Por Adelson Vidal Alves
Democracia não é coisa, é processo. Está sempre inacabada, e
assume feições diferentes no tempo e no espaço. Seu valor universal está na
inclusão constante de homens e mulheres na gestão do poder, na participação
mais igualitária na distribuição da riqueza como forma de ampliação da
cidadania. Não há, ainda, uma democracia
plena, perfeita, mas não nos restam dúvidas que não se trata mais de um valor
de classe, concessão penosa à burguesia, mas sim de uma conquista de
civilização.
No Brasil, sobretudo a partir de 88, a democracia ganhou
corpo avançado no Estado de direito e em sua Constituição, a mais democrática
da história. Preocupa-nos, assim, que setores da esquerda e da direita estejam
hoje dando sinais de desapreço por esta institucionalidade, repetindo erros de
um passado recente trágico, quando a corrida para fazer valer suas teses se
davam contornando os limites da regra do jogo, “na lei ou na marra” como dizia Francisco
Julião, líder das ligas Camponesas.
Na ressaca de uma eleição presidencial tensa e agressiva,
vemos grupos minoritários solicitando intervenção militar, e como resposta, a
esquerda no poder decreta conselhos populares e articula Reforma Política por
plebiscito, ações de afronta ao Congresso Nacional. Quando do golpe de 1964, um
dos maiores erros dos defensores da legalidade foi o desencontro quanto ao fato
de que não havia naquele momento outra bandeira a ser levantada senão a defesa
da Constituição de 1946. O sectarismo impediu que a esquerda enxergasse que seria preferível apoiar, nas
eleições de 1965, uma candidatura moderada como a de Juscelino, ou até mesmo de
direita como a de Carlos Lacerda, ambos, com suas limitações, seriam
infinitamente melhores que os 21 anos de ditadura. Mas até Goulart encantou-se
com o poder e as possibilidades reformistas pela via das ruas, e sugeriu
manobra para que fosse possível sua reeleição, o que não permitia a
Constituição da época.
Voltando aos dias de hoje, penso ser um risco engrossarmos
propostas de enfrentamentos diretos, como se o Brasil vivesse uma crise revolucionária.
Para os democratas, de esquerda ou liberais, o momento é de reforçar a
convicção nacional do Estado democrático de direito como organização social
superior no momento, capaz de operar soluções cívicas dos conflitos modernos.
Não é saudável importarmos a hostilidade permanente de uma Venezuela chavista,
país dividido por ideologias fabricadas sob paranoias e fantasias de ambas as
partes.
Cabe-nos, aqui, reconciliar a nação, respeitar a dialética
democrática oposição x situação, mas sem jamais entendê-la como exclusivamente
antagônica, quando o governo pode acolher propostas da oposição e vice-versa.
Caminho difícil quando os ânimos ainda insistem em polarizar dois países em
dois partidos: o PSDB dos ricos, paulistas e elitistas contra o PT do Nordeste e
dos pobres. Um delírio total quando se percebe que, identificando as
divergências, é possível detectar que tratam-se de duas agremiações oriundas da
social democracia à brasileira. Caso cessassem sua guerra permanente, o Brasil ganharia,
a democracia fortaleceria e consensos democráticos seriam produzidos em um amplo
e plural debate nacional.
Lamentável, porém, que a ideia anacrônica de que a
democracia é burguesa- e por isso não serve de terreno revolucionário- ainda
ganhe adeptos entre a juventude e lutadores populares. Gente que não percebeu
que a verdadeira batalha é fortalecer os espaços democráticos, alargá-los para
maior participação popular, moralizá-los e fazerem deles territórios de transformação
social. Insistir no desapreço pelo Estado de direito é um caminho perigoso, e o
apelo é que a unidade das esquerdas, moderados e até conservadores do campo
democrático, seja capaz de forçar uma agenda reformista na sociedade, a fim de
isolar os autoritários, seja da esquerda ou da direita, e definir, de uma vez
por todas, que a democratização e suas instituições são as ferramentas para revoluções
no Ocidente.
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