segunda-feira, 29 de julho de 2013

Os gays e os cristãos

Por Adelson Vidal Alves


O Papa Francisco foi embora, e seu espírito de renovação deixou grandes polêmicas a serem discutidas pela igreja brasileira. Fosse Bento XVI, a JMJ seria palco de reafirmação dogmática dos princípios históricos da fé católica. A teologia da libertação seria condenada, as mulheres rebaixadas na hierarquia eclesial, os homossexuais chamados ao arrependimento como condição de salvação. Francisco fez diferente. Recebeu e prometeu ler o livro do teólogo Leonardo Boff, afastado de suas funções por suas teses sobre a igreja dos pobres. Em entrevista, exaltou a importância da mulher na vida religiosa, e disse não condenar os gays que buscam a Deus.

O santo padre chamou os cristãos para revolucionarem, debaterem e se comprometerem com as questões sociais.

Tal chamado inclui pensar a ação cristã dentro de um mundo de exclusão. Pesa sobre os ombros da Igreja o boicote a leis de combate a homofobia. Usa-se de sua influência e poder político para impedir que o Estado avance na consolidação de políticas públicas na construção da cidadania gay. Dizem eles que aparatos legais que regularizem o casamento gay oferecem risco à família tradicional. Ora, onde vivem estes cristãos que não perceberam que a família dos parques de domingo, com casais heteros e filhos comendo algodão doce já não são únicas? Nos dias atuais destacam-se mulheres solteiras criando seus filhos, (com ou sem ajuda dos pais biológicos), e que vivem normalmente suas vidas, namorando e reconstruindo sua vida conjugal com outros parceiros. Casais homossexuais vivem juntos, almoçam na casa dos sogros e sogras, barrigas solidárias fazem de casais homoafetivos agentes na gestação do ser que será de sua responsabilidade, que será seu filho.

Tudo isso é novo, e não há encíclica papal capaz de frear, é a dinâmica natural da história.

Mas se os cristãos baterem o pé contra o trem da história encontrarão dificuldades de sustentarem suas teses anacrônicas. De nada adianta erguerem suas bíblias, pescando versículos e atribuindo a Deus a condenação da homossexualidade. Aliás, o que se espera de afirmações bíblicas sobre a prática homossexual senão a condenação? Afinal de contas, a bíblia nasceu inserida num contexto patriarcal. Veja que Deus é pai e não mãe, os 10 mandamentos falam de não cobiçar a “mulher” do próximo (veja que não é o homem da próxima, numa prova que foi direcionado aos de gênero masculino), os discípulos são todos homens etc.

Uma hermenêutica moderna deve ser capaz de traduzir a bíblia para a necessidade e realidade de nossos tempos. O fundamentalismo de achar que sua interpretação deve ser ao pé da letra nos levaria a inteiros genocídios contra os pagãos, e mesmo na crença de que uma humanidade inteira veio de um casal só, enganado por uma serpente no paraíso. A bíblia é um documento do seu tempo, escrita por homens, e condicionada pela cultura de sua origem, qualquer leitura que dispense estes elementos cai em conclusões anacrônicas.

O Deus revelado por Jesus é o que fez opção pelos marginalizados. O próprio Cristo deu preferência aos que estavam à margem da sociedade, e ao invés de discriminá-los, os acolheu com o amor do pai. Não tenho dúvida que, se caso Jesus vivesse hoje, tomaria a causa dos homossexuais como opção de sua práxis libertadora, e jamais aprovaria a reprovação dos religiosos que teimam em condená-los ao inferno.

Os cristãos que de fato receberam o espírito de Jesus trabalham pela construção de um mundo mais tolerante, e entendem que para Deus o que salva é o amor, e não a confissão de um credo. O que salva é a opção pelo projeto de Deus, que está longe de moralismos, mas envolvido numa utopia de que a paz e a solidariedade podem ser sustentações de uma vida em sociedade mais justa, a saber: o Reino de Deus.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Sim, eu sou comunista



Por Adelson Vidal Alves

Permaneço comunista. Ainda que me distancie do socialismo real do leste europeu, da autoritária experiência cubana, do estranho “socialismo de mercado” chinês e de todos os PCs brasileiros, continuo acreditando numa nova ordem social, sem alienação política e econômica, sem Estado, governantes e governados, assim como o desaparecimento das classes sociais.

Mais próximo de Gramsci do que de Lênin, tenho total descrença numa revolução que tome o poder de assalto, e muito menos adjetivo nossa democracia por referências de classe. Pelo contrário, estou convencido do valor universal da democracia, e acho que é com ela e por ela que venceremos o capitalismo.

A foice e o martelo, símbolos da aliança operária/camponesa, me soam como anacrônicos. Ao contrário das previsões de Marx, o mundo não se proletarizou, e o operariado fabril perdeu protagonismo nas lutas sociais modernas.

