem suas políticas de alianças. Seus co-partidários reagiram de várias formas. Parte deles preferiu logo desqualificar a proposta de Moura, caracterizando Marina Silva como “eco-capitalista”. Uma simplificação, a meu ver, grosseira, que desconsidera sua luta histórica em defesa da terra.


A ex-Ministra do Meio Ambiente do governo Lula tem relações perigosas com setores religiosos conservadores, nunca foi de articular sua luta ambiental com a construção de uma nova ordem social. Tem propostas genéricas em campos prioritários da política nacional e expressa fragilidade ideológica. Contudo, trata-se de uma mulher de vida louvável, militante e amiga dos movimentos sociais, sensível a dor dos pobres e a ecologia. Pertence ao campo democrático, é aberta a diálogos, tem um caminho existencial que a aproxima dos excluídos de nosso país. Como seringueira e lutadora popular, Marina entende como ninguém a tribulação de grande parte dos brasileiros.


Dentro de um contexto em que o PT abandonou seu compromisso com um governo popular, mantendo constantemente ameaçada a ordem democrática republicana, uma aposta em Marina como a principal líder de um novo bloco político é no mínimo, digna de debate. Sabemos que PSTU e PCB dificilmente fugiriam a sua estreita aliança “classista”, restando ao PSOL, que parece dar sinais de vocação de governo, o papel de jogar peso à esquerda em um possível novo agrupamento político.


Penso que é possível estabelecer alguns pontos comuns: a defesa da democracia, uma política econômica centrada no ser humano, a construção pedagógica de uma ética ambiental sustentável, investimentos pesados na educação, cultura e saúde, e é claro, uma reforma agrária anti-latifundiária.


A palavra de ordem deste novo bloco não seria, obviamente, o socialismo, mas sim o fortalecimento da democracia e a recomposição de um bloco de forças capaz de vencer a hegemonia monetarista, e dar saltos graduais para um novo projeto político brasileiro, justo, solidário e democrático.


Os psolistas são soberanos em sua decisão, mas não custa nada refletirem caminhos mais viáveis em nossos tempos, que não só lhes daria mais robustez política, como também o afastaria dos tempos sectários daquele que, mesmo a contragosto, os pariu.

domingo, 27 de janeiro de 2013

PPS: 21 anos de política democrática

Por Adelson Vidal Alves




Em Janeiro de 1992, O PCB (o saudoso partidão) realizava na cidade de São Paulo seu X Congresso, convocado de forma extraordinária pela direção nacional do partido. Entre os debates promovidos no encontro, prevaleceu uma maioria partidária que entendia a necessidade de reformulação radical na política do partido, haja vista a nova realidade internacional, que tinha como centro da discussão o desmoronamento do “socialismo real” do Leste europeu, e a crise que atingia as bases do sonho socialista. Os congressistas em sua grande maioria (72%) vão dar aval a mudança de nome da legenda, que abandona também o símbolo da foice e o martelo. Cerca de 58% dos presentes aprovaram a nova sigla como PPS (Partido Popular Socialista), enquanto 38% preferiram PDE (Partido da Esquerda Democrática).  

O fato é que o X congresso do PCB só confirmaria uma guinada importante na vida interna dos comunistas brasileiros. Já há algum tempo, as influências do italiano Antônio Gramsci conferiam a linha partidária um compromisso com a democracia política, enquanto noutros tempos ela era vista como descartável quando chegada a “ditadura do proletariado”. O PPS desde então vai assumir a luta de construir uma nova ordem social em total respeito às liberdades democráticas conquistadas na modernidade. Vai se destacar pela forma renovada e responsável em que trava a luta política, sendo forte em suas críticas de oposição, mas sendo maduro para preservar os avanços complexos que ora aconteciam na vida política brasileira.

Só para se ter uma ideia, o PPS apoiou a frente democrática de Lula no segundo turno das eleições de 1989, mas fazendo a ressalva do equívoco de se adotar radicalismos, como o do discurso que condenava o Plano Real como um projeto das elites, quando na verdade ele lançava as bases para a estabilidade monetária do país.

No governo FHC o partido ocupou o lado oposicionista, mas recusando o simplismo de reduzi-lo a um governo “neoliberal, imperialista e de direita”. Compreendia a hegemonia conservadora no centro do governo, mas jamais caiu no sectarismo golpista da esquerda tradicional, que tentou derrubar pelas ruas o governo tucano, usando de gritos como “Fora FHC”. O PPS propunha a construção de um agrupamento político de centro-esquerda, que fosse capaz de impor reformas democráticas e fortalecer o campo progressista da sociedade e dos poderes republicanos. Suas teses foram derrotadas diante do maniqueísmo pobre da maior parte da esquerda brasileira, que não conseguia ver política além de sua visão estreita do bem contra o mal.

