segunda-feira, 24 de março de 2014

Nem todo opositor “Marcha com Deus”

Por Adelson Vidal Alves



No último dia 22 de Março, dezenas de municípios do país tentaram reeditar a “Marcha da Família com Deus”, que em 1964 deu as bases civis para o golpe militar. Em geral, foi um fiasco. Nossa institucionalidade democrática, refundada em 1988 pela valorosa Carta Constitucional aprovada aquele ano, guarda hoje relativa imunidade a golpes abertos. O que não significa que os ruídos autoritários de nossa história recente tenham sido completamente silenciados.

A nova Marcha da Família com Deus tem diferenças com a primeira, mas recuperou parte do discurso que incendiava as rivalidades ideológicas num mundo então marcado por paranoias da Guerra Fria. Os que marcham hoje querem intervenção militar, denunciam um caminho comunista que o Brasil estaria trilhando, pretendem derrubar Dilma da presidência. Ora, se mesmo Goulart, que ingressou no barco radical das esquerdas em 1964, jamais aproximou o Brasil de algo parecido com o regime comunista, o que dizer de Dilma? Que abraçou com agrado a tarefa de gerenciar o capitalismo.

Não passam de pretensões delirantes. Produzidas com pobreza e requentadas por setores da direita nada simpáticos com a democracia, ainda que falem dela o tempo todo. O que não pode, todavia, é tratarmos as bizarras marchas como sendo de interesse de todas as oposições.

Sim, porque parte dos governistas já ensaiaram uma orquestra falante para colocar todos os opositores como co-responsáveis pelos pedidos de queda da presidenta Dilma. Deve-se deixar bem claro que há na oposição grupos de esquerda, moderados e até conservadores, que guardam com coragem a defesa intransigente da democracia, rechaçando diariamente qualquer tentativa de se ensaiar um golpe contra o poder constitucional.

O ódio ao PT e ao comunismo, assim como a sede de devolver a República nas mãos dos militares, não são ingredientes que fazem parte da estratégia política das oposições democráticas, que divergem entre si, mas que convergem na certeza de que derrotar Dilma, somente nas urnas.

Se por um lado há a insanidade de quem clama pela volta da ditadura, por outro há o oportunismo de quem quer se valer eleitoralmente dos acontecimentos. Quem marchou a favor da intervenção militar nem de longe fala por toda a oposição, que integrada à constitucionalidade, é elemento indispensável para a dialética democrática.

segunda-feira, 17 de março de 2014

E agora Silvio Campos?

Por Adelson Vidal Alves

Com 73% dos votos, Silvio Campos será o novo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense. Uma vitória histórica, acachapante. A frente da Chapa 1, Silvio carregou a bandeira da atual gestão, que reestruturou a instituição e conseguiu conquistas econômicas importantes para os trabalhadores. Deve, contudo, enfrentar os desafios que ora se apresentam, assim como assumir a tarefa de rever erros cometidos no passado.
Filiado à Força Sindical, central de orientação conservadora e raízes neoliberais, o sindicalismo metalúrgico da região curvou-se a uma concepção de “resultados”. Por conta disso, o trabalho de base não existe, o que dá margens para burocratização e verticalização.  Falta, ainda, um investimento em formação. Focado em um pragmatismo excessivo, o ex-presidente Renato Soares quase não trabalhou a qualificação de sua diretoria, vivendo afastado de discussões teóricas mais profundas, o que impediu interpretações conjunturais corretas nos momentos de crise, como em 2008. A atual diretoria ainda não conseguiu entender as mudanças no mundo do trabalho, as novas estratégias de gerenciamento produtivo, o encolhimento do operariado fabril, a diversificação dos trabalhadores etc. Pensam como se ainda vivessem os tempos do fordismo.
Pessoalmente, Silvio Campos ainda não tem a liderança de seu antecessor. Renato tornou-se líder nos duros tempos de oposição, carregando relativo carisma. Silvio, ao contrário, é mais um quadro administrativo, de perfil sério e semblante frio. Suas opiniões não se distanciam da central a qual é filiado. Moderado, carrega a expectativa de poder conciliar os interesses de trabalhadores e empresários, a quem diz manter repeito. Toma para o papel sindical, a missão de qualificação da mão de obra para o capital, ficando sempre de olho no mercado. Assim como seu antecessor, deverá seguir modelando a entidade para políticas assistencialistas (serviços odontológicos, planos de saúde etc), dividindo responsabilidades com o Estado. Também seguirá fazendo do 1 de maio uma festa de brindes e sorteios, esvaziando seu histórico de lutas.
A cultura sindical de parceria, a qual nem Silvio e nem Renato dão sinais de abandonar, pode servir em tempos de economia forte, mas já não dão conta quando crises econômicas fazem o capital abrir ofensiva contra o direito dos trabalhadores. Um sindicalismo moderno não deve assumir sectarismos, tendo a habilidade de recorrer a diálogos mais amplos na luta por conquistas. Todavia, não deve jamais se iludir quanto à postura patronal. Nos momentos de tensão, é preciso organizar o movimento dos trabalhadores para enfrentar conflitos de classe sem, é claro, ultrapassar os limites do regime democrático.
Silvio Campos terá pela frente um árduo trabalho, com uma categoria desmobilizada, os sindicatos em descrédito e possíveis turbulências na economia. Equilibrar-se entre a negociação e o enfrentamento, parece ser mais uma vez o desafio.
Renato conseguiu avanços, ainda que tenha ficado devendo. Silvio tem a chance de ir mais longe e recuperar o papel histórico que teve o SINDMETAL, deve, no entanto, abrir caminhos para mudanças internas e externas. Se vai conseguir, só tempo dirá. Estaremos torcendo.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Chavismo à brasileira

