Por Adelson Vidal Alves
O feminismo é um exemplo de movimento que avança em pautas próprias de sua base social, mas que não consegue escapar do terreno da ideologia burguesa.
Quando
Marx elaborou grande parte de sua obra, ele se encontrava de frente com uma
sociedade relativamente simples. As contradições centrais se delimitavam a
partir de classes sociais claramente identificadas. Não é a toa que sua elaboração
teórica dava significativa atenção à dicotomia entre proletários e burgueses.
O conflito
principal da sociedade que Marx viveu, ou seja, a sociedade do século XIX,
estava entre Capital/Trabalho, de modo que a transformação social passava, segundo
o mesmo, pela eliminação da divisão social do trabalho através da ação
revolucionária dos operários contra as classes proprietárias.
O século XX, entretanto,
particularmente a partir da década de 70, assistiu ao aparecimento de uma série
de organizações de livre associação que reivindicavam demandas próprias conforme
sua condição dentro do sistema. Não que elas nunca tenham existido, mas a
problemática de gênero, raça e orientação sexual, por exemplo, ganharam
substância neste período, a ponto de moverem uma série de mudanças
jurídico-sociais na ordem vigente a partir de suas lutas particulares.
A partir
destas novidades, algumas questões devem ser colocadas: a luta por resultados imediatos
de tais movimentos é suficiente para forçar uma mudança estrutural na
sociedade? O caráter de seus questionamentos está no horizonte de uma nova
forma societária ou se resumem ao caráter burguês atual? É possível conectar
tais lutas dentro de uma dinâmica mais totalizadora?
Se olharmos na
prática, estas questões se tornam perturbadoras, pelo menos para aqueles que
desejam uma mudança total no mundo moderno.
Quando Marx
desenvolveu seu conceito de ideologia, explorado de forma mais abrangente em seu
livro Ideologia alemã, ele deixou bem
claro que a dominação de um grupo social sobre o conjunto da sociedade não se
daria apenas pela via da coerção. Ainda para o filósofo alemão, a ideologia seria
um apanhado de valores e ideias, construídos sistematicamente e que podem ser
reproduzidos a partir das esferas de poder e que garantam, assim, a ilusão de
que os interesses de uma classe são na verdade interesse universal. Partindo
desse conceito, é possível compreender que mesmo movimentos situados no
espectro da esquerda, estejam trabalhando por demandas estritamente burguesas.
O movimento
negro é um bom exemplo deste “aburguesamento” da luta setorial. Com o
crescimento de sua força organizativa, ele vem conseguindo, cada vez mais,
incorporar na sociedade bandeiras de lutas que consideram ser de relevância
para sua identidade racial. A grande questão é que ao cobrar cotas diferenciadas
em serviços do Estado e resumirem o conflito de nosso mundo atual em uma visão
de raça, como se o poder tivesse cor, o movimento negro rejeita um perfil
analítico de caráter totalizador e se concentra em sua inclusão na
sociedade burguesa.
Semelhante caso se dá nos movimentos
feminista e LGBT. O primeiro tem crescido e conquistado direitos com a denúncia
da opressão da mulher pelo sistema capitalista machista. Suas duas principais
reclamações são o direito a soberania de seu próprio corpo e o direito de
ingressarem, de forma igual ao homem, ao mundo do trabalho. Tanto o direito a
ter posse do seu corpo, assim como o de sofrer mais-valia no atual modo de
produção, não ultrapassam as barreiras da ideologia burguesa.
Já o movimento LGBT luta contra a violência
física e ideológica de um pensamento predominantemente homofóbico. Suas lutas
contemporâneas buscam o direito a união civil de pessoas do mesmo sexo. A
entrada de tais demandas a nossa estrutura jurídica é apenas a integração deste
grupo ao ordenamento capitalista.
Mesmo o MST, um dos maiores movimentos
sociais do mundo, carrega em sua pauta central uma reivindicação burguesa: o
direito a propriedade. A diferença está no fato da capacidade do movimento de
se articular com uma luta mais estrutural, que envolva não só a simples
distribuição de terra, mas uma mudança radical nas relações sociais. Podemos
perceber tal preocupação no investimento pedagógico do movimento em sua
organização de base, assim como sua interferência direta nas movimentações
globais da luta anti-capitalista.
É claro que a atuação de tais segmentos
na luta moderna, travadas no que Gramsci chamou de “sociedade civil”, vem somar
no processo de aprofundamento da democracia. Mas, a desconexão destes com
instrumentos de universalização das demandas setoriais criam um vácuo na
direção consciente da revolução, correndo o risco de fazer destas minorias atores
sociais conservadores e limitados perante a reconfiguração radical de nossa
vida em sociedade.
Ouros movimentos como os “indignados” ou
o “Ocupa Wal Street”, carregam consigo uma grande capacidade de resistência e
sua composição registra a presença forte de vastos setores da sociedade global.
São barrados exatamente no momento em que suas pautas imediatas são de certa
forma concedidas pelas classes dominantes em troca da manutenção do status quo.
Tanto os
indignados, os movimentos feminista, negro e LGBT, fazem parte de um novo
contexto mundial de luta, onde caracteriza-se uma fragmentação das consciências
e da própria forma de disputa política.
As forças
anti-capitalistas tem o dever de repensar uma nova estratégia de luta
anti-sistêmica, que leve em consideração as particularidades de um mundo
complexo e plural. Cabe às minorias organizadas expandirem suas bandeiras para
além de seus interesses imediatos. Só assim podemos pensar numa nova hegemonia
civil que derrote o ordenamento do capital e possa construir outra ordem
social, mais justa e humanitária.
Revisão textual: Regina Vilarinhos
Revisão textual: Regina Vilarinhos
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