terça-feira, 31 de julho de 2012

Minorias conservadoras


Por Adelson Vidal Alves

O feminismo é um exemplo de movimento que avança em pautas próprias de sua base social, mas que não consegue escapar do terreno da ideologia burguesa.


            Quando Marx elaborou grande parte de sua obra, ele se encontrava de frente com uma sociedade relativamente simples. As contradições centrais se delimitavam a partir de classes sociais claramente identificadas. Não é a toa que sua elaboração teórica dava significativa atenção à dicotomia entre proletários e burgueses.
O conflito principal da sociedade que Marx viveu, ou seja, a sociedade do século XIX, estava entre Capital/Trabalho, de modo que a transformação social passava, segundo o mesmo, pela eliminação da divisão social do trabalho através da ação revolucionária dos operários contra as classes proprietárias.
O século XX, entretanto, particularmente a partir da década de 70, assistiu ao aparecimento de uma série de organizações de livre associação que reivindicavam demandas próprias conforme sua condição dentro do sistema. Não que elas nunca tenham existido, mas a problemática de gênero, raça e orientação sexual, por exemplo, ganharam substância neste período, a ponto de moverem uma série de mudanças jurídico-sociais na ordem vigente a partir de suas lutas particulares.
A partir destas novidades, algumas questões devem ser colocadas: a luta por resultados imediatos de tais movimentos é suficiente para forçar uma mudança estrutural na sociedade? O caráter de seus questionamentos está no horizonte de uma nova forma societária ou se resumem ao caráter burguês atual? É possível conectar tais lutas dentro de uma dinâmica mais totalizadora?
Se olharmos na prática, estas questões se tornam perturbadoras, pelo menos para aqueles que desejam uma mudança total no mundo moderno.
Quando Marx desenvolveu seu conceito de ideologia, explorado de forma mais abrangente em seu livro Ideologia alemã, ele deixou bem claro que a dominação de um grupo social sobre o conjunto da sociedade não se daria apenas pela via da coerção. Ainda para o filósofo alemão, a ideologia seria um apanhado de valores e ideias, construídos sistematicamente e que podem ser reproduzidos a partir das esferas de poder e que garantam, assim, a ilusão de que os interesses de uma classe são na verdade interesse universal. Partindo desse conceito, é possível compreender que mesmo movimentos situados no espectro da esquerda, estejam trabalhando por demandas estritamente burguesas.
O movimento negro é um bom exemplo deste “aburguesamento” da luta setorial. Com o crescimento de sua força organizativa, ele vem conseguindo, cada vez mais, incorporar na sociedade bandeiras de lutas que consideram ser de relevância para sua identidade racial. A grande questão é que ao cobrar cotas diferenciadas em serviços do Estado e resumirem o conflito de nosso mundo atual em uma visão de raça, como se o poder tivesse cor, o movimento negro rejeita um perfil analítico de caráter totalizador e se concentra em sua inclusão na sociedade burguesa.
Semelhante caso se dá nos movimentos feminista e LGBT. O primeiro tem crescido e conquistado direitos com a denúncia da opressão da mulher pelo sistema capitalista machista. Suas duas principais reclamações são o direito a soberania de seu próprio corpo e o direito de ingressarem, de forma igual ao homem, ao mundo do trabalho. Tanto o direito a ter posse do seu corpo, assim como o de sofrer mais-valia no atual modo de produção, não ultrapassam as barreiras da ideologia burguesa.
 Já o movimento LGBT luta contra a violência física e ideológica de um pensamento predominantemente homofóbico. Suas lutas contemporâneas buscam o direito a união civil de pessoas do mesmo sexo. A entrada de tais demandas a nossa estrutura jurídica é apenas a integração deste grupo ao ordenamento capitalista.
Mesmo o MST, um dos maiores movimentos sociais do mundo, carrega em sua pauta central uma reivindicação burguesa: o direito a propriedade. A diferença está no fato da capacidade do movimento de se articular com uma luta mais estrutural, que envolva não só a simples distribuição de terra, mas uma mudança radical nas relações sociais. Podemos perceber tal preocupação no investimento pedagógico do movimento em sua organização de base, assim como sua interferência direta nas movimentações globais da luta anti-capitalista.
É claro que a atuação de tais segmentos na luta moderna, travadas no que Gramsci chamou de “sociedade civil”, vem somar no processo de aprofundamento da democracia. Mas, a desconexão destes com instrumentos de universalização das demandas setoriais criam um vácuo na direção consciente da revolução, correndo o risco de fazer destas minorias atores sociais conservadores e limitados perante a reconfiguração radical de nossa vida em sociedade.
Ouros movimentos como os “indignados” ou o “Ocupa Wal Street”, carregam consigo uma grande capacidade de resistência e sua composição registra a presença forte de vastos setores da sociedade global. São barrados exatamente no momento em que suas pautas imediatas são de certa forma concedidas pelas classes dominantes em troca da manutenção do status quo.
Tanto os indignados, os movimentos feminista, negro e LGBT, fazem parte de um novo contexto mundial de luta, onde caracteriza-se uma fragmentação das consciências e da própria forma de disputa política.
As forças anti-capitalistas tem o dever de repensar uma nova estratégia de luta anti-sistêmica, que leve em consideração as particularidades de um mundo complexo e plural. Cabe às minorias organizadas expandirem suas bandeiras para além de seus interesses imediatos. Só assim podemos pensar numa nova hegemonia civil que derrote o ordenamento do capital e possa construir outra ordem social, mais justa e humanitária.

