quinta-feira, 29 de maio de 2014

Um possível futuro para o comunismo

Por Adelson Vidal Alves


O comunismo brasileiro foi gerado muito mais pelo impacto da revolução russa do que pela influência das ideias de Marx. Sem um partido socialista, que criasse uma dissidência, os fundadores do PC brasileiro saíram do seio anarquista, mesmo assim nos legando preciosos cérebros militantes, para cultura e para os desafios que nos trazia a industrialização brasileira.

Mas hoje, pouco mais de duas décadas do desaparecimento do PCB, convertido em PPS e ampliado ideologicamente pelo valor civilizatório da democracia política, preserva-se entre nós o vocabulário anacrônico que guiou as fracassadas e exitosas aventuras bolcheviques do início século XX. Estranha nos, ainda, que convivamos com a proclamação do caráter puramente burguês da democracia, da concepção de Estado como mero “comitê executivo das classes dominantes” e da ansiosa expectativa para o triunfo da “ditadura do proletariado”.

A ocidentalização de nossa sociedade, visivelmente, não comporta tais discursos sem isolá-los a grupos ultra-minoritários, porém, persistentes, convictos que estão ao lado do “verdadeiro marxismo”, contra o “revisionismo” dos reformistas traidores da esquerda.

Desde a Declaração de Março de 1958, documento que reconciliou socialismo e democracia, que as disputas internas do comunismo tupiniquim trazem prejuízos e atrasos para a construção de uma esquerda genuinamente democrática. O “marxismo-leninismo” em sua versão dogmática e até stalinista, ainda nos oferece cenários e interpretações bisonhas sobre o futuro do Brasil, que como nas previsões do “profeta Marx”, assim como todo o mundo, teria o comunismo como ruptura da pré-história.

O esforço, na opinião deste autor, não deveria ser apenas de convencer os comunistas a uma incorporação de corpo e alma à democracia política ( não como um caminho “para” o socialismo, mas um caminho “do” socialismo, como alertou um dos últimos documentos do saudoso Partido Comunista Italiano), mas, principalmente, de abandonar perspectivas teleológicas, como a que prevê a inevitabilidade do socialismo.

O socialismo passaria a ser referência ética para uma nova humanidade, forma de regulação para um modo de produção que atenda a radicalização da democracia, do fim das grandes desigualdades, da elevação cultural dos povos para o autogoverno. Tudo, é claro, sem necessariamente responder pelos “ismos” dogmáticos, sem precisar representar fielmente a utopia original. A sociedade a ser perseguida não responderia por projetos finalísticos, mas pela convicção inabalável que o futuro superior das sociedades se dará por caminhos de convivências cívicas, sem a esperança inegociável de um paraíso detalhadamente profetizado.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

O que aconteceu com Safatle? O que esperar do PSOL?

Por Adelson Vidal Alves



Vladimir Safatle é um intelectual honesto, talentoso na escrita e nas articulações. Pertence, sem dúvida, ao campo da esquerda, mas uma esquerda com dificuldades em responder com vigor os desafios do mundo contemporâneo. O filósofo Safatle olha a atual institucionalidade democrática com reservas, lhe põe adjetivos de classe e invoca “uma nova democracia”, que dê preferências a participação direta, o que, inevitavelmente, incentiva assembleísmos.

Recentemente, o professor da USP se arriscou na vida política. Em 2012 coordenou o setor cultural da campanha do petista Fernando Haddad e esperava ser nomeado Secretário de Cultura do município de São Paulo. Quando o eleito Haddad chamou Juca Ferreira, sentiu-se traído, e desiludido afastou-se do governo, filiando-se ao PSOL.

No novo partido, Safatle acertou sua candidatura ao governo de São Paulo. Estava tudo certo, até que nos últimos dias foi revelado um desastrado desentendimento que encerrou, antes de começar, a aventura eleitoral do filósofo. Pelo que tudo indica, as divergências se deram no caixa do partido, não na ideologia. O campo majoritário do PSOL e o então pré-candidato não se entenderam quanto a viabilidade financeira de sua candidatura. Por fim, o jornalista Gilberto Maringoni assumiu a candidatura, e o pequeno partido expos em alto volume o seu racha interno.

