terça-feira, 31 de julho de 2012

Minorias conservadoras


Por Adelson Vidal Alves

O feminismo é um exemplo de movimento que avança em pautas próprias de sua base social, mas que não consegue escapar do terreno da ideologia burguesa.


            Quando Marx elaborou grande parte de sua obra, ele se encontrava de frente com uma sociedade relativamente simples. As contradições centrais se delimitavam a partir de classes sociais claramente identificadas. Não é a toa que sua elaboração teórica dava significativa atenção à dicotomia entre proletários e burgueses.
O conflito principal da sociedade que Marx viveu, ou seja, a sociedade do século XIX, estava entre Capital/Trabalho, de modo que a transformação social passava, segundo o mesmo, pela eliminação da divisão social do trabalho através da ação revolucionária dos operários contra as classes proprietárias.
O século XX, entretanto, particularmente a partir da década de 70, assistiu ao aparecimento de uma série de organizações de livre associação que reivindicavam demandas próprias conforme sua condição dentro do sistema. Não que elas nunca tenham existido, mas a problemática de gênero, raça e orientação sexual, por exemplo, ganharam substância neste período, a ponto de moverem uma série de mudanças jurídico-sociais na ordem vigente a partir de suas lutas particulares.
A partir destas novidades, algumas questões devem ser colocadas: a luta por resultados imediatos de tais movimentos é suficiente para forçar uma mudança estrutural na sociedade? O caráter de seus questionamentos está no horizonte de uma nova forma societária ou se resumem ao caráter burguês atual? É possível conectar tais lutas dentro de uma dinâmica mais totalizadora?
Se olharmos na prática, estas questões se tornam perturbadoras, pelo menos para aqueles que desejam uma mudança total no mundo moderno.
Quando Marx desenvolveu seu conceito de ideologia, explorado de forma mais abrangente em seu livro Ideologia alemã, ele deixou bem claro que a dominação de um grupo social sobre o conjunto da sociedade não se daria apenas pela via da coerção. Ainda para o filósofo alemão, a ideologia seria um apanhado de valores e ideias, construídos sistematicamente e que podem ser reproduzidos a partir das esferas de poder e que garantam, assim, a ilusão de que os interesses de uma classe são na verdade interesse universal. Partindo desse conceito, é possível compreender que mesmo movimentos situados no espectro da esquerda, estejam trabalhando por demandas estritamente burguesas.
O movimento negro é um bom exemplo deste “aburguesamento” da luta setorial. Com o crescimento de sua força organizativa, ele vem conseguindo, cada vez mais, incorporar na sociedade bandeiras de lutas que consideram ser de relevância para sua identidade racial. A grande questão é que ao cobrar cotas diferenciadas em serviços do Estado e resumirem o conflito de nosso mundo atual em uma visão de raça, como se o poder tivesse cor, o movimento negro rejeita um perfil analítico de caráter totalizador e se concentra em sua inclusão na sociedade burguesa.
Semelhante caso se dá nos movimentos feminista e LGBT. O primeiro tem crescido e conquistado direitos com a denúncia da opressão da mulher pelo sistema capitalista machista. Suas duas principais reclamações são o direito a soberania de seu próprio corpo e o direito de ingressarem, de forma igual ao homem, ao mundo do trabalho. Tanto o direito a ter posse do seu corpo, assim como o de sofrer mais-valia no atual modo de produção, não ultrapassam as barreiras da ideologia burguesa.
 Já o movimento LGBT luta contra a violência física e ideológica de um pensamento predominantemente homofóbico. Suas lutas contemporâneas buscam o direito a união civil de pessoas do mesmo sexo. A entrada de tais demandas a nossa estrutura jurídica é apenas a integração deste grupo ao ordenamento capitalista.
Mesmo o MST, um dos maiores movimentos sociais do mundo, carrega em sua pauta central uma reivindicação burguesa: o direito a propriedade. A diferença está no fato da capacidade do movimento de se articular com uma luta mais estrutural, que envolva não só a simples distribuição de terra, mas uma mudança radical nas relações sociais. Podemos perceber tal preocupação no investimento pedagógico do movimento em sua organização de base, assim como sua interferência direta nas movimentações globais da luta anti-capitalista.
É claro que a atuação de tais segmentos na luta moderna, travadas no que Gramsci chamou de “sociedade civil”, vem somar no processo de aprofundamento da democracia. Mas, a desconexão destes com instrumentos de universalização das demandas setoriais criam um vácuo na direção consciente da revolução, correndo o risco de fazer destas minorias atores sociais conservadores e limitados perante a reconfiguração radical de nossa vida em sociedade.
Ouros movimentos como os “indignados” ou o “Ocupa Wal Street”, carregam consigo uma grande capacidade de resistência e sua composição registra a presença forte de vastos setores da sociedade global. São barrados exatamente no momento em que suas pautas imediatas são de certa forma concedidas pelas classes dominantes em troca da manutenção do status quo.
Tanto os indignados, os movimentos feminista, negro e LGBT, fazem parte de um novo contexto mundial de luta, onde caracteriza-se uma fragmentação das consciências e da própria forma de disputa política.
As forças anti-capitalistas tem o dever de repensar uma nova estratégia de luta anti-sistêmica, que leve em consideração as particularidades de um mundo complexo e plural. Cabe às minorias organizadas expandirem suas bandeiras para além de seus interesses imediatos. Só assim podemos pensar numa nova hegemonia civil que derrote o ordenamento do capital e possa construir outra ordem social, mais justa e humanitária.

Revisão textual: Regina Vilarinhos


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