Mais tarde a aproximação do PPS com o PSDB e o DEM se tornou sua maior desgraça frente os olhos ortodoxos de uma parte cega da esquerda. Para estes o Partido assumia a sua traição frente ao comunismo, ao aliar-se a "direita neoliberal" brasileira.

É verdade que democratas e tucanos representam na sociedade uma parcela significativa de conservadores e moderados. Não são partidos revolucionários, entretanto, jamais renunciaram seu compromisso com Estado democrático de direito, ponto inegociável na política de alianças do PPS. Se por um lado respondem por suas bases conservadoras, PSDB e DEM apareciam como aliados pontuais e democráticos, quando do outro lado ouvia-se gritos que abalavam as estruturas de nossa ordem republicana. PPS/DEM/PSDB formaram um bloco de alianças que reivindicava a democracia política, o respeito a pluralidade e condenavam duramente o aparelhamento partidário que o PT fazia em seus governos. Nunca anotaram em seus programas um neoliberalismo puro e simples, apenas faziam concessões na medida em que o jogo de forças social exigia, desde que a ordem democrática fosse mantida e as regras do jogo respeitadas.

O PPS faz 21 anos defendendo um Brasil democrático, um reformismo forte como forma de combater as desigualdades, um desenvolvimento sustentável que dê conta de avançar o país sem ferir o equilíbrio ecológico. O PPS completa 21 anos defendendo o socialismo, alcançado pela política, sem violência e de forma plural. Um socialismo que tenha a democracia como fim, e não como meio.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O MST e os governos petistas



Por Adelson Vidal Alves
O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) é sem dúvida o mais ativo movimento social brasileiro. Sua reivindicação toca em uma questão anacrônica de nossa história: a democratização da estrutura fundiária brasileira.


A princípio a bandeira central do movimento nada tem de socialista, como acusam alguns intelectuais e personalidades da direita. A maioria dos países capitalistas centrais já realizou sua reforma agrária, como forma de impulsionar seu mercado interno, aumentando o consumo e a dinâmica de suas economias. Por aqui, a mentalidade colonial das elites do campo ainda impede a construção de uma política que potencialize nosso capitalismo, através de uma combinação de modernização da produção agrícola com geração de renda em propriedades de caráter familiar.


É exatamente esta dívida histórica de nossas elites que força a existência de movimentos como o MST, que não treinam terroristas em Cuba para tomar o poder de assalto, mas corajosamente organizam os pobres do campo na luta pelo meio de seu sustento. Graças a ele e seus aliados, que hoje milhares de famílias podem sobreviver de seu trabalho, abastecendo o mercado interno, e impedindo que nossa soberania alimentar seja ameaçada pelo agronegócio.


Acontece que não são apenas as elites as barreiras para a realização da reforma agrária. Há mais de 500 anos os sucessivos governos, em suas formas mais variadas, corporativistas, ditatoriais, populistas e mesmo democráticas, vêm se recusando a assumir ações mais ousadas pelo povo do campo. É bem verdade que João Goulart tentou algo mais forte em relação a uma política agrária, que distribuísse a propriedade rural. Mas a ausência de correlação de forças o fez ser vítima de um golpe civil-militar, que retirou completamente de pauta um mecanismo estrutural de reforma fundiária. Ainda que paradoxalmente tenha sido no neste regime a implantação de algumas ferramentas legais que introduziram o debate da situação camponesa, como o “Estatuto da Terra”.


Indo um pouco mais a frente, chegando a nosso tempo republicano, a discussão quanto às injustiças agrárias obtiveram pouquíssimos avanços. Os governos Collor e FHC paralisaram medidas de democratização da propriedade da terra, e usaram da força para impedir que avanços mais significativos partissem do povo organizado. O MST reagiu com mais ocupação, marchas, e oposições ferozes a FHC e seu governo. Como o bloco de alianças tucano-pefelista demonstrava visível alinhamento com os inimigos da reforma agrária, a atuação do MST era compreensível e até mesmo digna de apoio.


Mas a história parecia mudar a favor dos lutadores da terra. Um partido historicamente comprometido com a luta dos camponeses chegou em 2002, pela via democrática,  ao poder central do país . Hoje, dez anos depois, os números repetem a tragédia de seu antecessor tucano. Suas políticas agrícolas são mais conservadoras que as apresentadas pela direita, que só perpetuam o sofrimento no campo. O tratamento do MST em relação a ele, contudo, é diferente. Nada de marchas pedindo o impeachment do presidente, ao contrário, em 2005 assinou um documento defendendo o governo das acusações de corrupção, hoje comprovadas pelo tribunal maior de nossa Justiça democrática.


Mesmo que as pressões prossigam e que parte significativa de suas bases assumam tons mais fortes de críticas, o fato é que a direção central segue apoiando o governo. Nas últimas eleições tomou lado petista em todos os pleitos, sempre julgando haver diferenças nos dois governos que igualmente protegeram o agronegócio.