Vai demorar até que tenhamos certeza quem de fato tem razão neste bizarro fim da candidatura Safatle. Se é que alguém tem razão ou culpa. Fato, porém, é a fragilidade programática que o PSOL apresenta à esquerda e ao país. O modelo partidário de tendências divide burocratas, parlamentares, intelectuais e correntes ultra-esquerdistas. Em alguns lugares aceita financiamentos da burguesia, e em outros se recusa a compor com seus pares da extrema-esquerda por divergências mínimas. Às vezes é movimentista, às vezes é eleitoreiro, às vezes fala com dureza contra o governo Dilma, às vezes relativiza sua oposição, temendo a volta “da direita tucana ao poder”.

Tendo saído das entranhas do PT, o PSOL guarda o sectarismo dos primeiros anos petistas, e se descuida quanto aos erros históricos que marcaram o início da vida do atual partido dirigente do poder central. Sem contar com a base social que tinha seu renegado pai, e com imensas dificuldades de ingressar com vocação de governo em nossa moderna democracia, o PSOL mantém-se nanico, falando a grupos sociais médios, da cultura e do serviço público. Incapaz de vencer seus anacronismos ideológicos, oscila entre um puritanismo ingênuo e o oportunismo de seu grupo majoritário.

No que diz respeito ao papel de modernizarmos democraticamente a esquerda, o PSOL parece ter pouco a contribuir. Se não se atualizar, seguirá como um núcleo para testemunhos revolucionários. Nada mais que isso.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Emir Sader: o triste fim de um intelectual chapa-branca

Por Adelson Vidal Alves

Emir Sader nunca ocupou o campo do que poderíamos chamar de esquerda democrática. Também não havia, até então, motivos para duvidarmos de seu “sentimento revolucionário”. Mesmo quando defendia Cuba e os governos autoritários de esquerda, soava-me que, como outros intelectuais de esquerda da época, estaria tratando a democracia de forma instrumental, um caminho para a “ditadura do proletariado”, a ser descartada assim quando o poder proletário triunfasse.

O Emir dos dias de hoje é bem pior. Desde a vitória de Lula, em 2002, o sociólogo resolveu se divorciar da produção acadêmica para investir na carreira de ideólogo petista, guru de redes sociais e fabricante de teses mirabolantes pró-governo.

Sader tem um sonho: ocupar um cargo no governo federal. Quase conseguiu. Estava prestes a assumir a Casa de Rui Barbosa, quando em entrevista chamou a então Ministra da Cultura, Ana de Holanda, de autista. Sequer chegou a ser nomeado.

Em seus artigos de opinião, postados em seu blog, hospedado no site governista Agência Carta Maior, tenta difundir um Brasil dividido entre as forças do progresso (o governo) e as forças do atraso (a oposição, que trata como sendo de direita, sem distinções). Na internet é um cão bravo governista, cheio de ódio, sedento por sangue oposicionista. Emir distribui, ainda, calúnias contra adversários do governo, taxa de racista, burguês e neoliberal todos aqueles que ousam pensar criticamente o atual momento do país.

A produção acadêmica de Emir Sader também retrocedeu. Suas últimas obras, “A Vingança da história”, “A nova toupeira” e a organização dos artigos sobre os 10 anos de governos petistas (que ele chama de pós-neoliberais) não são mais que teorias encomendadas, com conteúdo crítico precário e escrita trivial. Nada que esteja a altura do papel do intelectual numa sociedade democrática.

O mais trágico, porém, aconteceu recentemente. Quando sem-tetos, organizados pelo MTST, marchavam em direção ao Itaquerão, denunciando os gastos públicos com a Copa, Emir vibrou ao ver que torcedores organizados da Gaviões da Fiel enfrentaram os manifestantes. Pelo twitter bradou: “De novo a Gaviões da Fiel enxotou os vira-latas” “Agora esses vira-latas já sabem: vai ser assim também dia 12”. Os vira-latas a que se refere Sader eram pessoas pobres, sem um teto para repousarem, lutando por seus direitos. Emir ficou do lado das empreiteiras que lucram bilhões com as obras da Copa do mundo, contra os desabrigados de seu país. Pior, incentivou o ódio e a violência. Para o sociólogo, todos que se posicionem contra as obras faraônicas da FIFA, pagas pelos tributos brasileiros, são vira-latas, abutres, urubus ou coisas assim que compõem o vocabulário do intelectual chapa branca. Devem todos ser enxotados.

Emir Sader não chegou a ser um pensador indispensável para o Brasil, mas tinha tudo para se qualificar como um intelectual bem mais respeitado do que o homem medíocre que se tornou. Hoje não passa de um guru do neo-petismo, ao lado de Marilena Chauí que,  com bem menos vexame, vem descendo degraus na vida intelectual. Os dois supostos maiores cérebros do PT de hoje combinam no ódio que mantém: o primeiro contra os sem-teto e a segunda contra a classe média.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Porque temem tanto a Tribuna Livre?

