sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Ornitorrinco sindical



Por Adelson Vidal Alves



O Ornitorrinco é um animal peculiar. Mamífero, mantém características de ave, como o fato de ter bicos parecidos com o de um pato e sua fêmea botar ovos. Além disso, nada como se fosse um peixe. Por ser um bicho incomum, reunindo características que impedem obter clareza sobre o que realmente é, ele serviu como metáfora para uma série de situações. A mais famosa deu nome ao ensaio do sociólogo Chico de Oliveira sobre o capitalismo brasileiro do século XX.

Não pude resistir as semelhanças do animal com a oposição sindical metalúrgica de Volta Redonda, representada na chapa 2 das eleições que se aproximam. Levei um susto quando vi num mesmo panfleto de campanha, Intersindical, Conlutas e CUT.

Como podem conviver centrais sindicais de orientação ultra-esquerdista com outra tão chapa branca, que praticamente virou braço sindical do governo federal? A intersindical é dirigida pelo PSOL, a CUT pelo PT e a Conlutas pelo PSTU.

A atual direção do Sindicato dos Metalúrgicos cedeu a um “sindicalismo light”, incorporando em sua prática comportamento meramente economicista, funcionando muito mais como uma entidade assistencialista do que um órgão para organização das lutas da categoria. Não foi a toa que se filiou a Força Sindical, central de origem neoliberal. Contudo, é fato que reequilibrou as contas da entidade, afastou de si as dúvidas quanto a boa gestão de seus recursos, tão presentes nas gestões anteriores, além de conseguir amadurecer nas relações de negociação. Mesmo que permanecendo dentro de uma concepção meramente de resultados, obteve conquistas econômicas para os operários, graças ao abandono do “sectarismo classista”, que não vê outro caminho de lutas senão o da “classe contra classe”.

O que a oposição propõe de alternativa não faz sentido, como o ornitorrinco no processo evolutivo. Afinal, o que poderia unir a extrema-esquerda, afoita por enfrentar o capital em cada esquina a uma central há muito comportada ao status quo? Parece que as reais motivações passam por fora da busca por um sindicalismo de concepção diferente. PSOL e PSTU buscam sair do isolamento em que se encontram velhos no sindicalismo da educação, e o PT, a conhecida corrida por aparelhamentos.

Os trabalhadores não podem esperar grandes alternativas nesta situação. Caso a chapa 2 consiga vitória, ou verão uma implosão interna nas diferenças, ou a absorção de alguém.

O estranho animal, que deixa Darwin até hoje em maus lençóis, é o retrato perfeito de uma articulação sindical que mostra o fracasso da busca por alternativas coerentes. Para os trabalhadores, será melhor permanecer dentro de uma normalidade da biologia sindical do que recorrer a monstrengos imprevisíveis.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A democracia em pauta

Por Adelson Vidal Alves



Recentemente completaram-se 30 anos do histórico comício da Sé, que deu largada para a famosa Campanha das Diretas Já. Em Outubro do ano passado a Carta Constitucional de 1988, fruto da mobilização popular pró-democracia, completou 25 anos, e em Março deste ano fará 50 anos que o Brasil sofreu um golpe militar.

Tais datas trazem hoje para nossas reflexões o papel da democracia. Nossos tempos são de busca constante pelo aperfeiçoamento institucional democrático, mas também de questionamentos. Seja por setores assanhados da direita, como também de parte da esquerda, há muito simpatizante de movimentos e articulações que tomam a democracia como um momento tático transitório até o triunfo da “ditadura do proletariado”.

Nestes dias deveremos escolher: procuraremos resolver nossos conflitos utilizando dos organismos modernos da democracia política, ou direcionaremos nossa fúria contra eles? Acolheremos a violência impositiva de mascarados, ou aceitaremos o caminho da busca de consensos? Entenderemos os partidos políticos como mecanismos de mediação coletiva da política, ou os desprezaremos como antro de degeneração ética e moral, no qual devem ser hostilizados?