A conturbada, porém valorosa, experiência do PCB me fascina e influencia, mas os dois partidos brasileiros de hoje, que advogam o comunismo em sua sigla, me soam como estranhos a atual conjuntura global. O PCdoB, que militei durante 7 anos, é hoje uma mistura de oportunismo e atraso teórico, enquanto o PCB, firme e coerente em suas crenças revolucionárias, por puro sectarismo, quase não interferem na vida nacional.

Tenho admiração histórica pelo saudoso PCI (Partido Comunista Italiano), um exemplo de atuação revolucionária no campo democrático. O chamado Eurocomunismo, que propôs um caminho socialista pela via democrática, teve nele seu principal representante. Nosso continente também viu uma interessante proposta de transição para o socialismo, através da Unidade Popular chilena, de Salvador Allende. Infelizmente, a intervenção imperialista interrompeu a via chilena com um golpe militar.

A crise capitalista atual apresenta brechas para que possamos construir uma nova sociedade. Mas como já nos alertava um teórico russo, não basta que as classes dominantes estejam sem condições de permanecer dominantes, é preciso que os de baixo estejam preparados para assumir sua função. A má notícia é que a esquerda não consegue assumir a hegemonia, não tendo projetos alternativos e viáveis. O capitalismo se recupera, e busca novas formas de dominação, com o risco de assistirmos retrocessos autoritários.

Eu ainda me oriento pela teoria marxista, guardando sempre o alerta de Lucaks, segundo qual o único elemento ortodoxo da teoria de Marx é o método, sendo suas afirmações e argumentações históricas sujeitas a revisão. Como dizia Carlos Nelson Coutinho “Nós marxistas devemos ser animais em mutação, para não sermos animais em extinção”.

Enfim, reafirmo publicamente meu comunismo. E mesmo que diante da difícil situação dos comunistas no mundo moderno, me animo com o mote de um dos maiores comunistas do século XX, segundo qual nosso pessimismo da razão deve se equilibrar com o otimismo da vontade.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Marina Silva



Por Adelson Vidal Alves

Marina Silva nasceu em Rio Branco, estado do Acre em 8 de Fevereiro de 1958. Filha de seringueiros sofreu com várias doenças em sua adolescência e viu sua mãe falecer por conta da precaríssima estrutura da saúde pública dos hospitais de onde morava. Alfabetizada apenas aos 16 anos, ingressou na universidade e formou-se em História, no qual dedicou parte de sua vida como professora secundária. Em 1986 ingressa no Partido dos Trabalhadores (PT), quando já era militante sindical ao lado do saudoso Chico Mendes. Foi vereadora, deputada e senadora, quase sempre estando entre as mais bem votadas.

Marina fez parte da campanha vitoriosa de Luiz Inácio Lula da Silva a Presidência da República em 2002. Logo foi convidada a assumir o Ministério do Meio Ambiente, onde travou intensas lutas por uma política ambientalmente sustentável. Conseguiu vitórias importantes, como a adoção de metas, por parte do governo, de diminuição da emissão de gases de efeito estufa. Perdeu a batalha contra os transgênicos, e sofreu forte pressão na política adotada contra o desmatamento na Amazônia. Em 2008, deixou o governo, depois de fortes desentendimentos com o Ministro Mangabera Unger. Enfraquecida pelos interesses econômicos do Planalto, foi impossível manter-se no posto. Sua demissão foi vista por ambientalistas como uma clara opção governamental de desenvolvimento sem compromisso com as questões ambientais.

Em 2009, a ex-ministra desfilia-se do PT vindo a integrar-se ao PV (Partido Verde), onde se candidata a presidência da República no ano seguinte. Enfrentando as máquinas dos governos do PT e PSDB, obteve significativos 20 milhões de votos, firmando-se definitivamente como uma alternativa real a polarização histórica entre tucanos e petistas. Marina também se desligou do PV, desiludida com o autoritarismo de sua cúpula.

Hoje Marina Silva assume a tarefa de criar um novo partido. Nos últimos meses vem colhendo assinaturas para viabilizar a fundação da REDE SUSTENTABILIDADE, que tem a ambição de refundar a política, alinhando-se as novas formas de organização social, horizontalizadas e desburocratizadas, tendo como referência a chegada de novos mecanismos tecnológicos de relação social. A pretensão da REDE é lançar Marina a presidência em 2014. Os últimos números do IBOPE colocam-na em empate técnico com Dilma Roussef no segundo turno.

Caso se concretize a candidatura, o Brasil passará a ter uma real opção para o poder central do país. A história de lutas, a sensibilidade social e a experiência institucional de Marina, fazem dela a mais preparada para assumir a chefia do executivo, e renovar profundamente a cultura política brasileira, valorizando a sustentabilidade ambiental com justiça social e desenvolvimento econômico. Teremos, provavelmente, um novo cenário eleitoral, com novas possibilidades, e a chance imperdível de dar cara nova a sociedade brasileira, democratizando a democracia.  

quinta-feira, 18 de julho de 2013

O exemplo do MPL



Por Adelson Vidal Alves

O MPL (Movimento Passe Livre) nasceu em janeiro de 2005, em Porto Alegre, impulsionado por uma série de lutas que antecederam sua criação, do qual se destacam a Revolta do Buzu (Salvador, 2003) e as Revoltas da Catraca (Florianópolis, 2004 e 2005). O movimento assume como central a luta “por um transporte público de verdade, gratuito para o conjunto da população e fora da iniciativa privada”. Seu arco de influência atinge principalmente a juventude, sobretudo estudantes secundaristas e universitários.