Por Adelson Vidal Alves

O Parlamento moderno é fruto de lutas insistentes das classes trabalhadoras, não é, como dizem alguns, instância burguesa. Pelo contrário, trata-se de espaço privilegiado para resolução cívica dos conflitos atuais, e também para criação de consensos sempre renováveis. É verdade, porém, que serve às vezes como instrumento de retrocessos, de desmonte de direitos, e uso exclusivamente pessoal. Motivo pelo qual deve ser sempre vigiado pela sociedade e aberto a pressões populares.

O Projeto de resolução da Tribuna Livre, de autoria do vereador petista Jari, visa abrir a tribuna parlamentar de Volta Redonda para intervenção popular. Claro, obedecendo a critérios pré-estabelecidos e em plena harmonia com o regimento e cultura da casa. Caso aprovado, servirá como salto significativo para o aprofundamento da democracia legislativa, assim como iniciativa louvável de fortalecimento da democracia direta”

Infelizmente, segundo conta Jornal da região, a maioria dos parlamentares não se simpatiza com o projeto. Dois deles, ainda segundo o semanário, teriam chegado ao absurdo de dizer que “Quem quer usar a tribuna que ganhe a eleição de vereador”. Merecem zero em matéria de democracia. Desconsideram o necessário diálogo entre o legislativo e o povo.

Mas afinal, porque temem tanto a Tribuna Livre? Seria pelo fato do projeto em si conter convocação diária para o comparecimento popular na casa antes pouco frequentada pelos cidadãos que a financiam? Ou seria o medo de que se cesse o silencio que atualmente é imposto aos eleitores, chamados a falar apenas de 4 em 4 anos?

Porque temem tanto o povo? Porque temem a democratização da Câmara dos vereadores? Porque temem ouvir a população em projetos que interessam diretamente a elas? Estariam temendo a perda da tutela política, sendo obrigados a estreitar a relação representante/representado?

Tais perguntas os 21 vereadores terão que responder olhando no olho dos cidadãos, quem promete ocupar a Câmara no próximo dia 20 de maio. Terão que justificar porque não querem o povo em sua própria casa.  

 

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Quem é a direita nessa eleição?

Por Adelson Vidal Alves



Esquerda e direita permanecem fazendo parte do nosso vocabulário político. Mesmo quem critica a atualidade dos termos continua tendo que conviver com seu uso no cotidiano político, sobretudo, nos períodos eleitorais.

Neste pleito não será diferente. O principal partido do governo federal já ensaia um discurso para situar todo o arco oposicionista na direita, ou tendo algum tipo de ligação com ela. Mesmo os partidos nanicos de extrema-esquerda estariam atuando como sustentadores desta direita. No discurso cabe ainda a demonização do termo, que vira sinônimo de todo o mal que assola a vida dos brasileiros. A direita seria o passado do país, tempos desastrosos, antes de sua refundação em 2003 pelo partido hegemônico do poder central. Até o PT chegar ao poder só existiria desgraça, medo, desesperança, tudo graças a governança demoníaca da direita e seus aliados.

Nada disso se sustenta diante de uma análise mais séria e rigorosa. O Brasil que antecedeu o PT passou por momentos difíceis, superados pela ação conjunta de variados atores sociais, capazes de trazer o Brasil de volta para à democracia, estabilizar as instituições, frear a inflação, ganhar credibilidade internacional e dar solidez a sua república. Não se trata de obra messiânica de um ou outro partido, muito menos feito fantástico de um presidente. Tudo seguiu a dinâmica complexa de uma sociedade ocidentalizada e em permanente disputa.

A direita-monstro que o PT pinta não se faz representar nesta eleição presidencial. Nem mesmo a direita democrática, que numa democracia deve ter vez e voz, pode se sentir presente na disputa pelo Planalto. Nem Dilma, nem Aécio e nem Eduardo Campos são de direita. PT, PSDB e PSB ocupam hoje um lugar moderado, comparando-se a suas origens, quando o primeiro oscilou entre sectarismos e economicismos, o segundo acenou para uma social- democracia à brasileira e o último se apresentou como rosto democrático do socialismo.