Revisão textual: Regina Vilarinhos


domingo, 29 de julho de 2012

Julgamento do Mensalão: Uma oportunidade para o PT

Por Adelson Vidal Alves


       Inicia-se na próxima quinta feira, no STF, o Julgamento da ação penal 470, mais conhecida como "processo do mensalão". Muitos consideram que este julgamento seja o maior e mais importante da história de nossa Suprema Corte. Entre os réus estão dirigentes da alta cúpula do Partido dos Trabalhadores, e envolve diretamente a imagem de um dos mais populares presidentes da República brasileira. O resultado final da ação pode significar uma revolução no imaginário popular quanto o personagem Lula e seu partido.
            A sentença do processo que tem mais de 50 mil páginas e  que já ouviu cerca de 600 testemunhas desde que foi aberto em 2006, trará certamente consequências para o PT, que poderá ser sentido já nas eleições de Outubro deste ano.
        O mensalão se trata de um escândalo de corrupção denunciado pelo então deputado Roberto Jeferson, onde envolve a a compra de votos parlamentares para aprovação de projetos de interesse do governo federal. Na época Lula negou conhecimento do esquema, teve sua figura arranhada e sofreu grande abalo na popularidade de seu governo. Acordos por cima, porém, blindaram sua imagem, e praticamente o isentou de culpa. O PT saiu fortemente atingido, mas com a ausência de condenações o partido conseguiu se recuperar do abalo e crescer eleitoralmente. Contudo, um novo capítulo trágico pode começar a ser escrito nos próximos dias.
            O desfecho do julgamento não só pode trazer mudanças no cenário da luta política nacional, como alterar a correlação de forças internas do próprio PT. Caso se julgue procedente o envolvimento de figuras como José Dirceu e José Genoino, por exemplo, fortalece-se setores do partido ligados a Dilma, e enfraquece o campo que defende a volta de Lula nas eleições de 2014. Abre-se também a possibilidade de grupos mais a esquerda avançarem dentro do partido, com possibilidades reais de reincorporarem valores e programas próximos dos reivindicados na fundação da legenda.
         É certo também que o PT sofrerá seríssimas perdas nas urnas e um abalo na sua imagem como partido de esquerda, fundado em valores éticos. O partido nasceu reivindicando pra si o monopólio da ética, e depois que ascendeu ao poder vem acumulando denúncias de corrupção sistêmica nos governos que dirige.
            O uso político por seus adversários já vem afetando a vida política do partido, e pode comprometer muito o projeto petista de poder. Entretanto, é oportunidade para que se repense o vale- tudo em que se meteu a legenda, que desde que subiu as escadas do poder se distanciou de seu programa original e seus aliados na sociedade civil, para se apoiar exclusivamente no jogo instituicional.
            Não que eu acredite numa reviravolta ideológica no partido, que já foi o mais importante da esquerda na América Latina. Mas é momento interessante na vida partidária, e pode significar um repensar histórico de suas mudanças de rumo, como também jogá-lo de uma vez por todas entre aqueles que se resumem a pequena política, rejeitando o pudor pelo exercício espúrio do poder. Ai sim ! Seria o seu fim.
                                    

terça-feira, 24 de julho de 2012

Eleições e redes sociais


           Por Adelson Vidal Alves

Imagens como essa expressam a defesa de muitos pela despolitização das redes sociais.

