quarta-feira, 25 de abril de 2012

Raça e Poder

Por Adelson Vidal Alves


“É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”.

Constituição Federal Art 19


"O fato assim cientificamente comprovado da inexistência das ‘raças’ deve ser absorvido pela sociedade e incorporado às suas convicções e atitudes morais. Uma postura coerente e desejável seria a construção de uma sociedade desracializada, na qual a singularidade do indivíduo seja valorizada e celebrada".

Sérgio Penna, Geneticista.


              
                  O STF começou julgar a constitucionalidade do Sistema de reservas de cotas raciais nas Universidades brasileiras. Durante tarde e noite desta Quarta-Feira (25/04), especialistas, magistrados e militantes sociais se revezaram em posicionamentos sobre seu respaldo constitucional. O Julgamento foi interrompido e só deverá recomeçar na tarde desta quinta feira (26/04).

                O Tribunal Supremo tem em suas mãos dois caminhos: Optar pela regularização judicial da “raça”, oficializando-se assim a divisão dos seres humanos em famílias comuns de acordo com a cor da pele, ou pode, simplesmente, resguardar o caráter republicano da Constituição, garantindo a igualdade de todos os cidadãos frente aos serviços públicos oferecidos pelo Estado. Em outras palavras: Podem nossos magistrados seguir em frente com o nefasto mito da raça, que tanto males trouxeram a humanidade, ou entrarem para história como aqueles que iniciaram o desmonte do trágico mapa racial que movimentos e ONGs racialistas insistem em manter vivo como engenharia política. Se escolherem o segundo caminho, o Brasil poderá estar dando seus primeiros passos para eliminarmos de vez da nossa cultura as desgraçadas práticas racistas que há tempos nos assola.

O racismo em toda sua história, desde quando foi minuciosamente construído pelas potências imperialistas durante o século XIX, precisa vitalmente da crença consciente ou inconsciente de que seres humanos podem ser diferenciados em grupos biológicos. Um racista só agride a outro ser humano, porque em seu interior paira a certeza de sua superioridade como ser racial.

Ora, a ciência natural nos deu provas suficientes que separar seres humanos por grupos raciais é pura bobagem, e a história testemunha a invenção da raça como estratégia de poder, estratégia essa que nos rendeu violência, morte e segregação.

                O Brasil não é um país racista, é um pais que contêm racismo. A diferença está no fato de que por aqui há décadas inexistem grupos racistas organizados nacionalmente, e com força para se expressarem publicamente. Pesa o fato de que nosso preconceito racial é acanhado, já que no centro de nossa organização social está o fato de que não toleramos discriminação alguma. Se elas ainda existem, (em uma blitz, numa fila de emprego etc) o antídoto de combate deve ser exatamente desfazer o mito da “raça”.  Mas pelo mesmo motivo do passado, ou seja, poder, grupos políticos tem interesses imediatos na perpetuação da consciência racialista.

Kabengele Munanga, respeitado antropólogo uspiano e ideólogo do chamado “movimento negro”, chega a dizer que é preciso “resistir a tentação do mulato”. As palavras do acadêmico talvez se justifiquem pelo fato que a grande maioria dos brasileiros se identifique como pardos, e não como negros. A mestiçagem de nossa nação é um obstáculo no caminho dos apologistas raciais.

                Seja como for, o desfecho do debate no STF não será a palavra final. A sociedade brasileira seguirá discutindo e amadurecendo para que talvez um dia as palavras de Martin Luther King se tornem  realidade, a saber: Eu tenho um sonho. O sonho de ver meus filhos julgados por sua personalidade, não pela cor de sua pele.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Sindicatos e Globalização

Por Adelson Vidal Alves

"O Occuppy Wall Street, a Primavera Árabe e os Indignados não alcançaram tudo o que esperavam. Mas conseguiram alterar o discurso mundial, levando-o para longe dos mantras ideológicos do neoliberalismo – para temas como desigualdade, injustiça e descolonização. Pela primeira vez pessoas comuns passaram a discutir a natureza do sistema no qual vivem. Já não o veem como natural ou inevitável.."  Immanuel Wallerstein