Por Adelson Vidal Alves



No dia 17 de Fevereiro, o Brasil subscreveu uma nota bizarra emitida pelo Mercosul. Nela, os países membros dizem rejeitar “as ações criminosas de grupos violentos que querem espalhar a intolerância e o ódio na República Bolivariana da Venezuela como uma ferramenta política”. Fala-se ainda em defesa da democracia e das instituições, sem tratar de forma clara o direito de livre manifestação, atacada por milícias e forças oficiais do governo. Este, pelo contrário, é tratado como àquele que vem buscando o diálogo.

A Venezuela ainda não é uma ditadura. Mantém eleições periódicas, uma Constituição legítima e um sistema político multipartidário. Contudo, já há algum tempo que o delírio do ex-presidente, transformado em ideologia, ameaça a estabilidade das instituições, que devem se curvar às diretrizes do “socialismo do século XXI”, um termo vago e que serve para justificar as decisões autoritárias do chavismo, que serviriam para acelerar o triunfo da “revolução bolivariana”.

No nosso vizinho continental, os poderes republicanos vem lentamente se convergindo para dentro do poder executivo, tornado o núcleo central das decisões do país. A imprensa e as manifestações são criminalizadas, a Assembleia Nacional, de maioria governista, tratada como correia de transmissão dos interesses do governo.

A crise que hoje se instala, não é um golpe em curso, mas resultado da grave situação do país, mergulhado em inflação, violência, desemprego e escassez de alimentos. A saída para o impasse deveria se dar por negociações, que com Maduro, transformaram-se em 20 óbitos.

Ainda sim, diante deste quadro, a diplomacia brasileira prefere oscilar entre o silêncio e o apoio discreto a Maduro. Por que um país de alta importância para o continente e com deveres democráticos não se pronuncia com dureza contra a repressão governista? Seria apenas solidariedade entre administrações que assumem afinidades?

Dilma e Lula não chegam a um Hugo Chavez. Mas não podemos subestimar sinais administrativos que nos fazem lembrar o caudilho morto em 2013. A articulação para denegrir a imprensa, desacreditar o Poder Judiciário, fazendo de seus parlamentares portadores de desobediências e provocações às decisões judiciais, o aparelhamento dos movimentos sociais, o recurso de compra de votos para aprovação de projetos de interesse governamental, feito crime pela AP 470 e a insistente tentativa de tentar impor reformas por fora dos caminhos normais da democracia mostram a face de nosso “chavismo à brasileira”.

Nossa cultura e história, de certo modo, ainda nos torna imunes a uma conversão institucional a ideologias autoritárias. A complexidade da sociedade civil brasileira, assim como a estabilidade de nossos organismos republicanos, ainda guarda forças para resistir a medidas que ponha em risco nossa democracia. Mas não custa nada, olhando para o exemplo vizinho, nos policiarmos contra assanhamentos autoritários, que nos últimos dez anos vem se mostrando constantes no Palácio do Planalto.


terça-feira, 4 de março de 2014

O mercado e as Políticas Públicas de Cultura

Por Adelson Vidal Alves

 
Zigmund Bauman, sociólogo polonês, define a cultura, em tempos líquidos modernos, como sendo uma ferramenta de sedução na sociedade de consumidores, uma espécie de mecanismo de tentação para não deixar os clientes, compradores de produtos culturais, satisfeitos com o que tem. Sua função seria despertar continuamente desejos, obrigar o consumo de mercadorias culturais, descartáveis rapidamente. Cultura e moda estariam no mesmo barco.

