sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O mal que Stalin fez (e ainda faz)



Por Adelson Vidal Alves


Em 1926, o dirigente Comunista Italiano, Antônio Gramsci, enviou carta ao Comitê Central do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), expondo suas preocupações com os violentos debates internos em que se encontrava o partido. Na época, uma maioria tendo a frente Stalin e Bukharin, defendia a transição gradual ao socialismo, sustentada sob o consenso da maioria camponesa no país, sob égide da NEP. No entanto, uma minoria liderada por Zinoviev e Trotsky, advogava uma acumulação de tipo socialista, imediatamente, usando-se de coletivização forçada da produção, como já havia acontecido nos tempos do comunismo de guerra. Por conta disso escreve Gramsci na carta: “Todos os problemas inerentes à hegemonia do proletariado se apresenta entre nós, certamente, sob uma forma mais complexa e aguda que na própria Rússia (...) já que os camponeses possuem uma riquíssima tradição de organização (...). O proletariado poderá desenvolver sua função tão somente se possuir um rico espírito de sacrifício e se for capaz de se libertar completamente de todo resíduo de corporativismo reformista ou sindicalista” [1].

Gramsci toma, assim, lado da maioria na discussão da consolidação do poder socialista na Rússia, apostando na construção de consenso como forma de triunfo revolucionário. Contudo, o autor da epístola alerta para o risco do debate exceder a prática de uma discussão saudável e chegar a níveis altos de hostilidade. Ele usa o termo Stravittória para definir o momento em que companheiros partidários abandonam perspectivas dialéticas e fazem das divergências motivos para se esmagar o adversário no debate. Infelizmente, Gramsci estava certo. Pouco tempo depois, Stalin vence as disputas internas e coloca em prática a eliminação física de seus adversários, que ganhou notoriedade nos famosos Processos de Moscou da década de 1930.

A vitória de Stalin demonstrou, ainda, que não era ele o principal defensor do caminho gradual ao socialismo. Ele veio, dois anos depois, a abandonar a NEP, aprofundando a proposta da minoria e aplicando cruelmente a coletivização forçada da produção. O custo das posições de Stalin chega a mais de 10 milhões de vidas camponesas, exterminadas nos Gulags (campos de concentração).

O período Stalinista (1927-1953), vai se caracterizar por um governo de terror, ainda que não totalitário. Teremos nesse tempo a difusão de uma cultura perversamente autoritária nos círculos do partido, e Stalin irá comandar uma ditadura personalista, insana e violenta.

Historiadores tratam Stalin como um homem “cauteloso, inseguro, cruel, noturno e infinitamente desconfiado” [2]. Seu perfil vai lhe render posturas delirantes e brutais. Teoricamente medíocre, era incapaz de persuadir e edificar um discurso capaz de fazer valer suas teses. Manteve-se no poder aplicando uma política de terror, dizimando seus adversários, e pronto a por fim a quem, por pura paranóia, considerava um conspirador. Para se ter uma idéia, no 17º Congresso do PCUS, entre 1934 e 1939, patrocinou mais de 4 milhões de prisões políticas e  centenas de mortes. No 18º Congresso, participaram apenas 37 delegados do congresso anterior [3]. O que mostra o desajuste egocêntrico e psicopata da figura de Stálin.

O governo de terror stalinista não só produziram mortes, perseguições e cultos a personalidade, como afundou o país em fome e escassez de alimentos, tudo por conta de suas ambições industrializantes, que jogou nas costas dos russos o alto preço para tornar seu país uma potência mundial. O stalinismo, ainda, influenciou vários partidos e regimes comunistas em todo mundo, sempre forçando a criação de governos unipartidários, quando não pela aceitação, pelo uso da força.

A morte de Stalin e a consequente denúncia de seus crimes, no 20º do PCUS em 1956, trouxeram ao mundo um clima de perplexidade, assim como uma crise no interior do movimento comunista. Muitos PCs optaram por se negar a fazer autocrítica, acusando de revisionismo a quem o fizesse. Outros se modernizaram, acolheram a democracia, mas também sofreram na pele o desgaste gradual que a palavra “comunismo” ia sofrendo.

É estranho que, ainda hoje, perseverem partidos e organizações de caráter ou simpatia stalinista. É incompreensível que um tirano sanguinário ainda permaneça como referência a muitas organizações que dizem lutar por um mundo melhor. Toda a mitificação em torno do homem que fez um país atrasado virar potência, e que colocou o “socialismo” como realidade mundial, mesmo a custa de sangue derramado, continua vencendo a autocrítica que exige a dialética marxista. Mesmo em nossos tempos,  ainda vemos comunistas idolatrarem Stálin como um mártir injustiçado pela “história burguesa”. O resultado é que estes permanecem dentro de seitas, rezando o credo ortodoxo que veio a se chamar “marxismo-leninismo”, um pseudônimo trágico dado a doutrina de farsas e manipulações em que caracterizou o stalinismo. Sorte que o processo civilizatório fez surgir forças progressistas capazes de pensar um novo mundo, construído pela via exclusiva da democracia.

Notas:

[1] Gramsci “Al comitato centrale del partido comunista sociviético”  in CPC, p. 132.

[2] Hobsbawn, Eric. Era dos extremos: o breve século XX, São Paulo, Companhia das Letras, 1994, p.379

[3] idem, p.381

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