O sentido de todos estes questionamentos está no aparecimento contínuo de estranhas formas de intervenção urbana, caracterizados por uma violência nada criativa contra tudo a que consideram “instância burguesa”. A imprensa, o parlamento, os partidos políticos, conquistas da luta direta das classes subalternas, são tratados como fonte de todo o mal que atinge a sociedade.

As recentes manifestações de rua, um levante espontâneo de amplos setores da sociedade brasileira, permitiu em seu meio o grito autoritário de amplas camadas sociais dispostas a sabotarem o funcionamento das instituições da democracia. Buscam deslegitimar governos eleitos democraticamente, assim como fazerem oposição inócua a várias situações, que vão desde um “rolezinho anti-classe média” até protestos contra a Copa do mundo.

As forças democráticas, mesmo as conservadoras e moderadas, devem se unir pra fazer prevalecer a conquista civilizatória que é a democracia. Não devem aceitar comportamentos autoritários com a desculpa esfarrapada da “liberdade de ação dos oprimidos”. Devem fazer valer vitórias históricas das classes de baixo, que abriram espaços importantes em sua luta cotidiana.

Devem se posicionar imediatamente contra a delirante filosofia dos black blocs, e de toda manifestação que não se encaixe nas regras do jogo democrático. Deve interferir nos temas que virão a tona neste ano, sempre reafirmando o Estado de direito como palco exclusivo na construção de novas hegemonias. Deve se afirmar a superioridade da democracia política a qualquer caminho que se pretenda rebelde, mas que no fim, serve ao fortalecimento de uma cultura autoritária e regressiva.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

“Netofobia” faz mal ao cérebro

Por Adelson Vidal Alves


A Netofobia é uma doença fatal para o cérebro. Quem a contrai, raramente mantém intacto o funcionamento normal de seus neurônios. Produz desequilíbrio, cegueira e fanatismo político. Seus principais sintomas são: ódio ao prefeito Neto e a tudo que ele representa. Uso excessivo de bordões prontos e previsíveis, calúnia e difamação a quem consideram simples "puxa-sacos" do prefeito.

Como indiretas não fazem meu tipo, cito quem talvez seja o maior netofóbico da cidade de Volta Redonda: o blogueiro Sérgio Boechat.

Desatento aos seus claros sintomas, caí na besteira de tentar propor um diálogo crítico com um dos seus artigos, onde o mesmo convocou os eleitores a boicotarem aliados de Neto nas eleições de 2014, em nome da "moral, da transparência e da justiça". Como já alertava o diagnóstico da doença, recebi em troca uma lista de insultos, desqualificações e dois textos com linguagem rasa e rotuladora. Em um deles mereci as taxações de fisiológico, vendido, conformista e acomodado.

Não responderei na mesma altura. Não tenho a relação oposição x governo como sendo uma guerra fratricida entre inimigos mortais, mas sim lugares comuns de onde se estabelece uma genuína democracia. No artigo em que escrevi ( Para ler acesse: http://www.democracialuta.blogspot.com.br/2014/01/oposicionismo-vazio-sobre-o-artigo-de.html) não quis polarizar com suas opiniões sobre o governo municipal, quis problematizar sua decisão de querer “varrer” da cidade o atual bloco no poder, como se isso fosse possível. Mas como bom netofóbico que é, Boechat logo tomou minhas críticas como sendo uma defesa incondicional de Neto.

Por várias vezes estabeleci conversas sadias com Sérgio, absorvendo, inclusive, muitas de suas críticas. Sempre o tomei como um oposicionista sério, ainda que com excessos. Entristece-me saber que o desenvolvimento da netofobia o tenha castigado com profunda miopia política, a ponto de disparar fogo letal contra àqueles a quem ingenuamente lhe propõe um debate. Entristece-me saber que faz este, coro com as oposições fisiológicos do município, anencéfalas por natureza e politicamente carentes de projetos.

O discurso de Boechat só faz por reduzir a política de VR a uma disputa cega pelo poder. Pois de denuncismos vazios não nascem novas alternativas, antes desembocam em confrontos violentos e rasteiros. Quem se lembra de 2012 sabe do que estou falando. Sérgio Boechat só contribui com esta cultura. Ajuda a desprover a cidade do aço de novos recomeços. Definitivamente, é uma pena!