           
           O modelo político brasileiro é marcado por desequilíbrios extremos. A interferência do poder econômico, assim como uma legislação que favorece as grandes legendas, faz da democracia brasileira um cenário injusto no debate de idéias no período eleitoral.
Veja por exemplo o caso do Rio de Janeiro. Marcelo Freixo do PSOL terá pouco mais de 1 min em cada 30 min do tempo de televisão na disputa pela prefeitura carioca, e contará quase que exclusivamente com recursos de militantes e simpatizantes de sua candidatura. O atual prefeito Eduardo Paes (PMDB) candidato a reeleição, tem apoio dos governos do estado e federal, e já anunciou que gastará cerca de 25 milhões em sua campanha, além de contar com mais de 16 min em cada 30 min de TV.
Dentre as formas encontradas pelas candidaturas alternativas para driblar estas distorções, enquanto não vem a tão necessária reforma política, está a utilização das redes sociais. Estas se mostraram eficientes em vários países, vindo a se tornar a principal ferramenta de mobilização no que veio a ser conhecida como “Primavera árabe”. Foi também peça fundamental nas mobilizações no Chile, Grécia, Espanha e no Ocupa Wall Street.
Entretanto, no Brasil, as redes sociais parecem receber mal a política em suas formas variadas. No primeiro processo eleitoral com o uso massificado do facebook, o maior das redes sociais, a recepção de grande parte das pessoas que o utilizam é de rejeição a qualquer ensaio de debate eleitoral. Há correntes virtuais para que as eleições não “contaminem” o facebook, deixando-o livre do que acham ser a “chatice” que se tornou a política.
Antes de qualquer coisa, é preciso ressaltar que as redes sociais são expressões da expansão democrática do uso tecnológico. Elas podem ser espaços avançados e horizontais na construção de discussões pertinentes ao cotidiano, assim como podem se tornar um simples ambiente de entretenimento. Podem se transformar num local importante pelos quais os grupos subalternos avancem na batalha das idéias, ou abrigar um conjunto de relações supérfluas e particulares.
Seria ingenuidade atribuir potencial revolucionário (no sentido de mudanças estruturais sistêmicas) a estas redes, muito menos candidatá-las a substitutas dos partidos políticos na luta por transformações radicais na sociedade. Mas é ao mesmo tempo estranho que a alienação das consciências seja tão grande a ponto de criar comportamentos de oposição ao uso político das redes sociais. O povo brasileiro parece levar para estas ferramentas virtuais a desilusão que criaram com a política tradicional. Erram feio ao exigir o direito à acomodação e à alienação. Esquece-se que enquanto estão se escondendo da disputa eleitoral, os donos do poder continuam usando de múltiplas formas de persuasão, utilizando do poder financeiro e de barganha que detém, com o fim de seguirem controlando o sistema econômico e social vigente.
Se quisermos as redes sociais isentas de política, saibamos que estamos abrindo mão de um dos poucos espaços de ação direta que os grupos de baixo têm na luta por mudança social e cultural.
Enquanto as classes proprietárias lutam para reduzir cada vez mais os espaços de participação popular no exercício do poder, nós, do andar de baixo, parecemos estar renunciando as brechas que estas ainda são obrigadas a ceder. Se confirmarmos a opção do desdém, estaremos confirmando mais uma vitória das classes dirigentes contra aqueles que sonham a construção de uma nova ordem social, mais justa e humanitária.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Antes que a covardia comece

Por Adelson Vidal Alves

Dom Leonardo Steiner


           O secretário geral da CNBB dom Leonardo Steiner, disse em recente entrevista que o tema do aborto e da União Civil homossexual precisam ser pautas nas eleições municipais deste ano. O religioso, pelo que parece, quer trazer de volta a baixaria que caracterizou as eleições presidenciais de 2010, quando o PT e Dilma foram covardemente vítimas da pregação demagoga de parte do altar católico.
            Antes que a baixaria comece, deve-se esclarecer que vereadores e prefeitos não estão embutidos constitucionalmente do poder de mudar algum dispositivo legal que altere a atual legislação sobre o aborto e a União gay. É direito de qualquer cidadão querer saber a opinião do seu candidato sobre este tema, mas é igualmente lamentável a apelação da igreja em mais uma vez tentar encurralar candidaturas a partir de suas convicções morais como instituição religiosa.
        Prefeito e vereador têm compromissos diretos com o cotidiano municipal. A questão urbana, ambiental, o postinho de saúde sem médico, a coleta de lixo, as creches, as empresas que querem se instalar na cidade. Estas obrigações políticas estão necessariamente ligadas a esta campanha eleitoral. Em termos de dever político, trazer de volta temas como os citados no inicio do texto,  é agir de covardia e falsidade, com o intuito único de proteger candidaturas conservadoras ligadas ao centro eclesial e jogar na fogueira as visões progressistas.
            A interferência religiosa em eleições se demonstraram trágicas nos últimos pleitos. Usa-se o poder sagrado para manipular consciências, aterrorizar mentes e impedir um debate amplo e público sobre temas de relevância pública. A fé e seu exercício é um direito. É dever do Estado proteger a liberdade de culto, entretanto, este Estado é laico, ou seja, não confessa crença metafísica.  Assim, não deve funcionar por verdades religiosas, mas sim trabalhar pelo bem comum. Quando a igreja quer impor sua visão moral vinda dos céus ao conjunto da sociedade, está ela violando a democracia laica e causando um profundo desserviço ao processo democrático.
           Esperamos o bom senso das lideranças religiosas, de pelo menos serem honestas e se atentarem para o papel que devem cumprir como Igreja. Em outras palavras: Não meter o nariz onde não tem q meter.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

