Por Adelson Vidal Alves
O Brasil segue envolto a um
debate polêmico: a descriminalização do aborto. Ao contrário de outras
temáticas complexas que ocupam a pauta do Congresso Nacional, esta guarda a
dificuldade de se dar em meio a bancadas parlamentares religiosas
fundamentalistas e sob intensa pressão da Igreja. A sociedade civil é palco de
campanhas deseducadoras, que de forma apelativa expõe fotos de bebês formados mortos, quando em nenhum país onde o aborto não seja crime, a permissão
abortiva supera 3 meses de gestação, ou seja, quando o feto ainda não tomou a
forma humanoide.
A dura realidade é que a
criminalização do aborto não protege a vida, pelo contrário, tornou-se uma
fábrica de morte para mulheres de baixa renda. Segundo a Pesquisa Nacional do Aborto,
realizada em 2010, a maioria daquelas que abortam ganham entre 0 e 2 salários
mínimos. Ou seja, com a ausência de uma estrutura que dê segurança a estas mulheres
na saúde pública, elas recorrem a métodos arriscados e clandestinos, que não
raras vezes levam a óbito. Já as ricas conseguem acesso a práticas
abortivas bem mais seguras. Um Estado laico e democrático não pode ignorar esta
realidade.
Os argumentos que criminalizam
o aborto quase sempre recebem roupagem religiosa. Na cabeça de um cristão
fundamentalista, a vida inicia-se logo após a concepção, num simples sopro
divino. Nem mesmo Tomás de Aquino, um dos pais da Igreja, levou esta situação a
tamanho extremo. Nos escritos do teólogo do século XIII, há a defesa de que a
vida humana só começa aos 40 dias depois da fecundação. Para a ciência não há
consenso, mas os cientistas sérios não costumam dar ao feto os direitos
constitucionais que protegem os seres humanos em sua forma completa. Sendo
assim, a Igreja que reclama o direito do feto, só os faz por conta de suas
convicções subjetivas de fé, sem qualquer amparo científico.
Veja bem, ninguém de bom
caráter e boas faculdades mentais incentivaria uma campanha a favor do aborto.
Tal prática é recurso último e indesejado pela mulher. O trauma de submeter seu
corpo a situações de risco só pode ser explicado na medida em que tais
mulheres, pobres em sua maioria absoluta, desconfiam por completo das
capacidades do Estado de lhe garantir vivência social saudável e segura. Ser
mãe deveria ser uma escolha da mulher, e ainda sim com a segurança de proteção
social do Estado, e não uma imposição. A soberania do corpo da mulher não pode
ser violada e colocada sob situação penal.
Em países como Cuba e Uruguai, onde o aborto foi descriminalizado, não houve uma chacina de bebês, como alardeiam os fundamentalistas. Por lá começa a se construir uma consciência de direitos, liberdades e responsabilidades. Morrem menos mulheres, e as políticas de educação avançam, com perspectivas de que gravidezes indesejadas diminuam significativamente.
No Brasil a pressão religiosa e
dos setores conservadores da sociedade é grande. E num país de maioria crente e
com tendências conservadoras, fazer da descriminalização do aborto uma
realidade requer esforços.
O mais correto seria: direito de matar?
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