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Oposicionismo vazio: sobre o artigo de Sérgio Boechat



Por Adelson Vidal Alves


Sérgio Boechat é um dos mais ativos blogueiros de nossa cidade. Tenho por ele um apreço pessoal. Talentoso na escrita e bem informado em sua atividade política, é uma das vozes intelectualmente mais competentes da oposição ao governo Neto. Contudo, até mesmo os mais admiráveis cérebros podem ser traídos por seus excessos.

Em recente artigo em seu blog, Boechat deu largada a campanha eleitoral de 2014. Convocou a cidade de Volta Redonda a um boicote geral contra tudo e a todos que se aproximassem do governo Neto, a quem demonstra, sem qualquer rodeio, um ódio profundo. Sobrou para os deputados Deley de Oliveira, Gotardo Neto, Nelson Gonçalves e Edson Albertassi. Para os vereadores Washigton Granato e América Tereza, os sindicalistas Renato Soares e João Thomás. Na lista de Boechat sobram apenas Zoinho e Rogério Loureiro. Quem sabe uma dobradinha perfeita na visão do blogueiro?

Estranha-me que um analista de alto calibre recorra a uma avaliação tão simplista no processo de alianças políticas. Deveria ele saber muito bem que acordos eleitorais respeitam conjunturas, e que obedecem a critérios que na maioria das vezes não faz dos aliados cópias fiéis de quem se alia. Tratar como homogêneo um grupo de pessoas aliadas por pontos comuns, e não por essência, é um erro terrível.

Além do mais, Boechat chama de cúmplices todos àqueles que de alguma forma apoiam o governo. Cúmplices de que? Das manobras acusatórias em forma de bravatas do qual lançam mão setores da oposição? Ou do cenário delirante em que se mistifica um governo cruel e tirano pronto a esmagar a cidade do aço?

Fosse um democrata, Boechat entenderia que a normalidade dialética de uma refinada democracia como a nossa não tolera um trabalho articulado com fins de eliminação completa do adversário. Isso só é possível em golpes, não em regimes democráticos. Deveria entender que não se pode colocar todos no “mesmo saco’ como se o mundo real da política robotizasse aliados heterogêneos de um determinado bloco político.

O que esperamos de homens com a capacidade de debate como Boechat, são textos analiticamente mais rigorosos, com qualidade de abordagens minuciosas nos quarteirões do que é vida política. Esperamos menos ódio e mais razão, mais crítica e menos panfletos. Mais propostas e menos oposicionismo vazio.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Marina, você me representa

Por Adelson Vidal Alves

Marina Silva, seu nome é um dos mais comentados para este ano de 2014. Não era para menos. Você se tornou uma das maiores lideranças políticas do país. Carrega um capital de 20 milhões de votos, o carisma de uma mulher que se alfabetizou tardiamente e ainda sim conquistou um suado diploma universitário. Que liderou a luta de setores excluídos da sociedade, que batalhou e ainda batalha pelo meio ambiente, que investida de cargo público, sempre honrou seus compromissos com as populações mais sofridas. A frente do Ministério do Meio ambiente foi voz solitária dentro do governo Lula, que sempre preferiu o desenvolvimentismo irresponsável a uma agenda ambiental sustentável. Foi graças a você que o ritmo de desmatamento na Amazônia caiu 57%.  Mas um governo que se cerca de latifundiários, ruralistas e empreiteiros, não poderia suportá-la por muito tempo.

Marina, você foi corajosa ao tomar para si a responsabilidade de organizar um novo polo político, com ênfase na atualização da política e na sustentabilidade. A burocracia eleitoral, no entanto, ceifou o nascimento da #rede para estas eleições. A morosidade da Justiça no país impediu que a senhora representasse, ainda neste ano, milhões de pessoas que se identificam com a proposta de uma nova forma de fazer política.

Ainda sim, é possível que seu nome apareça nas urnas deste pleito, ao lado de Eduardo Campos, herdeiro de uma tradição democrática do socialismo. Por conta disso, és odiada. Sofrerás calúnias das mais covardes, articulada por quem teme sua história decente entre os círculos eleitorais. São os que governam o país há mais de uma década sem tocar no maior escândalo social de nossa história: a desigualdade.