O bispo racista


Por Adelson Vidal Alves



            O bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, publicou no site de sua igreja um artigo* no mínimo bizarro. Nele o líder religioso recomenda aos fiéis que não se misturem “racialmente”. O bispo diz que não é aconselhável pessoas de “raças” diferentes se casarem, argumentando que os futuros filhos sofrerão preconceito por sua miscigenação.
            Macedo parte do pressuposto falacioso de que os seres humanos se dividem em “raças”. Conceito que só cabe entre os animais, haja vista que a espécie humana não pode ser recortada por paradigmas raciais, fato há muito comprovado pela ciência.
            Mesmo que Macedo estivesse certo quanto à classificação racial entre os homens, seu dever como cristão seria combater o preconceito, e não punir o amor “inter-racial” em nome de um futuro sem confrontos.
            A orientação do líder maior da IURD é um visível caso de racismo. Seu texto propõe indiretamente a eliminação dos “mestiços”, colocando como solução para o preconceito racial a segregação matrimonial baseada na cor da pele.
            Um texto como esse merecia nosso total desprezo. Contudo, é inegável a influência poderosa de Macedo e seus meios de comunicação sobre a vida de milhões de pessoas. Seria um erro ignorarmos isso.
Não bastasse o Estado nos separar racialmente em políticas públicas, agora um líder religioso, em nome de Deus, sugere o mesmo retrocesso “racialista” à sociedade brasileira.
            Pode ser que mesmo os fiéis da IURD não acatem o conselho de seu líder, tamanho o absurdo de suas argumentações. Mas o mal já foi lançado no momento em que a ideia de “raça” passa ser difundida a partir do púlpito eclesial.
            O mal que causa o racismo, ou seja, o imaginário predominante da existência de famílias raciais humanas, ganha cada vez mais força em vários organismos de difusão ideológica. Nossa cultura de “racismo acanhado” e sem organização material explícita, corre o sério risco de regredir a um preconceito aberto e violento. Basta a certeza de que somos racialmente diferentes para que novos grupos passem a se organizar a partir de uma falsa ideia de hierarquização de variados grupos biológicos.
 Se o racismo científico foi vencido, o nosso racismo pode estar ganhando força por outros caminhos. Ou trabalhamos seriamente na construção de uma cultura que valorize a espécie humana como única, e sendo assim, sem superioridade de um grupo racial sobre outro, seja na sociedade ou nas políticas de Estado, ou estaremos retornando aos tempos mais sombrios da discriminação como fenômeno racial.




* Publicado em: http://noticias.gospelmais.com.br/bispo-macedo-homens-casar-mulheres-raca-diferente-39342.html
                

