segunda-feira, 5 de maio de 2014

Não precisamos ser comunistas, precisamos ser democratas

Por Adelson Vidal Alves

Meu encontro com a esquerda se deu com impulso da igreja, chegando a um partido que tem o que há de mais ortodoxo na linha ideológica do comunismo. Fiquei 7 anos na legenda que toma as guerrilhas como exemplos hodiernos, olha Stálin com simpatia, e em outros tempos, sem fazer críticas nos dias atuais, acolheu o maoismo como força de resistência à ditadura e tomou a Albânia como farol revolucionário.

Só depois de ler autores como Gramsci, Adorno, Walter Benjamin e outros, de inclinação marxista heterodoxa, que consegui aos poucos me livrar do pensamento esquemático que me acompanhou durante parte da juventude. Os brasileiros Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira também me ajudaram a pular do barco dogmático das leituras “marxistas-leninistas” e valorizar um marxismo democrático e aberto a diálogos e renovações, sem medos do “revisionismo”.

Passei com simpatia pelo eurocomunismo, corrente marxista forte na Europa na década de 70, sobretudo no PCI (Partido Comunista Italiano) que ofereceu à história uma bela experiência de tentativa de construção do socialismo pelo caminho institucional. Se fracassou, agradeça, entre outros fatores, à ação extremista de parte da esquerda italiana, que atentou contra a vida de pessoas e o Estado de direito, num momento em que o comunismo italiano do PCI ganhava força eleitoral e de governo.  

Nos tempos pós-URSS, o comunismo enfrentou e ainda enfrenta profunda crise. Os ortodoxos permanecem refratários a mudanças em seu comportamento, negando o valor universal da democracia e denunciando o caráter burguês das instituições que sustentam o atual modelo estatal, que só sobreviveu pela ação dos trabalhadores, sempre contra a vontade da burguesia. Por não gozarem de apoio popular e sem condições de fazer avançar a “guerra de movimento” em estruturas “ocidentais”, vivem por testemunhar sua pureza revolucionária, sem influenciar na disputa viva pela hegemonia no mundo moderno.

Outra parte dos comunistas apostou numa reflexão ampla sobre os anos soviéticos, e resolveram tomar a democracia como instrumento inegociável para avanços civilizatórios no mundo moderno. Muitos deles ainda apostam nas teses clássicas do marxismo, mas as enriqueceram com a teoria do Estado democrático de direito, e esperam uma transição pacífica para o socialismo. O PPS no Brasil e o PD na Itália são exemplos de partidos que assumiram a posição de superar a experiência do leste europeu, e firmaram compromissos com a defesa do pluralismo e da democracia, assim como a estratégia de reunir forças para caminhos reformistas na estrutura da sociedade democrática.

Nos nossos dias, penso eu, que a teleologia tão usada pelo comunismo histórico e pela esquerda tradicional encontra-se em crise. O ultimato “Socialismo ou barbárie” já não soa atual. A iniciativa de denominar sonhos, de exigir modelos pré-estabelecidos para uma espécie de “paraíso terrestre” não combina com o volume de atores sociais e políticos que a democracia nos abriu, e ao contrário do que o próprio Marx imaginava, respondem por uma realidade complexa, de classes sociais intermediárias, conflitos para além da simples esfera econômica e formas consensuais de resolvê-los.

O sonho de uma sociedade justa e livre já não atende apenas pelos nomes de “socialismo” ou “comunismo”. Socialistas e comunistas podem sim contribuir para a construção de uma nova ordem social, mas só contribuirão de fato caso já tenham incorporado a democracia como conquista de civilização, acima dos interesses egoístas de classe.

No momento que vivemos, todas as ideologias autoritárias (de direita ou de esquerda) devem ser rechaçadas. A exigência é que aceitemos formular alternativas pela via democrática e institucional, criando novos consensos que respeitem os interesses múltiplos de uma sociedade em conflitos. Conflitos que tem na política o caminho para sua solução, e não em assaltos ao Estado ou violência de qualquer natureza. O que nos exige o tempo atual é o caminho gradual e pacífico para uma nova ordem social, que não necessariamente caiba em algum “ismo”, mas que tenha dentro dela o respeito pelo ser humano, a justiça social e os valores democráticos. Neste aspecto, não precisamos ser comunistas, precisamos ser democratas.

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