              O sindicato é órgão fundamental na organização e luta dos trabalhadores frente à exploração econômica do capital. Sua área de atuação se dá exclusivamente na defesa de melhores salários e condições de trabalho para o proletariado. No marxismo, é apontado como arma indispensável na conscientização do lugar do trabalhador no sistema capitalista, sem, contudo, ser capaz de romper com ele.
            Atualmente, o movimento sindical enfrenta uma crise de níveis jamais vistos. O processo de globalização, iniciado no pós-guerra e intensificado no final da Guerra Fria, trouxe mudanças profundas na organização produtiva do capitalismo e também nas formas de organização social do mundo do trabalho.
            Os sindicatos tiveram significativa força no período do capitalismo Fordista, vindo a conquistar inúmeros direitos sociais para os trabalhadores. A produção em série, com funcionários especializados e dentro de grandes fábricas delimitadas por um Estado- Nação, era um terreno fértil para a organização mais ou menos homogênea e unificada de seus representados. Contudo, este modelo cedeu lugar para uma produção flexibilizada, com operários multifuncionais e fabricações desterritorializadas. Após a internacionalização do capital, o advento da robótica e o avanço da tecnologia, assim como a hegemonia do padrão Toyotista de produção, o movimento sindical, em seu formato tradicional, perdeu grande parte de sua força.
            A globalização neoliberal e seu novo conceito de gerenciamento produtivo mundial atingiu o perfil das classes trabalhadoras, hoje com uma consciência de classe fragmentada e com precária forma de organização. Sem falar na própria diminuição do operariado, principal vítima do desemprego estrutural.
            Com o capital sem fronteiras estatais de atuação, os sindicatos precisam repensar suas formas de resistência. Devem elaborar uma nova maneira de garantir unidade a ampla e complexa camada de seres humanos que ainda vivem de seu trabalho, mas que são muito mais heterogêneos do que em outros tempos.
            A globalização do capital veio junto com a globalização da cultura, dos valores éticos e normas morais. Vivemos, assim, numa “aldeia global”, que configura uma realidade marcada pela interação dinâmica de paradigmas étnicos, culturais e de gênero. Estabelecem-se, portanto, novas demandas, de múltiplos grupos sociais, que, de alguma forma, sofrem a opressão sistêmica.
            Os sindicatos se quiserem sobreviver, precisam se articular com esta realidade, dialogando constantemente com outros movimentos sociais e, principalmente, com trabalhadores que se deslocaram do trabalho formal para o informal.
            Com o neoliberalismo global, os trabalhadores e seus sindicatos devem rever suas estratégias de ação e se conectar imediatamente com as novas lutas internacionais, levando em conta as mudanças do conceito de soberania, proletariado, Estado e Nação. Se insistirem com jargões anacrônicos e discursos superados, os sindicatos talvez se tornem um simples clube assistencialista para os trabalhadores formais.
            Então, será seu fim!



Revisão textual: Regina Vilarinhos

segunda-feira, 16 de abril de 2012

A popularidade de Dilma

Por Adelson Vidal Alves


A popularidade da presidenta Dilma Rousseff aumentou cinco pontos percentuais, passando de 72%, em dezembro de 2011, para 77%, em março de 2012. Os dados fazem parte da pesquisa encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) ao Ibope.
Os números surpreendem, principalmente porque o Governo Dilma não conseguiu recolocar no centro da agenda governamental as grandes questões nacionais. Hoje mesmo, o MST está ocupando o Ministério de Desenvolvimento Agrário, cobrando do governo a queda no investimento para desapropriação de terras. O primeiro ano do governo Dilma foi o pior para a criação de assentamentos dos últimos 16 anos. Agora em abril, o Ministério do Planejamento cortou mais de 60% do orçamento do Incra, o que deve inviabilizar os programas de assistência técnica e educação. Não podemos admitir que a burocracia do governo corte as verbas relacionadas à melhoria da produtividade e à educação, compromissos sempre tão reforçados nos discursos da presidenta Dilma”, disse Alexandre Conceição, da Direção Nacional do MST.
Não é apenas a Reforma Agrária que o governo abandonou. As reformas política, tributária e educacional também permanecem engavetadas. Além do mais, os paradigmas da política econômica permitem cortar gastos nas áreas sociais e congelar os salários dos servidores, sem, contudo, diminuir o sangramento orçamentário do pagamento dos juros da dívida.
Na área ambiental, Dilma segue ignorando o apelo de ambientalistas, quanto aos males da construção da Usina Belo Monte, e é confusa no trato do Código Florestal. Na política cultural, segue os desmandos da Ministra de Cultura Ana de Hollanda, uma representante oficial dos interesses mercadológicos da cultura privatista.
            Diante de uma administração tão deficiente frente às grandes demandas do nosso país, como explicar tamanha popularidade da presidenta?
            Mesmo sem o carisma e a identidade de classe de seu antecessor, Dilma parece ter conquistado a população com sua forte personalidade, além do suposto rigor em tratar os casos de corrupção de seu governo. Os vários Ministros envolvidos em desvios éticos foram rapidamente afastados pela presidenta, transmitindo a mensagem de que o governo pune os desvios de conduta de seus subordinados. A presidenta conseguiu consolidar uma imagem de que tem tudo sob seu controle e que pode, rigorosamente, colocar as coisas em seu devido lugar.
            Se Lula ganhou o povo com seu carisma e certa identificação com o passado pobre, Dilma é a imagem da intransigência frente a corrupção administrativa. A mulher que não se prostra as pressões que lhe são impostas e que conduz com firmeza seu governo, punindo severamente aqueles que fogem à boa moral.
            Temos a prova de que nosso povo ainda se move pela observação personalista da política. Não conseguimos uma transição que forme uma consciência crítica coletiva, que possa nos levar a um debate mais amplo, que leve em consideração a disputa por espaço entre os vários grupos sociais, seus interesses, forças e capacidades de intervenção nos rumos do Estado.
            Ou seja, parece que ignoramos o olhar de totalidade, o olhar sob as demandas estruturais, que há séculos sustentam os disparates de nossa realidade social. Conformamos-nos a sermos meros fiscais da imagem de nossos governantes ou simplesmente nos tornamos vítimas passivas do mercado eleitoral, que nos vende o candidato, escondendo o verdadeiro ponto a ser tocado: a política em sua versão totalizada.