Theodor Adorno, teórico alemão da Escola de Frankurt, desenvolveu o conceito de Indústria Cultural. Segundo ele, a criação cultural serve a um conjunto de regras dispostas a padronizar a produção de bens culturais, que em geral seriam praticamente iguais. São fabricados como se fabrica latas de salsichas, e são vendidos no mercado sem mostrarem muitas diferenças entre si, já que a Indústria Cultural impede a criatividade e a dimensão crítica da cultura. Tudo que se produz responde por um padrão que consagra o consagrado e sufoca novidades. Tanto Adorno quanto Bauman pensam cultura ao lado do mercado.

Já Antônio Gramsci, um italiano que foi filiado ao movimento do “comunismo histórico”, admirador da revolução russa e dirigente partidário, a cultura pode ter funções distintas, dependendo a que grupo hegemônico ela serve. Pode modificar estruturas, criar um mundo novo, inclusive sem mercados, mas, pode também, consolidar uma ordem existente, alienadora e opressora. Para Gramsci, a cultura é o elemento principal de preocupação dos revolucionários. Sem que esta esteja do lado dos socialistas, seria impossível vencer o capitalismo, motivo pelo qual insistiu tanto numa “reforma moral e intelectual da sociedade”.

Os três autores estão inseridos num amplo debate sobre o conceito de cultura e sua importância no mundo moderno. O resultado deste debate serve para orientar o papel da cultura em nossos dias, se é que ela tem um papel. Serve também para discutirmos em que momento faz sentido falarmos de uma “Política pública de Cultura”, isto é, da participação do Estado no ambiente de produção cultural.

Neste aspecto, é de bom grado recordarmos a origem do termo “cultura” e as primeiras tentativas de usá-la para finalidades de orientação governamental. As primeiras citações da palavra faziam referência a prática da agricultura. O ato de semear solos inférteis e fazer deles grandes jardins, brotando flores, árvores e frutos, serviriam como metáfora para o papel da cultura, que seria o de fazer ambientes toscos e ignorantes, lugares de educação mais sofisticada. Os intelectuais, “homens de cultura”, seriam àqueles que ensinariam às massas  a evolução para níveis mais elevados de civilidade. Por conta disso, governos lançavam mão de políticas de cultura que favorecessem o que eles consideravam “cultura superior” que, no fundo, abria caminho para a construção e solidificação da nação e do Estado-Nação Moderno.

O histórico do conceito de cultura, assim como o de políticas públicas, pouco ilumina os desafios de nosso mundo moderno, mergulhado em mercado, consumo e lucro. Um dos desafios, entre tantos, no atual momento, é pensar as relações Estado-Cultura-mercado, em todas as ordens.

Todavia, o Estado não é uma entidade metafísica. Está sujeita a interferência da política, em suas variações que vão de acordo com a visão de mundo que o ocupa hegemonicamente. No nosso caso, a proposta é pensar uma Política Pública de cultura que atenda o moderno Estado democrático de direito. Uma política guiada pela democracia como valor civilizatório e universal.

É aqui que devemos perguntar: qual deve ser a política de cultura adequada para um Estado de direito dirigido por forças democráticas?

Pensei, influenciado por Bauman, Adorno, Gramsci e outros, em quatro diretrizes mínimas que devem orientar tal política:

1.    Cultura engloba quase todo o comportamento humano. De modo que, se o Estado se propor a financiar todas as atividades que se auto definam “cultura”, seu trabalho será inviabilizado. Desta forma, deve-se definir o conceito de cultura, retirando deste qualquer tipo de iniciativa interesseira e que não contemple o interesse público.

2.    É dever do Estado fornecer bases materiais para o desenvolvimento da produção cultural, não apenas financiando artistas consagrados, mas fomentando a criação,  através de saraus, centros culturais, oficinas etc, sobretudo nos setores mais pobres, onde as pessoas tem dificuldades em dividir seu tempo entre cultura e o ganha pão.

3.    O Estado precisa proteger o artista do mercado. Os recursos públicos devem servir como barreira entre a produção autônoma do artista e o mercado. Deve fornecer formas de sobrevivência sem que este seja obrigado a transformar sua obra para servir aos interesses dos clientes.

4.    Mesmo que cabendo ao poder público incentivar a criação plural da cultura, sendo vedada sua interferência para um direcionamento com fins de seu interesse, isto não significa que não possa trabalhar, de forma democrática, na articulação com a sociedade civil, com o intuito de promover valores, comportamentos e formas de vida que favoreçam um ambiente cidadão e democrático, que ao invés de fazer da cultura elemento de separação em guetos de tradições culturais diferentes, forneça um espaço para a produção de sínteses culturais universais.

É óbvio que estes quatro pontos não esgotam a temática. Mas me parece claro que os governos tem se recusado a pensar minimamente os fundamentos da sua política. Parecem se contentar com cultura em sua forma circense, no mau sentido da palavra.