Apesar de existir a pelo menos 8 anos, a entidade só se tornou conhecida nacionalmente em junho deste ano, ao assumir a chamada da maior parte das mobilizações que levaram milhões de pessoas as ruas de todo país. O MPL foi quem tomou os primeiros passos na luta pela revogação do aumento de R$ 0,20 das passagens na cidade de São Paulo, que de forma inesperada, incendiou uma verdadeira Primavera brasileira.

O MPL vem crescendo em todo país, e traz com ele algumas novidades que vão de encontro com o novo momento da luta social no país. Ao contrário da UNE, integrada ao governo Dilma, burocratizada e hierarquizada, o movimento vela pela horizontalização de suas decisões, o que impede criação de líderes e dificulta cooptações. Enquanto a UNE tem na sua presidência gente ligada a partidos políticos, e que na maioria das vezes usa da política partidária na entidade, o MPL é apartidário, ou seja, não se está ligado a nenhum partido político, ainda que aceite em seus quadros, militantes filiados a partidos. São apartidários e não anti-partidários.

O Movimento Passe Livre, além de carregar bandeiras justas e democráticas, tem a seu lado o formato de organização que se encaixa nos modelos mobilizatórios da contemporaneidade. Se as outras entidades estudantis ainda pecam pela burocratização, o MPL vem de encontro ao grito das ruas, trabalhando dentro de um paradigma descentralizado, sem medalhões e “capas pretas”. Sua democracia interna atrai a juventude dos tempos atuais, conectadas na internet, carregada de informação e afoita por participação direta, dispensando cúpula e lideranças.

É óbvio que há riscos. O maior erro do movimento seria menosprezar as condições objetivas e se achar suficiente na construção de atos e protestos. É bom que fique claro que o MPL se apoiou em condições favoráveis para crescer. Ajudou na organização da onda de protestos, mas não foi o causador destes. É muito mais resultado do que criador deste novo contexto de lutas. Deve aproveitar os ventos que sopram a seu favor, mas jamais ignorar que coragem e disposição sozinhas não levam às massas as ruas.

De toda forma o MPL surge como um exemplo. Seja por sua capacidade de mobilização, de intervenção na esfera pública, ou por sua organização interna democrática. Em tempos onde as organizações coletivas sucumbem a suas próprias vaidades e ambições, o MPL mostra seu exemplo.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Porque o povo não veio?



Por Adelson Vidal Alves

Mês de Junho, Brasil – milhões de brasileiros se lançam às ruas indignados com o sistema político, a corrupção e a ineficiência governamental. Ainda que plural, o movimento majoritariamente rejeitou os partidos, os sindicatos e os movimentos sociais em geral. Se organizaram na internet, foram encorajados pela mídia, e definitivamente entraram para a história brasileira.

Mês de Julho, Brasil- centrais sindicais convocam protestos em todo o território nacional. Sua pauta se concentra nas reivindicações do trabalho, e sua forma de organização se apóia na mobilização das próprias entidades aderentes.

Pois bem. Enquanto Junho contou com o apoio da sociedade em sua diversidade, o 11 de Julho se resumiu a manifestantes históricos, sem conseguir atrair para além dos círculos tradicionais da esquerda social, sindical e política.

O refluxo é visível, e entendê-lo é condição indispensável para que se avance na organização da consciência coletiva das classes subalternas.
A meu ver, a coragem dos ativistas não conseguiu cobrir o desgaste das entidades de classe e organismos representativos junto a sociedade. Partidos políticos, Sindicatos e centrais sindicais vivem a crise de sua própria burocratização, hierarquização e rigidez. Seus formatos estão em desacordo com o espírito das ruas e da própria lógica da sociedade em rede. É preciso se horizontalizar, se democratizar e se modernizar. Caso o contrário, serão soterrados pela nova dinâmica que hoje serve de paradigma a intervenção popular no espaço público.

Infelizmente, grande parte das lideranças da esquerda continua vivendo de jargões arcaicos. Não conseguem admitir que seu poder de influência esgotou-se junto às bases, e que o povo já não vai a seu encontro por pura desconfiança. Estão cegos em sua própria arrogância, aprisionados em visões vanguardistas e estreitas, trancafiados no saudosismo ingênuo de seu mundo.

Seria de bom senso que todos nós, ainda crentes nas organizações coletivas, pararmos para refletir. Comemorar vitórias, mas, sobretudo, sermos honestos com nós mesmos. Cortar na carne e enfrentar a crise de frente. Otimismos ufanistas em nada vão contribuir.