Revisão textual: Regina Vilarinhos


segunda-feira, 9 de abril de 2012

O Jesus histórico

Por Adelson Vidal Alves



Ainda hoje, milhões de pessoas levam suas vidas influenciadas por um homem que viveu há mais de 2000 anos. Jesus “O Cristo”, para aqueles que acreditam em sua divindade, dá seu nome a maior religião do mundo, ainda que o próprio jamais tenha pensado em romper com sua própria fé: O Judaísmo.
O personagem, que nasceu de uma virgem, curou doentes, andou sobre as águas e ressuscitou três dias após sua morte, já há algum tempo tem sido objeto de interesse científico. O conhecimento do Jesus histórico, ou seja, aquele que a história, a filologia, a antropologia e a arqueologia estudam, começa a ganhar nos últimos anos avanços significativos.
            A principal dificuldade para a investigação científica sobre Jesus reside nas fontes. Os evangelhos são considerados muito mais documentos teológicos do que históricos. O Jesus apresentado pelos evangelistas está contaminado pela experiência dos autores, que se esforçam muito mais em dar sobrevida e unidade a sua fé, do que narrar rigorosamente a vida de seu mestre.
            Fora destes documentos, é citado em pouquíssimos escritos. Flávio Josefo, Plínio, o Jovem e Suetônio estão entre os poucos que, fora da bíblia, mencionaram a existência de um homem chamado Jesus, ainda sim de forma muito breve. A explicação para tão pouco interesse pode ser pelo fato de que fora o pequeno círculo de seus seguidores, Jesus era uma figura desconhecida ou, no máximo, alguém que se confundia aos tantos outros candidatos à Messias daquele tempo.
            Tal explicação pode ser comprovada até mesmo por uma passagem da bíblia. Nela, lemos o episódio em que Jesus entra em Jerusalém no período da Páscoa, chegando a pegar no chicote para expulsar e repreender mercadores que faziam comércio em nome de Deus. Ora, sabemos que os romanos armavam forte segurança no período da Páscoa, temendo revoltas. Se Jesus estivesse acompanhado de multidões e fosse a figura famosa que nos dão entender os evangelhos, acham mesmo que os romanos permitiriam a sua entrada e passear normalmente pela cidade?
            Contudo, é fato que o outrora desconhecido Jesus, hoje é peça fundamental na consolidação da cultura ocidental, sendo suas palavras objeto das mais diversas interpretações. Sendo assim, perguntamo-nos: pode a ciência nos ajudar a entender qual foi a verdadeira mensagem de Jesus?  Quem foi ele? O que pensava? Porque morreu?
            John Dominic Crossan, um dos maiores estudiosos do Jesus histórico, diz que no que depender dos evangelhos, menos de 20% do que se atribui ao que ele disse é confiável. Para Crossan, estudos sobre o ambiente em que Jesus vivia e também dos seus discípulos logo após sua morte, trariam evidências que os autores precisavam incluir em seus relatos frases que dessem sustentação para a manutenção da fé do grupo, mas que provavelmente nunca foram proferidas por Jesus.
            O que sabemos com certeza é que Jesus foi um camponês pobre (por isso as parábolas cheias de um ambiente agrícola), que nasceu em Nazaré por volta do ano 6 AEC*, pregou contra as injustiças do poder romano, criticou as interpretações literalistas dos textos sagrados e por isso foi condenado à morte pelos dois poderes: o poder sacro e o poder político. Fora disso, apenas a fé tem a palavra.


