Por Adelson Vidal Alves
Em 1926, o dirigente Comunista Italiano, Antônio Gramsci, enviou carta ao Comitê Central do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), expondo suas preocupações com os violentos debates internos em que se encontrava o partido. Na época, uma maioria tendo a frente Stalin e Bukharin, defendia a transição gradual ao socialismo, sustentada sob o consenso da maioria camponesa no país, sob égide da NEP. No entanto, uma minoria liderada por Zinoviev e Trotsky, advogava uma acumulação de tipo socialista, imediatamente, usando-se de coletivização forçada da produção, como já havia acontecido nos tempos do comunismo de guerra. Por conta disso escreve Gramsci na carta: “Todos os problemas inerentes à hegemonia do proletariado se apresenta entre nós, certamente, sob uma forma mais complexa e aguda que na própria Rússia (...) já que os camponeses possuem uma riquíssima tradição de organização (...). O proletariado poderá desenvolver sua função tão somente se possuir um rico espírito de sacrifício e se for capaz de se libertar completamente de todo resíduo de corporativismo reformista ou sindicalista” [1].
Gramsci toma, assim, lado da
maioria na discussão da consolidação do poder socialista na Rússia, apostando
na construção de consenso como forma de triunfo revolucionário. Contudo, o
autor da epístola alerta para o risco do debate exceder a prática de uma
discussão saudável e chegar a níveis altos de hostilidade. Ele usa o termo Stravittória para definir o momento em
que companheiros partidários abandonam perspectivas dialéticas e fazem das
divergências motivos para se esmagar o adversário no debate. Infelizmente,
Gramsci estava certo. Pouco tempo depois, Stalin vence as disputas internas e coloca
em prática a eliminação física de seus adversários, que ganhou notoriedade nos
famosos Processos de Moscou da década de 1930.
A vitória de Stalin demonstrou,
ainda, que não era ele o principal defensor do caminho gradual ao socialismo.
Ele veio, dois anos depois, a abandonar a NEP, aprofundando a proposta da
minoria e aplicando cruelmente a coletivização forçada da produção. O custo das
posições de Stalin chega a mais de 10 milhões de vidas camponesas, exterminadas
nos Gulags (campos de concentração).
O período Stalinista (1927-1953),
vai se caracterizar por um governo de terror, ainda que não totalitário. Teremos
nesse tempo a difusão de uma cultura perversamente autoritária nos círculos do
partido, e Stalin irá comandar uma ditadura personalista, insana e violenta.
Historiadores tratam Stalin
como um homem “cauteloso, inseguro,
cruel, noturno e infinitamente desconfiado” [2]. Seu perfil vai lhe render
posturas delirantes e brutais. Teoricamente medíocre, era incapaz de persuadir
e edificar um discurso capaz de fazer valer suas teses. Manteve-se no poder
aplicando uma política de terror, dizimando seus adversários, e pronto a por
fim a quem, por pura paranóia, considerava um conspirador. Para se ter uma
idéia, no 17º Congresso do PCUS, entre 1934 e 1939, patrocinou mais de 4
milhões de prisões políticas e centenas
de mortes. No 18º Congresso, participaram apenas 37 delegados do congresso
anterior [3]. O que mostra o desajuste egocêntrico e psicopata da figura de
Stálin.
O governo de terror stalinista
não só produziram mortes, perseguições e cultos a personalidade, como afundou o
país em fome e escassez de alimentos, tudo por conta de suas ambições
industrializantes, que jogou nas costas dos russos o alto preço para tornar seu
país uma potência mundial. O stalinismo, ainda, influenciou vários partidos e
regimes comunistas em todo mundo, sempre forçando a criação de governos
unipartidários, quando não pela aceitação, pelo uso da força.
A morte de Stalin e a consequente
denúncia de seus crimes, no 20º do PCUS em 1956, trouxeram ao mundo um clima de
perplexidade, assim como uma crise no interior do movimento comunista. Muitos
PCs optaram por se negar a fazer autocrítica, acusando de revisionismo a quem o
fizesse. Outros se modernizaram, acolheram a democracia, mas também sofreram na
pele o desgaste gradual que a palavra “comunismo” ia sofrendo.
É estranho que, ainda hoje,
perseverem partidos e organizações de caráter ou simpatia stalinista. É
incompreensível que um tirano sanguinário ainda permaneça como referência a
muitas organizações que dizem lutar por um mundo melhor. Toda a mitificação em
torno do homem que fez um país atrasado virar potência, e que colocou o “socialismo”
como realidade mundial, mesmo a custa de sangue derramado, continua vencendo a
autocrítica que exige a dialética marxista. Mesmo em nossos tempos, ainda vemos comunistas idolatrarem Stálin como
um mártir injustiçado pela “história burguesa”. O resultado é que estes
permanecem dentro de seitas, rezando o credo ortodoxo que veio a se chamar “marxismo-leninismo”,
um pseudônimo trágico dado a doutrina de farsas e manipulações em que caracterizou
o stalinismo. Sorte que o processo civilizatório fez surgir forças
progressistas capazes de pensar um novo mundo, construído pela via exclusiva da
democracia.
Notas:
[1] Gramsci “Al comitato
centrale del partido comunista sociviético” in CPC, p. 132.
[2] Hobsbawn, Eric. Era dos extremos: o breve século XX, São
Paulo, Companhia das Letras, 1994, p.379
[3] idem, p.381
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