Meu encontro com a esquerda se
deu com impulso da igreja, chegando a um partido que tem o que há de mais
ortodoxo na linha ideológica do comunismo. Fiquei 7 anos na legenda que toma as
guerrilhas como exemplos hodiernos, olha Stálin com simpatia, e em outros
tempos, sem fazer críticas nos dias atuais, acolheu o maoismo como força de
resistência à ditadura e tomou a Albânia como farol revolucionário.
Só depois de ler autores como Gramsci,
Adorno, Walter Benjamin e outros, de inclinação marxista heterodoxa, que
consegui aos poucos me livrar do pensamento esquemático que me acompanhou
durante parte da juventude. Os brasileiros Carlos Nelson Coutinho, Leandro
Konder, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira também me ajudaram a
pular do barco dogmático das leituras “marxistas-leninistas” e valorizar um
marxismo democrático e aberto a diálogos e renovações, sem medos do “revisionismo”.
Passei com simpatia pelo eurocomunismo,
corrente marxista forte na Europa na década de 70, sobretudo no PCI (Partido
Comunista Italiano) que ofereceu à história uma bela experiência de tentativa
de construção do socialismo pelo caminho institucional. Se fracassou, agradeça,
entre outros fatores, à ação extremista de parte da esquerda italiana, que
atentou contra a vida de pessoas e o Estado de direito, num momento em que o
comunismo italiano do PCI ganhava força eleitoral e de governo.
Nos tempos pós-URSS, o
comunismo enfrentou e ainda enfrenta profunda crise. Os ortodoxos permanecem
refratários a mudanças em seu comportamento, negando o valor universal da
democracia e denunciando o caráter burguês das instituições que sustentam o atual
modelo estatal, que só sobreviveu pela ação dos trabalhadores, sempre contra a
vontade da burguesia. Por não gozarem de apoio popular e sem condições de fazer
avançar a “guerra de movimento” em estruturas “ocidentais”, vivem por
testemunhar sua pureza revolucionária, sem influenciar na disputa viva pela
hegemonia no mundo moderno.
Outra parte dos comunistas
apostou numa reflexão ampla sobre os anos soviéticos, e resolveram tomar a democracia
como instrumento inegociável para avanços civilizatórios no mundo moderno. Muitos
deles ainda apostam nas teses clássicas do marxismo, mas as enriqueceram com a
teoria do Estado democrático de direito, e esperam uma transição pacífica para
o socialismo. O PPS no Brasil e o PD na Itália são exemplos de partidos que
assumiram a posição de superar a experiência do leste europeu, e firmaram compromissos
com a defesa do pluralismo e da democracia, assim como a estratégia de reunir
forças para caminhos reformistas na estrutura da sociedade democrática.
Nos nossos dias, penso eu, que
a teleologia tão usada pelo comunismo histórico e pela esquerda tradicional
encontra-se em crise. O ultimato “Socialismo ou barbárie” já não soa atual. A
iniciativa de denominar sonhos, de exigir modelos pré-estabelecidos para uma
espécie de “paraíso terrestre” não combina com o volume de atores sociais e
políticos que a democracia nos abriu, e ao contrário do que o próprio Marx
imaginava, respondem por uma realidade complexa, de classes sociais
intermediárias, conflitos para além da simples esfera econômica e formas
consensuais de resolvê-los.
O sonho de uma sociedade justa
e livre já não atende apenas pelos nomes de “socialismo” ou “comunismo”.
Socialistas e comunistas podem sim contribuir para a construção de uma nova
ordem social, mas só contribuirão de fato caso já tenham incorporado a
democracia como conquista de civilização, acima dos interesses egoístas de
classe.
No momento que vivemos, todas
as ideologias autoritárias (de direita ou de esquerda) devem ser rechaçadas. A
exigência é que aceitemos formular alternativas pela via democrática e
institucional, criando novos consensos que respeitem os interesses múltiplos de
uma sociedade em conflitos. Conflitos que tem na política o caminho para sua
solução, e não em assaltos ao Estado ou violência de qualquer natureza. O que
nos exige o tempo atual é o caminho gradual e pacífico para uma nova ordem
social, que não necessariamente caiba em algum “ismo”, mas que tenha dentro
dela o respeito pelo ser humano, a justiça social e os valores democráticos.
Neste aspecto, não precisamos ser comunistas, precisamos ser democratas.
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