 *Antes da Era Cristã

Créditos:

Revisão textual: Regina Vilarinhos

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Direita e direitistas

Por Adelson Vidal Alves

A direita brasileira assumiu várias faces no decorrer da história. Já foi opositora ferrenha ao Governo Vargas, invejosa que era do amplo apoio popular que Getúlio detinha, e também por este ter ampliado e consolidado importantes direitos sociais aos trabalhadores. Inconformada com as derrotas que sofria, tentou romper a ordem democrática em 1954, 1955 e 1961.
Logo após a renúncia de Jânio Quadros, fez o possível para tentar impedir a posse de João Goulart, que estava na China. Com um ufanismo patético, justificou sua natureza golpista dizendo que o Brasil estava ameaçado por uma “República sindicalista”.  Através do protagonismo importante de Leonel Brizola, ao lado de forte resistência popular, Jango toma posse num regime parlamentarista e mais tarde assume como Presidente da República.
Durante o Governo de João Goulart, a direita combateu duramente as reformas de base, sempre reproduzindo a paranóia da guerra fria, ou seja, a de que a qualquer momento o Brasil sofreria uma revolução comunista. Quando perceberam do risco de mudanças mais fortes na estrutura social, através de um processo de reformas idealizado por Jango e apoiado pelas esquerdas, as direitas, civil e militar, armaram um golpe que instalou no Brasil 21 anos de uma terrível ditadura.
No período de redemocratização, se esforçaram para restringir a abertura política ao campo da democracia liberal. Nada de mexer fundo nas desigualdades sociais e regionais e muito menos deixar na mão do povo o processo de transição.
Na primeira eleição direta da nova República, apoiam o candidato aventureiro Fernando Collor. Compactuam com ele a corrupção e seus planos de desmonte dos serviços públicos.
Desmoralizados, abandonam o barco do oligarca alagoano, que sofreu impedimentos de se manter no cargo. Dão apoio ao sucessor, Itamar Franco, em troca de uma postura conservadora e comportada do presidente. Tementes de uma vitória da esquerda nas eleições de 1994 enxergam em Fernando Henrique Cardoso a grande oportunidade de restabelecer o controle conservador da nação.
FHC detinha prestígio devido ao Plano Real, que acabou com a inflação, ainda que as diretrizes econômicas seguiram concentrando renda e produzindo desigualdades. Esta direita vai ser a base ideológica dos dois governos de FHC, que produziu no Brasil um verdadeiro desmonte do parque industrial, a precarização nas relações de trabalho, assim como a abertura para o capital estrangeiro especulativo. As taxas de desemprego subiram, a concentração de riqueza se alarmou, o movimento operário foi reprimido, a violência no campo intensificada e a situação dos pobres agravada.
O Governo de Fernando Henrique perdeu, assim, apoio popular. Não conseguiu eleger seu sucessor e FHC é, até hoje, um dos políticos mais odiados do país. A crise neoliberal abriu espaço para vitória de candidaturas de centro-esquerda. Lula venceu em 2002 para presidente e, desde então, vem acumulando vitórias eleitorais, diante de um definhamento visível da direita tradicional.
Hoje, os direitistas sobrevivem na mídia monopolizada. Guardam em comum o desprezo a tudo que cheire a povo, o ódio aos movimentos sociais, a raiva por qualquer governo que sinalize contra seus privilégios históricos. Não suportam falar em socialismo, são capitalistas convictos, adeptos de um sistema que sustenta bolsões de miséria à custa da vida farta de poucos.
Odeiam a democracia. Fazem festa quando governos democráticos são derrubados. Aplaudiram o golpe em Honduras e se irritaram quando o próprio povo devolveu o poder a Hugo Chaves na Venezuela.
A direita vive na voz de Boris Casoy, nos comentários tagarelas de Miriam Leitão, nas páginas asquerosas da revista Veja, no conservadorismo religioso das igrejas eletrônicas e do Vaticano, e nos artigos de Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi. Sem falar nos jornalões paulistas e nas pequenas associações de boa moral.
A direita vive. Mas, sem o recurso dos golpes, já pensa em outra forma de retornar ao controle central da nação.

Créditos

Revisão ortográfica: Regina Vilarinhos