sábado, 14 de julho de 2012

Cidadania e voto nulo


Por Adelson Vidal Alves


            Nunca anulei meu voto. Não cheguei ainda ao extremo pessimismo de pensar que na política todo mundo não presta.  Sempre me esforcei para buscar em algum partido ou pessoa, algo que valesse a pena ou que demarcasse posição na luta de classes que se expressa no terreno eleitoral. Em outras palavras: Já votei por convicção, e também para evitar um mal maior.
            Corre pelas redes a notícia de que a cidade de Bom Jesus de Itabapoana teria certa vez anulado a eleição para prefeito, ao rejeitar todos os candidatos em 89% de seus eleitores.
Não me dei ao trabalho de conferir a veracidade da noticia, tampouco em analisar o contexto particular desta cidade. Mas confesso que me assusta o entusiasmo com que muitos receberam a noticia. Para estes, a pequena cidade teria dado um exemplo de cidadania ao rejeitar “a corja de bandidos inescrupulosos que povoam em sua totalidade a política institucional”.
O voto nulo não deve ser visto como voto perdido. Ele é a expressão de quem não confia em determinados postulantes a cargos públicos, e não vê em nenhuma de suas opções algum elemento que lhe seduza a confiar-lhe um cargo eletivo. Pode ser também fruto de uma ideologia mais complexa. O anarquismo, por exemplo, não confia no poder, e rejeita as eleições em todas as suas formas. Para estes, a mudança só virá pela intervenção direta do povo contra qualquer expressão de dominação.
Sou marxista, de modo que minha utopia maior é a eliminação de uma sociedade dividida entre governantes em governados. Luto pela construção de uma ordem social sem alienação, sem classes sociais, sem propriedade privada. A sociedade comunista, no dizer de Marx.
Entretanto, nem o marxismo e nem o anarquismo se sentiriam representados no entusiasmo destas pessoas que exaltam o acontecido na cidade citada. Não há uma consciência de renuncia do poder como relação social , tampouco a visão crítica de que em certas situações negar o voto serviria como estratégia de luta política.
Há, a meu ver, uma descrença generalizada na política oficial, e assim uma universalização equivocada de que as pessoas que fazem política são todas corruptas,  e que assim que assumirem o poder, irão se corromper.
As democracias modernas nos oferecem espaços privilegiados de luta política, o voto é um deles. Ter representantes éticos e comprometidos com a transformação social nos aparatos estatais é ponto fundamental de mudança. Se retirar da esfera pública lavando as mãos no exercício da política não é cidadania, é ingenuidade.
Certamente não teremos uma febre nacional de votos nulos, até porque não é verdade que a política se resume a corrupção. Conquistas sociais importantes das classes populares vieram pela ocupação parcial dos espaços de poder por partidos e pessoas comprometidas com o bem comum.
O fenômeno que coloca em lados opostos povo e política se chama alienação, ou seja, uma transferência para privados um dever que é universal. As eleições por sufrágio universal são fruto da luta dos trabalhadores, e utilizá-las como pirraça contra os maus políticos não me parece ser a solução.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Freixo e a debilidade da esquerda carioca

Por Adelson Vidal Alves

              
         O corajoso deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) é candidato a prefeito na cidade do Rio de Janeiro. Seus principais adversários são o atual prefeito Eduardo Paes (PMDB) e a dupla da dinastia Maia e Garotinho. Rodrigo Maia (DEM) filho do ex-prefeito César Maia, encabeça a chapa que tem Clarissa Garotinho (PR) como vice.
         A possibilidade de uma eleição de Freixo esbarra na influência do poder econômico e no boicote total da grande mídia a sua candidatura. O candidato do PSOL, em contrapartida, vem ganhando forte apoio da intelectualidade, de artistas e de movimentos culturais.
       As duas candidaturas de direita reúnem uma mega-estrutura financeira, além de apoios graúdos do poder. Eduardo Paes, por exemplo, terá ajuda direta do governo federal.
      Uma questão perturbadora parece ser sina na esquerda carioca. Na eleição de 2008, Jandira Feghali (PC do B) chegou forte com condições de vencer Paes. O PT de Alessando Molon e o PSOL de Chico Alencar mantiveram suas candidaturas no primeiro turno, pulverizando o voto progressista e deixando Fernando Gabeira ir ao segundo. Me lembro bem da iniciativa do economista César Benjamin de tentar impedir esta divisão, lançando um site de nome “Luta Rio”, onde propunha abertamente a união das esquerdas contra Paes e Gabeira, em favor de Jandira. A recusa sectária dos setores progressistas derrotou Jandira. Estranho paradoxo, porém, foi a comunista engajar na campanha de Paes no segundo turno e logo depois se acomodar na Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro.
       O fato é que história semelhante acontece no ano de 2012. O PSTU lançou Cyro Garcia, simplesmente para marcar posição. Faltou clareza na legenda sobre as possibilidades reais de uma vitória histórica da esquerda no Rio de Janeiro.
      PC do B e PT se instalaram de vez no poder municipal. Apoiarão sem constrangimento a candidatura do remanescente tucano Eduardo Paes. Hoje as explicações para tanto desconexo são mais fáceis. As Olimpíadas de 2016 e a Copa do Mundo de 2014 na cidade atraem os olhos para uma poderosa máquina pública em operação. PC do B e PT há tempos se entregaram a sedução das benesses que oferecem o andar de cima.
      As candidaturas de Rodrigo Maia e Eduardo Paes se inserem no campo da direita, com administrações anti-populares e conservadoras. Marcelo Freixo carrega a carga crítica de uma posição firme contra o crime institucionalizado, traz também a credibilidade ética de um partido, a militância aguerrida de lutadores sociais, e o apoio importante de setores ligados ao pensamento crítico. Não é pouca coisa.A campanha de Freixo enfrentará a máquina poderosa de seus inimigos com a estratégia que sempre caracterizou a esquerda. Não podemos prever o resultado das urnas, mas é animador ver que as elites tremem ao saber que não podem cooptar todo mundo, e que por fora da pequena política ainda há vida revigorada para renovar o cenário desgovernado das últimas gestões cariocas. 

