Por Adelson Vidal Alves
O jornalista Aurélio Paiva,
dono de um jornal de grande circulação no Sul fluminense carioca, publicou audacioso
artigo em que diz que a escritora Simone Beauvoir e o filósofo Jean Paul Sartre
seriam defensores de pedófilos, assim como praticantes de uma vida sexual que
tratava as mulheres como objeto.
Aurélio recolhe suas
informações básicas do livro “Uma relação perigosa” da historiadora escocesa Carole Saymour-Jones.
Para sustentar sua narrativa, o autor se apega, ainda, em cartas póstumas de
Beauvoir, assim como artigos e manifestos publicados pelo casal de
intelectuais.
No
entanto, algumas questões sérias foram colocadas sem a devida cautela que se exige
de quem escreve um texto público, ainda mais contendo rotulações e acusações
tão graves. Deve-se, também, compreender que a história não é feita por
revelações mágicas vindas de fontes
solitárias que atestariam uma “verdade, pelo contrário, a história é fruto de
um trabalho interpretativo do historiador, que se realiza a partir das fontes,
e apesar da sua objetividade científica, ele sempre fala a partir de algum
lugar. Sendo assim, tomar uma única obra com pequenos segmentos
descontextualizados não é a melhor maneira de se contar a vida de uma pessoa.
Mas
vamos ao artigo, intitulado “mulheres-objeto de Sarte e Simone de Beauvoir”. De
início, destaco o cuidado de Aurélio a reconhecer que não há documentado
qualquer caso de pedofilia envolvendo Sartre ou Beauvoir. Sim, eles tiveram
relações sexuais com jovens de 16 e 17 anos, mas sempre com as suas devidas
concessões. Para associar o casal à pedofilia, Aurélio teve que recuperar um
manifesto assinado por ambos, onde se fazia a defesa da diminuição da idade de
concessão sexual, na França daquele tempo, a idade era de 15 anos.
É de se
lembrar que Beauvoir sempre se posicionou pela emancipação de jovens como
protagonistas de sua vida sexual, deixando de serem vítimas indefesas. Se isso
é certo ou não, a história é outra, mas isso não significa que eles sejam
pedófilos, assinaram um documento propondo a mudança de uma lei (quem assina um
manifesto pedindo a legalização da maconha não é necessariamente maconheiro). É
oportuno registrar que não foram apenas Sartre e Beauvoir que assinaram a
petição, nomes de intelectuais de peso, como Deleuze e Foucault, também
assinaram.
No
artigo ainda há pequenas menções sobre, no mínimo, um silêncio dos dois em
relação ao nazismo, ainda que não se repita o absurdo propagandeado de que
Beauvoir era ativa colaboradora da doutrina nacional-socialista. Aurélio Paiva cita
o episódio quando Simone de Beauvoir trabalhou na Rádio AVFM, controlada por
nazistas. Por lhe faltar o sotaque de historiador, talvez tenha faltado a
Aurélio compreender a realidade ambígua da França ocupada, o mesmo erro que
muitos cometeram ao taxar de nazista o papa emérito Bento XVI, por este um dia
ter sido membro da juventude nazista.
Muitos
pesquisadores, como Ingrid Galster, professora de literatura alemã e estudiosa
da vida de Beauvoir, garantem, depois de estudar os discursos de Beauvoir na
rádio, que não há nenhuma evidência que
a escritora tenha se envolvido com o nazismo, diferente do filósofo Martin Heidegger. A posição é acompanhada pela professora de Harward,
Susan Sulelman que garante não haver nenhuma prova contundente de alguma
aproximação de Simone com a ideologia nazista.
Sobre
Beauvoir e Sartre, sabemos que tiveram um relacionamento duradouro e livre. Não
se trata de uma união aos moldes cristãos, mas acordado entre as partes,
firmado sob convicções de amor e liberdade. Se erraram ao praticar algo que
condenaram, isto está longe de denegrir suas imagens, construídas sob suas
competências intelectuais e militantes. Estes dois pensadores contribuíram e
muito para a evolução do pensamento ocidental, e nada mais infeliz que um
jornalista apressado tentando desconstruir o que há séculos testemunha a
história da filosofia. Há de se ter cuidado, não só para não manchar a índole
de pessoas, mas, principalmente, para não deseducar a opinião pública com
informações mal colocadas, para um jornalista, trata-se de um erro grave.
Link para se ler o artigo de Aurélio Paiva: http://diariodovale.com.br/colunas/mulheres-objeto-de-sartre-e-de-simone-de-beauvoir/
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