Amadurecidos, souberam encerrar dogmas e aprenderam a dialogar com outras correntes democráticas, como o liberalismo. Sucumbiram, é verdade, a certo pragmatismo, que desvirtuou programas originais e colocou em cheque identidades ideológicas. O PT se afastou do socialismo, o PSDB da Social-democracia e o PSB guarda suas utopias em seu manifesto de fundação, que é ameaçado pela campanha de Campos.

O fato é que a direita, pura e simples, carece de uma organização partidária forte no Brasil. Motivo pelo qual muitos direitistas convictos tentam, sem sucesso, trazer de volta para arena eleitoral as teses clássicas da direita.

Há muito que se debater nas eleições deste ano. A dicotomia esquerda/direita, no entanto, não parece ser fator decisivo nas discussões. A direita não terá seu nome fixo nas urnas, mas lutará para fazer valer suas posições, e de forma, até certo ponto positiva, todas as candidaturas estarão abertas a isso, pois isso faz parte da democracia.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Abolição e os mitos da escravidão negra no Brasil

Por Adelson Vidal Alves



Senhores de chicote na mão e negros no tronco sofrendo castigos físicos, trabalho exclusivamente escravo em grandes latifúndios (plantation), negros separados cruelmente de suas famílias e sem ter nenhuma parte naquilo do que produziam. Este cenário da vida colonial brasileira é o que predomina no cinema, no imaginário popular e até hoje faz parte dos currículos escolares. No entanto, novas pesquisas vêm demonstrando que a relação senhor/escravo era bem mais complexa do que se pensava.

Historiadores como Antonio Roberto Alves Vieira, João Luís Fragoso e Ciro Flamarion Cardoso (morto em Junho de 2013 ) vem há algum tempo trazendo novos debates sobre este período. O trabalho no Brasil colonial não se resumiria a Plantation. Havia uma diversidade laboral que incluía trabalhadores livres, pequenos agricultores e até mesmo escravos que puderam comprar a liberdade de suas famílias, e conseguiram seu próprio pedaço de terra, adquirindo, inclusive, alguns escravos. Aliás, presença de famílias entre os escravos é bem mais abundante do que sugeria a historiografia tradicional.

Os castigos corporais eram, de fato, recorrentes nas plantações de açúcar, casos que não se repetiam tanto em áreas como a pecuária e setores da agricultura, onde negros podiam cultivar seus próprios alimentos e até venderem o excedente. Relatos como o do botânico francês Saint-Hilaire, chegam a citar escravos que andavam lado a lado de seus senhores, bebendo, cantando e dançando.

Um mito que ainda circula em cursinhos de ONGs, dá conta que a história da escravidão envolve a questão da “raça”. O Brasil escravista seria uma terra de “brancos escravizando negros”, um território de “puro racismo”. Ora, sabemos que a escravidão negra fazia parte da lógica econômica mercantil. Os escravos que chegavam nos navios negreiros eram negociados entre as Metrópoles e os reinos africanos, isto é, eram os próprios negros que entregavam negros para serem escravizados, tudo pacificamente. Em 1789, no parlamento inglês, o debate sobre a abolição da escravidão esquentou, um dos defensores de sua manutenção disse que caso se acabasse com o trabalho forçado dos negros, o sistema econômico não suportaria. Se a questão da raça fosse forte naquele período, argumentos no sentido racial apareceriam. Nenhum dos lados em debate levantou o tema.

O racismo, como ideologia, só aparece no século XIX, quando as nações europeias se lançam a conquistas na Ásia e na África, e para justificarem sua dominação, precisavam argumentar que as raças que ali estavam eram inferiores, e por isso, passiveis de serem dominadas. Tal justificativa não era necessária em um ambiente onde a escravidão negra era vista como natural, como que acontecia no Brasil escravagista.

 Abolição

Os debates que giram em torno das causas da abolição também apresentam mitos. O movimento negro organizado tenta forçar uma leitura onde as rebeliões negras teriam sido os principais elementos para o fim da escravidão, (há, no entanto, quem diga que nas últimas 8 décadas de escravidão, as revoltas de escravos haviam até diminuídas). Trata-se de um exagero ideológico de quem quer heroicizar o segmento que representa. O que a maior parte dos especialistas defende é que a abolição se deu por um conjunto de elementos reunidos num longo período de tempo, que vai desde as pressões da Inglaterra até a própria divisão das elites coloniais.

Sabemos, de certo, que a década de 1880 testemunhou o crescimento do movimento abolicionista que, ao contrário do que muitos pensam, não era nada homogêneo.