O partido hegemônico aprontará sua militância contra ti. Sabemos que não se intimidará. Quem enfrentou capangas assassinos  em sua luta a favor dos menores, não temerá um partido que protege bandido e bolsifica a miséria para fins eleitorais.

Marina, o que esperamos de ti é a responsabilidade para com aqueles que têm em você um último suspiro de esperança por um Brasil melhor. Por isso, te afaste dos banqueiros inescrupulosos, dos ideólogos do livre mercado, dos oportunistas eleitoreiros. Tome em suas mãos um projeto de país, que nos amplie a soberania, que retire verdadeiramente os miseráveis para uma vida mais cidadã, que garanta a sobrevivência do planeta.

Esperamos de ti fidelidade a sua própria história. Coragem e coerência para enfrentar as adversidades. Em troca, lhe daremos o apoio que precisas para enfrentar quem há tantos anos trata nosso país como um quintal de orgia especulativa.

Marina, você me representa.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Conectados

Por Adelson Vidal Alves

Recentemente, o mundo foi abalado por uma série de revoltas populares. Primeiro na Tunísia, depois no Egito, Iêmen, Bahrein, Líbia, Síria, Islândia, EUA, Espanha, Grécia, Chile e Brasil. Em comum está o uso da internet como principal ferramenta de mobilização.

Há diferenças, é verdade. Partes destes movimentos se deram contra ditaduras históricas, enquanto outros eclodiam em democracias parlamentares com relativa estabilidade. A reação dos governos, obviamente, se deu por variadas formas. Em casos como Líbia e Síria, instalou-se uma guerra civil. Nos demais o uso da violência policial só fez por fazer crescer o movimento.

Estes novos movimentos não só não foram organizados por partidos e sindicatos, como estes eram frequentemente hostilizados nos protestos. A organização dos atos se dava de forma horizontal e sem lideranças. Por um lado isso dificulta a repressão e a cooptação, por outro, cria problemas na hora de fazer suas reivindicações virarem concretas. Na maioria dos casos se reivindicava tudo e ao mesmo tempo nada. Na Tunísia conseguiu-se alguns avanços democráticos, na Islândia uma nova Constituição foi criada com participação virtual das pessoas. No restante, contudo, pouca coisa mudou. Seria a prova de que tais movimentos são pouco produtivos no processo de transformação social?

O fato é que o espírito indignado que tomou às ruas de forma espontânea rejeita categoricamente o sistema político institucional. Motivo pelo qual nenhum partido ou organização coletiva saiu destes processos. Os manifestantes traziam individualmente suas revoltas, mas propostas e reivindicações não conseguiram encontrar caminhos de mediação para sua realização. A internet mostrou eficácia ao inflar a revolta das pessoas, deixar nu a repressão do Estado, utilizando-se de vídeos no youtube, rapidamente reproduzidos nas redes sociais. Todavia, não serve como instrumento de transição da revolta para a realidade.

Muitos dizem que as mudanças começam a acontecer na cultura e nas mentalidades. Pode ser. Mas é também preocupante que a frustração tome conta da sociedade na medida em que tanto sacrifício não consegue sequer dar passos de melhorias na vida política, social e econômica de um país.

A sociedade conectada em rede tem um enorme potencial. Haja vista a forma rápida com que a informação circula. Deve-se, no entanto, reavaliar se ela está pronta para reorganizar o mundo dispensando os organismos coletivos tradicionais. Parece-me que não. Mesmo as mais descentralizadas formas de mobilização virtual carregam riscos. Como o de não conseguir se tornar real, de não se transportar do ciberespaço para o mundo urbano. Além do mais, ela ainda não conseguiu chegar às classes mais baixas da pirâmide social. Os excluídos ficam, assim, órfãos de uma organização que lhe dê voz. Não é a toa que o perfil da maioria destes novos movimentos é composto de universitários, jovens com curso superior e a classe média emergente. Os pobres ainda não estão conectados.