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O voto


             Por Adelson Vidal Alves


             Foi dada a largada oficial para as campanhas eleitorais de vereador e prefeito. Os parlamentos eleitos por sufrágio universal nas democracias modernas são conquistas das lutas dos trabalhadores na história. Basta lembrar as principais bandeiras do movimento sindical em sua origem: Diminuição da jornada de trabalho e sufrágio universal.
            O direito universal ao voto é instrumento fundamental na consolidação de um processo democratizante. Ele é responsável pela composição de instrumentos políticos institucionais responsáveis pela elaboração de políticas de Estado com vistas ao bem comum.
            Há quem supervalorize o voto e quem desvalorize por completo. Entre os primeiros, estão aqueles que resumem a democracia às urnas. O voto sozinho não é capaz de mudar a estrutura social de uma determinada sociedade. Na verdade ele é capaz de lançar partidos e pessoas a um governo, mas não ao poder. Este último está estabelecido dentro de uma relação bem mais complexa. Seria ingenuidade imaginar o voto como o ato supremo da mudança social.
            Os que desvalorizam o voto como sendo fator previamente manipulado pelas elites, também erram por exagero. O continente latino-americano é prova viva de que o processo eleitoral pode ser ponto de apoio importante nas transformações políticas. Rejeitando o neoliberalismo, os países do nosso continente em sua maioria absoluta, sofreram nos últimos anos substituições de governos neoliberais por outros de corte reformista, ainda que o poder econômico e midiático tenha jogado forte papel nas candidaturas da situação. Em diferentes proporções, os novos governos conseguiram avanços significativos nas políticas sociais, mesmo que sem romper com a ordem capitalista.
            Os atuais processos eleitorais, contudo, guardam distorções abismais. No Brasil, a interferência do poder econômico cria um oligopólio político cada vez pior, o que na prática estabelece uma relação direta de influência das classes dominantes nas instâncias políticas. Os parlamentos modernos em nosso país refletem o domínio de banqueiros, latifundiários e grandes empresários, enquanto os trabalhadores são minoria representativa, ainda que seja maioria na sociedade.
            Só mesmo uma reforma política para equilibrar a disputa eleitoral. Mas enquanto ela não vem, resta-nos intensificar o trabalho de base, investir em propostas e debates abertos com a população, de modo a convidar a sociedade para um debate público sobre a problemática nacional e local.
            O voto ainda está sob o risco da forte influência dos poderosos, da manipulação ideológica da mídia e, sobretudo, da ausência de uma mentalidade crítica das grandes massas. No entanto, ele ainda é fator importante para a consolidação de mudanças e deve ser exercido e disputado sob os valores de uma verdadeira ética pública.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Alienação em Marx


             Por Adelson Vidal Alves



             Quando o artesão usava de seu trabalho para produzir um vaso ele tinha em sua mente todo o processo necessário, para que no final da produção, o objeto produzido refletisse exatamente sua projeção. Marx já dizia que o que difere o homem dos animais é exatamente a capacidade de projetar o fim do seu trabalho, enquanto no mundo animal o que impera é o instinto de sobrevivência. É conhecida a metáfora do filósofo alemão em que ele diz que o pior arquiteto humano será sempre melhor que uma abelha, exatamente pela capacidade de seu trabalho planejado.
            O trabalhador dos tempos capitalistas regrediu em seu aspecto humano, principalmente por um fenômeno que Marx chamou de “alienação”. A alienação do trabalho consiste na “desumanização” do ser humano.
            A divisão social do trabalho capitalista faz com que toda a produção seja executada por um número maior de pessoas, que por sua vez, cada um deles representa apenas uma parte do processo produtivo, de modo que,  no final a mercadoria produzida é completamente estranha aos seus operários produtores, reduzidos a pequenos braços do maquinário avançado da indústria capitalista., as vezes sem sequer poder adquirir o fruto de sua labuta.
            A alienação invade o cotidiano dos seres humanos e se expressa na configuração de sua consciência e instituições. Aliás, em Marx a consciência não está separada da forma como o homem se insere concretamente na reprodução de sua vida material. A economia, assim, estaria dentro de uma dinâmica dialética com a vida espiritual dos homens, e seria fator primordial na consolidação institucional da estrutura social.
            A religião, por exemplo, pode expor claramente a dimensão alienada do ser humano. Completamente alheio ao seu protagonismo como sujeito histórico, ele se submete a uma autoridade desconhecida, estranha (alienus), a sua realidade. A religiosidade desvincula a autonomia do homem como produtor da história, entregando a uma entidade metafísica (Deus) a sua realização como próprio homem.
            O ser alienado esta submetido a um estranhamento de sua vida social. Ele se distancia da prática do poder, delegando a um pequeno grupo profissionalizado a direção da sociedade em que vive. Este fenômeno chamamos de alienação política, porque a esfera política passa a ser espaço privilegiado do outro, perdendo seu caráter original de participação universal. Ora, a política é tão somente o instrumento da vida humana, inventada como forma de corrigir as distorções da existência em comunidade e proporcionar o bem comum. Quando a política se torna exercício de poucos, e não um espaço de participação de todos, temos claramente a presença da alienação.
            O capitalismo reproduz a alienação e escraviza o homem em seu mundo, separando ele de sua autonomia como sujeito histórico, fazendo-o se sentir de fora da realidade em que participa e produz. A manutenção desta passividade se dá por um ordenamento de idéias que Marx chamou de “ideologia”. Este importante conceito marxista seria assunto para outro artigo.
            O fato é que o capitalismo deve ser derrotado na medida em que a alienação desapareça, e o espírito dos homens seja liberto.
            Seja liberto para participar conscientemente das decisões da vida em sociedade. Liberto para sua auto-realização humana na produção de sua vida material. Liberto para se sentir dirigente dos rumos da sua história.
            A construção de uma outra ordem social sem alienação passa pela eliminação do capital como fator hegemônico. Lutemos assim pelo socialismo.           