A explicação para tal incoerência não se encontra apenas na ligação histórica do MST com o PT. Mas principalmente pela intervenção do movimento nas instâncias do poder. Ainda que a reforma agrária não saia, vários integrantes dos sem-terra tem entrada livre nos gabinetes palacianos. Sem falar que o próprio movimento se beneficia de recursos legais vindos do Estado, através de ONGs com comprovada ligação com o movimento.


Pesa ainda o fato de que a política de assentamentos do PT centra sua estratégia no assistencialismo às famílias que não conseguem sucesso produtivo, exatamente porque esse mesmo governo lhe nega crédito e assistência técnica, que diga-se de passagem, sobra aos empresários do agronegócio.


Não se trata de atacar o MST. Pelo contrário, ele deve ser defendido com unhas e dentes por todos aqueles que sonham uma nova realidade agrária, mais justa e solidária. O movimento, porém, precisa recuperar o fôlego de sua autonomia, situar-se para além das ilusões de uma nova política dentro do atual bloco de poder. Deve compreender de uma vez por todas que as esperanças que tínhamos nesse governo foram embora junto com a ética que seu partido dirigente reivindicou em sua forma originária.




segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O PT e a democracia



Por Adelson Vidal Alves
O PT surgiu em meio a emergência de uma sociedade civil robusta e dinâmica. O aparecimento de uma série de organismos sociais consolidava nosso processo de “ocidentalização”, formado diante de um contexto de redemocratização “lenta e gradual”, porém, com intenso protagonismo dos atores coletivos organizados pelas classes subalternas, e mesmo seus aliados democráticos mais moderados. O impulso para construção do partido veio ainda das lutas operárias do ABC paulista, e também da incrível experiência progressista das igrejas populares.


Formatado dentro de uma concepção plural de partido, o PT aparece como grande força de esquerda, com potencial de se transformar na principal organização política de caráter revolucionário. Entretanto, as primeiras análises e ações do partido o colocavam em relação conturbada com o jogo democrático. 

Dentro de uma concepção “não-aliancista”, o PT vai concentrar sua atenção nas mobilizações de ruas, mesmo que sem abandonar a disputa institucional. O sectarismo de suas primeiras concepções da disputa política fará a legenda boicotar o colégio eleitoral, enfraquecendo as forças progressistas dentro dele. Vai também rejeitar a homologação da Carta de 1988, que ampliava e avançava os direitos sociais, civis e políticos do povo brasileiro.


As mudanças internas do Partido dos trabalhadores, principalmente em meado das décadas de 1990, caracterizarão uma guinada profunda na visão do partido em relação a luta política moderna. Em seus documentos percebe-se uma correta avaliação da complexidade de nossa realidade econômica e social, o que de fato lhe credenciará como uma força política potente na disputa pelo poder institucional. O preço, contudo, foi o afastamento de suas bases mais radicais, assim como o rebaixamento de seu programa. O crescimento eleitoral foi visível e intenso, que terminou com a eleição presidencial em 2002, dentro de um leque de alianças heterogêneo e de centro esquerda.


Como partido de governo emplacou uma gestão conservadora, distante da mobilidade da sociedade civil que o gerou e em total alinhamento com o status quo. Seu projeto empobrecido de poder revelou sua face autoritária e antirrepublicana, principalmente quando veio a luz os indícios de existência de um amplo sistema de corrupção, que garantia a governança petista através de subornos aos agentes de um dos poderes de nossa república. Pior, o partido recusou as evidências de corrupção, elegeu a imprensa como criadora da “farsa” e principal instrumento de calúnia contra o governo.


O PT tinha todo o direito de criticar a sentença dada pelo STF aos condenados na ação que julgou o episódio. Poderia também debater a cobertura midiática, sensacionalista e exagerada, mas jamais instigar sua militância contra os resultados de um julgamento que correu dentro das normalidades de um tribunal democrático. Não poderia, também, jogar nas costas da imprensa o peso de seus desvios éticos, atacando irresponsavelmente um dos pilares do funcionamento da democracia. Por fim, é inadmissível que um partido erguido sob a luta contra a ditadura aceite que um de seus parlamentares desobedeça publicamente a sentença de nossa Suprema Corte, fazendo de seu ato um desafio a harmonia dos poderes e o funcionamento da institucionalidade republicana. A historia do PT junto a democracia brasileira nunca foi de grandes amores.


Não há sinal de que nosso ordenamento democrático esteja ameaçado de cancelamento sob o atual governo, mas também não há uma segurança de que não vá ocorrer pequenas rupturas nas regras do jogo,  caso  o partido hegemônico seja ameaçado no poder.


Esperamos que o Partido dos Trabalhadores não vá agir como quem sendo o dono da bola só aceite seguir o jogo enquanto estiver ganhando. Esperamos que não levem a bola embora quando o jogo virar contra ele.