Talvez, o melhor caminho seja combinar toda esta energia que emerge das redes, com processos de construção de consenso trabalhados no espaço da democracia política. Com isso, é possível reinventar os órgãos de representação, fazendo-os mais democráticos, ao mesmo tempo em que viabilizará avanços reais nas demandas da sociedade. É preciso, assim, tomar a democracia institucional como lugar de resolução dos conflitos e construção de sínteses civilizatórias. Ignorá-la, como sendo esta, fonte de interesses exclusivos das classes dominantes é um erro estratégico no qual poderemos pagar caro no futuro.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Sociedade de Consumo

Por Adelson Vidal Alves



A maior mentira do novo marketing capitalista é: as empresas trabalham pela total satisfação dos seus clientes. Ora, a plena satisfação dos compradores seria o fim da sociedade de consumo. Esta precisa de constante descontentamento para que mantenha sustentável seus padrões de produção e venda.

A sociedade de consumo se caracteriza pela rápida movimentação de troca de mercadorias dos seus usuários. A vida útil de um produto já não se mede por sua capacidade de atender as necessidades pelo qual foi criado, mas sim pelos ditames do consumismo. Um celular pode te garantir operar e receber ligações, mas só te credenciará a ser um cidadão na sociedade de consumo, se seu modelo estiver em plena concordância com a moda consumista.

O resultado é que o descarte constante das mercadorias produz lixo o tempo todo. Na sociedade de consumo não há tempo para consertos ou reciclagem, o que não serve aos padrões, deve ser imediatamente descartado.

Como a sociedade de consumo atinge todas as classes sociais, a vida se torna mais cara e impiedosa com os grupos de baixo, interessados na cidadania consumista. Se em outros tempos os sonhos estavam no futuro, financiados por longos anos de caderneta de poupança, hoje o que vale é o “aqui e agora”, de modo que os rendimentos pessoais precisam ser esticados em forma de cartões de crédito e financiamento.

O mais triste é que ao ingressar na sociedade de consumo, os próprios consumidores se tornam mercadorias. Ao aceitarem as regras de consumir conforme sua dinâmica, os compradores passam a trabalhar pela sua própria auto-valorização. Quem não se lembra do bizarro Rei do Camarote, sucesso na internet? Ele afirmava a necessidade de agregar valor a si mesmo, ou seja, se valorizar mais no mercado.

Ser vendável é a meta dos participantes da sociedade de consumo. E o ambiente de venda ultrapassa a vida real, chegando às redes sociais, onde fotos de um simples passeio de férias viram aglutinadoras de valor no amplo mercado da sociedade de consumo.

Ao negarmos participar dela, podemos estar nos condenando ao inferno do anonimato. Mas ao ingressarmos, estaremos engrossando as estatísticas de seres humanos infelizes, escravos do desespero consumista e reféns de lógicas alheias à sua própria vontade. De qualquer forma,  a sociedade do consumo fez de nossos dias, tempos mais tristes.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O mal que Stalin fez (e ainda faz)



Por Adelson Vidal Alves


Em 1926, o dirigente Comunista Italiano, Antônio Gramsci, enviou carta ao Comitê Central do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), expondo suas preocupações com os violentos debates internos em que se encontrava o partido. Na época, uma maioria tendo a frente Stalin e Bukharin, defendia a transição gradual ao socialismo, sustentada sob o consenso da maioria camponesa no país, sob égide da NEP. No entanto, uma minoria liderada por Zinoviev e Trotsky, advogava uma acumulação de tipo socialista, imediatamente, usando-se de coletivização forçada da produção, como já havia acontecido nos tempos do comunismo de guerra. Por conta disso escreve Gramsci na carta: “Todos os problemas inerentes à hegemonia do proletariado se apresenta entre nós, certamente, sob uma forma mais complexa e aguda que na própria Rússia (...) já que os camponeses possuem uma riquíssima tradição de organização (...). O proletariado poderá desenvolver sua função tão somente se possuir um rico espírito de sacrifício e se for capaz de se libertar completamente de todo resíduo de corporativismo reformista ou sindicalista” [1].