terça-feira, 3 de julho de 2012

O caráter de Lula e o silêncio dos intelectuais

Por Adelson Vidal Alves


             O sociólogo e professor emérito da USP, Chico de Oliveira, disse em entrevista ao programa Roda Viva desta segunda-feira, 02 de Julho, que o ex-presidente Lula “não tem caráter” e é “oportunista”.
            Chico que foi fundador do PT se desligou do partido no ano de 2003, e desde então vem fazendo duras críticas aos governos petistas. As declarações do acadêmico, entretanto, nunca tinham ganhado um tom tão duro como este. A repercussão das afirmações bombásticas de Chico ainda não provocou reação da intelectualidade petista, que mais uma vez parece recorrer ao silêncio.
            Em 2005, por ocasião do episódio do mensalão, vários intelectuais ligados ao PT se negaram a falar. Mais tarde, a filósofa Marilena Chauí viria a público reivindicar o direito ao silêncio. No mesmo período, Chico de Oliveira se pronunciou dizendo que o papel do intelectual é exercer a crítica, e como tal não pode se esconder diante dos grandes impasses da esfera pública.
            É lamentável que gente de história na esquerda como Paul Singer e Marilena Chaui, renunciem à função de intelectuais para servirem a um governo. Ambos recentemente também se negaram a falar sobre o episódio da aliança de Lula com Maluf em São Paulo.
            Os intelectuais petistas funcionam da seguinte forma: Quando o governo do PT vai bem, publicam artigos, dão entrevistas e palestras exaltando as façanhas governamentais. Também deslancham a falar na medida em que seu governo é ameaçado por uma eleição. Quando Serra ameaçou a vitória de Dilma, não faltaram entrevistas e declarações públicas de acadêmicos do partido alertando para o fim do mundo caso o tucano vencesse as eleições.
            Nem todos os pensadores petistas, é verdade, se silenciam. O sociólogo Emir Sader mantém um blog no site Agência Carta Maior, no qual expõe seu malabarismo teórico para defender o PT e seu governo. Sader sofre de “Tucanofobia”, reduzindo a complexa conjuntura nacional a uma disputa maniqueísta entre PT e PSDB. Para Emir, fora desta dicotomia nada mais existe. O sociólogo, na verdade, passou há tempos de intelectual para ideólogo. É suplente de um senador petista e recentemente chegou a cogitar o Ministério da Cultura e a Casa Rui Barbosa. Sua boca grande lhe ceifou dos dois espaços.
            As palavras de Chico contra o caráter do ex-presidente já teve uma versão bem mais agressiva, protagonizada por outro grande intelectual ex-petista.
            O Economista Cesar Benjamin, que foi vice na chapa presidencial de Heloisa Helena, escreveu um artigo no ano de 2009 em que acusava Lula de molestar um dos detentos enquanto esteve preso. O artigo, publicado no Jornal Folha de São Paulo, ganhou forte oposição de militantes de todo o bloco governista. O núcleo do poder logo trabalhou não só para desmentir o economista, como também para acabar com sua carreira. Benjamin que era funcionário do governo do Paraná foi perseguido até ter sua demissão consolidada e seus espaços de debate reduzidos. Mais uma vez os intelectuais do PT assistiram omissos a uma ação mafiosa do poder.
O intelectual tem o papel de trabalhar com a crítica, e usá-la sempre em favor de uma verdadeira ética pública. Quando estes recolhem suas palavras em nome da estabilidade de um grupo no poder, são rebaixados ao cargo de pobres ideólogos. Se transformam, de fato, em verdadeiros traidores da dialética.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Metamorfose ideológica ou a morte das ideologias?

