O Papa Francisco foi embora, e
seu espírito de renovação deixou grandes polêmicas a serem discutidas pela
igreja brasileira. Fosse Bento XVI, a JMJ seria palco de reafirmação dogmática
dos princípios históricos da fé católica. A teologia da libertação seria
condenada, as mulheres rebaixadas na hierarquia eclesial, os homossexuais
chamados ao arrependimento como condição de salvação. Francisco fez diferente.
Recebeu e prometeu ler o livro do teólogo Leonardo Boff, afastado de suas
funções por suas teses sobre a igreja dos pobres. Em entrevista, exaltou a
importância da mulher na vida religiosa, e disse não condenar os gays que
buscam a Deus.
O santo padre chamou os
cristãos para revolucionarem, debaterem e se comprometerem com as questões
sociais.
Tal chamado inclui pensar a
ação cristã dentro de um mundo de exclusão. Pesa sobre os ombros da Igreja o
boicote a leis de combate a homofobia. Usa-se de sua influência e poder
político para impedir que o Estado avance na consolidação de políticas públicas
na construção da cidadania gay. Dizem eles que aparatos legais que regularizem
o casamento gay oferecem risco à família tradicional. Ora, onde vivem estes
cristãos que não perceberam que a família dos parques de domingo, com casais
heteros e filhos comendo algodão doce já não são únicas? Nos dias atuais
destacam-se mulheres solteiras criando seus filhos, (com ou sem ajuda dos pais
biológicos), e que vivem normalmente suas vidas, namorando e reconstruindo sua
vida conjugal com outros parceiros. Casais homossexuais vivem juntos, almoçam
na casa dos sogros e sogras, barrigas solidárias fazem de casais homoafetivos
agentes na gestação do ser que será de sua responsabilidade, que será seu filho.
Tudo isso é novo, e não há encíclica
papal capaz de frear, é a dinâmica natural da história.
Mas se os cristãos baterem o pé contra o trem da história encontrarão dificuldades de sustentarem suas teses anacrônicas. De nada adianta erguerem suas bíblias, pescando versículos e atribuindo a Deus a condenação da homossexualidade. Aliás, o que se espera de afirmações bíblicas sobre a prática homossexual senão a condenação? Afinal de contas, a bíblia nasceu inserida num contexto patriarcal. Veja que Deus é pai e não mãe, os 10 mandamentos falam de não cobiçar a “mulher” do próximo (veja que não é o homem da próxima, numa prova que foi direcionado aos de gênero masculino), os discípulos são todos homens etc.
Uma hermenêutica moderna deve
ser capaz de traduzir a bíblia para a necessidade e realidade de nossos tempos.
O fundamentalismo de achar que sua interpretação deve ser ao pé da letra nos
levaria a inteiros genocídios contra os pagãos, e mesmo na crença de que uma
humanidade inteira veio de um casal só, enganado por uma serpente no paraíso. A
bíblia é um documento do seu tempo, escrita por homens, e condicionada pela
cultura de sua origem, qualquer leitura que dispense estes elementos cai em
conclusões anacrônicas.
O Deus revelado por Jesus é o
que fez opção pelos marginalizados. O próprio Cristo deu preferência aos que
estavam à margem da sociedade, e ao invés de discriminá-los, os acolheu com o
amor do pai. Não tenho dúvida que, se caso Jesus vivesse hoje, tomaria a causa dos
homossexuais como opção de sua práxis libertadora, e jamais aprovaria a reprovação dos
religiosos que teimam em condená-los ao inferno.
Os cristãos que de fato receberam
o espírito de Jesus trabalham pela construção de um mundo mais tolerante, e
entendem que para Deus o que salva é o amor, e não a confissão de um credo. O
que salva é a opção pelo projeto de Deus, que está longe de moralismos, mas
envolvido numa utopia de que a paz e a solidariedade podem ser sustentações de
uma vida em sociedade mais justa, a saber: o Reino de Deus.
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