Gramsci toma, assim, lado da maioria na discussão da consolidação do poder socialista na Rússia, apostando na construção de consenso como forma de triunfo revolucionário. Contudo, o autor da epístola alerta para o risco do debate exceder a prática de uma discussão saudável e chegar a níveis altos de hostilidade. Ele usa o termo Stravittória para definir o momento em que companheiros partidários abandonam perspectivas dialéticas e fazem das divergências motivos para se esmagar o adversário no debate. Infelizmente, Gramsci estava certo. Pouco tempo depois, Stalin vence as disputas internas e coloca em prática a eliminação física de seus adversários, que ganhou notoriedade nos famosos Processos de Moscou da década de 1930.

A vitória de Stalin demonstrou, ainda, que não era ele o principal defensor do caminho gradual ao socialismo. Ele veio, dois anos depois, a abandonar a NEP, aprofundando a proposta da minoria e aplicando cruelmente a coletivização forçada da produção. O custo das posições de Stalin chega a mais de 10 milhões de vidas camponesas, exterminadas nos Gulags (campos de concentração).

O período Stalinista (1927-1953), vai se caracterizar por um governo de terror, ainda que não totalitário. Teremos nesse tempo a difusão de uma cultura perversamente autoritária nos círculos do partido, e Stalin irá comandar uma ditadura personalista, insana e violenta.

Historiadores tratam Stalin como um homem “cauteloso, inseguro, cruel, noturno e infinitamente desconfiado” [2]. Seu perfil vai lhe render posturas delirantes e brutais. Teoricamente medíocre, era incapaz de persuadir e edificar um discurso capaz de fazer valer suas teses. Manteve-se no poder aplicando uma política de terror, dizimando seus adversários, e pronto a por fim a quem, por pura paranóia, considerava um conspirador. Para se ter uma idéia, no 17º Congresso do PCUS, entre 1934 e 1939, patrocinou mais de 4 milhões de prisões políticas e  centenas de mortes. No 18º Congresso, participaram apenas 37 delegados do congresso anterior [3]. O que mostra o desajuste egocêntrico e psicopata da figura de Stálin.

O governo de terror stalinista não só produziram mortes, perseguições e cultos a personalidade, como afundou o país em fome e escassez de alimentos, tudo por conta de suas ambições industrializantes, que jogou nas costas dos russos o alto preço para tornar seu país uma potência mundial. O stalinismo, ainda, influenciou vários partidos e regimes comunistas em todo mundo, sempre forçando a criação de governos unipartidários, quando não pela aceitação, pelo uso da força.

A morte de Stalin e a consequente denúncia de seus crimes, no 20º do PCUS em 1956, trouxeram ao mundo um clima de perplexidade, assim como uma crise no interior do movimento comunista. Muitos PCs optaram por se negar a fazer autocrítica, acusando de revisionismo a quem o fizesse. Outros se modernizaram, acolheram a democracia, mas também sofreram na pele o desgaste gradual que a palavra “comunismo” ia sofrendo.

É estranho que, ainda hoje, perseverem partidos e organizações de caráter ou simpatia stalinista. É incompreensível que um tirano sanguinário ainda permaneça como referência a muitas organizações que dizem lutar por um mundo melhor. Toda a mitificação em torno do homem que fez um país atrasado virar potência, e que colocou o “socialismo” como realidade mundial, mesmo a custa de sangue derramado, continua vencendo a autocrítica que exige a dialética marxista. Mesmo em nossos tempos,  ainda vemos comunistas idolatrarem Stálin como um mártir injustiçado pela “história burguesa”. O resultado é que estes permanecem dentro de seitas, rezando o credo ortodoxo que veio a se chamar “marxismo-leninismo”, um pseudônimo trágico dado a doutrina de farsas e manipulações em que caracterizou o stalinismo. Sorte que o processo civilizatório fez surgir forças progressistas capazes de pensar um novo mundo, construído pela via exclusiva da democracia.

Notas:

[1] Gramsci “Al comitato centrale del partido comunista sociviético”  in CPC, p. 132.

[2] Hobsbawn, Eric. Era dos extremos: o breve século XX, São Paulo, Companhia das Letras, 1994, p.379

[3] idem, p.381