Por Adelson Vidal Alves

Apesar do pragmatismo vazio de alguns partidos de esquerda, milhões de pessoas ainda lutam pela construção de um novo ordenamento social. A ideologia não morreu.


O norte-americano Francis Fukuyama publicou em 1989 um artigo intitulado O fim da história. Nele, o autor propunha que a história não poderia conhecer outra forma social de organização, senão a capitalista e sua democracia liberal. Narrava ainda a morte das ideologias e das utopias revolucionárias. Seu pensamento ganhou forte eco entre os intelectuais conservadores.
           Tamanho sucesso desta teoria se justificava pela forte hegemonia do neoliberalismo no mundo. Durante toda a década de 1990, a maioria absoluta dos governos aplicou um receituário fortemente marcado pela diminuição do Estado através de privatizações e do alargamento das relações de livre mercado. As teses fukuyamistas só começaram a perder folego, quando o próprio neoliberalismo entrou em crise, e vários governos alinhados a esta ideologia foram substituídos por outros de cortes mais progressistas e estatistas. Ali a história se vingaria, e daria razão a um velho barbudo do século XIX, que sempre olhou de forma dialética para mesma.
            Hoje Fukuyama não ganharia espaço nem mesmo nas páginas amarelas da revista Veja. Suas teses foram renegadas até mesmo pelos grupos mais reacionários de nossa sociedade. Contudo, a ressaca neoliberal ainda deixou alguns resquícios de seu discurso fatalista. Não falta gente dizendo pelos cantos que esquerda e direita já não existem mais, que a busca cega pelo poder resume a política em disputas oportunistas, esvaziadas de qualquer conteúdo ideológico. Apontam alguns acontecimentos atuais como provas de sua fala; O PT, que no governo deu continuidade ao núcleo das políticas neoliberais da era tucana, as alianças em todo território nacional que colocam do mesmo lado comunistas, trabalhistas, petistas, socialistas  e demo-tucanos, e é claro, a ausência de um programa e de uma militância que demarque objetivamente quem seja de esquerda e de direita.
            É bem verdade que o PT mantém essencialmente a governabilidade conservadora, e que a militância de rua tenha sido substituída por profissionais e militantes temporariamente pagos. Intriga maior é o abandono completo no critério das alianças. Gostaria de estar numa coletiva de imprensa e perguntar ao prefeitável de São Paulo, o petista Fernando Haddad, o que ele pensa sobre ética, enquanto este esteja sentado ao lado de Paulo Maluf. Gostaria de perguntar ao candidato a prefeito de Barra Mansa Jonas Marins, sendo ele comunista, o que acha de privatizar serviços públicos, enquanto gente do DEM e do PSDB ficam bem a vontade na mesma coligação.
            Estas coligações monstros, como as duas citadas como exemplo, nos colocam uma questão: Ou de fato as ideologias morreram, ou alguém anda mudando excessivamente de lado?
            De minha parte, tenho clareza de que as ideologias sobreviverão enquanto houver seres humanos andando sobre este globo, e que as utopias revolucionárias sobreviverão enquanto os problemas centrais de uma sociedade mais humanista não forem resolvidos.
           Mas se comunistas e demo-tucanos estão do mesmo lado eleitoral, então alguém fez concessão. Não imagino o DEM e o PSDB reivindicando uma sociedade sem classes, assim como a emancipação humana. De modo que concluo que o que vem acontecendo é uma profunda metamorfose dos partidos de esquerda, que desejam inescrupulosamente chegar ao poder.
           A lógica espúria da busca pelo poder, encerrou a vida ideológica destes partidos, hoje um aglomerado de esfomeados pragmáticos. Não digo, contudo, que seja regra. Há motivos de sobra para acreditarmos na integridade ideológica de muitos militantes, assim como a manutenção do sonho revolucionário no coração de muitos seres humanos.
           A metamorfose de algumas legendas eleitorais não encerra o ciclo da disputa pela hegemonia e a transformação radical da sociedade, tão pouco retira os partidos do seu protagonismo na luta por uma nova ordem social. Ela apenas traz novos desafios a quem continua lutando e acreditando que “Outro mundo é possível”.