Em 1883 é fundada a Confederação Abolicionista, que congregava as associações abolicionistas de todo o país, presidida por João Clapp. Nos anos que antecederam sua fundação, os abolicionistas usavam de agitações literárias, panfletos e jornais eram distribuídos. Outra tática muito usada era o recurso jurídico. Advogados recorriam a uma lei de 1831 (aquela pra inglês ver) como forma de exigir a imediata libertação dos cativos. Luiz Gama conseguiu a libertação de pelo menos 1000 escravos.

Joaquim Nabuco, José do Patrocínio e o fim da escravidão

Um debate interessante travou-se nestes tempos que antecederam a abolição. A publicação de O Abolicionismo de Joaquim Nabuco, representou a chegada da obra brasileira mais completa sobre abolição naquele tempo. Nabuco apresentava argumentos contra a permanência da escravidão, exigia seu fim sem indenização aos proprietários. Propunha ainda reformas sociais que reintroduzisse o negro na sociedade. Sua particularidade, porém, estava no fato de acreditar que todo este processo poderia se dar de forma pacífica e parlamentar. “É, assim, no parlamento e não em fazendas ou quilombos do interior, nem nas ruas e praças da cidade, que se há de ganhar, ou perder, a causa da liberdade. Em semelhante luta, a violência, o crime, o desencadeamento de ódios acalentados, só pode ser prejudicial”. Escreve Joaquim Nabuco.

Discordando da visão moderada de Nabuco, outro grupo de abolicionistas vai incentivar ações mais radicais, entre eles está José do Patrocínio. Estes não se abdicavam de ações parlamentares, mas incentivavam fugas, revoltas e até assassinatos dos senhores de escravos. A partir de 1882 surge os caifases, organizados pelo advogado Antônio Bento de Souza e Castro, que em alianças com outros grupos agitavam ações rebeldes dos escravos.

Em 1887, a causa abolicionista ganha apoio integral do Partido Liberal. O Partido Republicano Paulista também ingressa na causa, sugerindo que todos seus membros libertassem seus escravos. O Exército se recusa a capturar escravos, e o governo imperial se encontra completamente isolado. Foi então que em 7 de maio é enviado projeto ao Congresso, com dois artigos, o primeiro extinguia a escravidão, e o segundo revogava as disposições contrárias. Em 13 de maio ele se transforma na lei Áurea, assinada pela princesa Isabel. A abolição é acolhida com festas nas ruas e na Senzala. Os negros estavam livres, mas abandonados a sua própria sorte, nem mesmo os abolicionistas de antes quiseram seguir a luta dos negros, que não havia acabada. Com isso, muitos ex-escravos tiveram que voltar a seus ex-senhores, e trabalharem em condições semelhantes as anteriores. A escravidão do negro havia sido abolida, seu sofrimento, no entanto, não.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

LINHARES, Maria Yeda (org). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990.

MAGNOLI, Demétrio. Uma gota de Sangue: história do pensamento racial. São Paulo: Contexto, 2009.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Não precisamos ser comunistas, precisamos ser democratas

Por Adelson Vidal Alves

Meu encontro com a esquerda se deu com impulso da igreja, chegando a um partido que tem o que há de mais ortodoxo na linha ideológica do comunismo. Fiquei 7 anos na legenda que toma as guerrilhas como exemplos hodiernos, olha Stálin com simpatia, e em outros tempos, sem fazer críticas nos dias atuais, acolheu o maoismo como força de resistência à ditadura e tomou a Albânia como farol revolucionário.

Só depois de ler autores como Gramsci, Adorno, Walter Benjamin e outros, de inclinação marxista heterodoxa, que consegui aos poucos me livrar do pensamento esquemático que me acompanhou durante parte da juventude. Os brasileiros Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira também me ajudaram a pular do barco dogmático das leituras “marxistas-leninistas” e valorizar um marxismo democrático e aberto a diálogos e renovações, sem medos do “revisionismo”.

Passei com simpatia pelo eurocomunismo, corrente marxista forte na Europa na década de 70, sobretudo no PCI (Partido Comunista Italiano) que ofereceu à história uma bela experiência de tentativa de construção do socialismo pelo caminho institucional. Se fracassou, agradeça, entre outros fatores, à ação extremista de parte da esquerda italiana, que atentou contra a vida de pessoas e o Estado de direito, num momento em que o comunismo italiano do PCI ganhava força eleitoral e de governo.  

Nos tempos pós-URSS, o comunismo enfrentou e ainda enfrenta profunda crise. Os ortodoxos permanecem refratários a mudanças em seu comportamento, negando o valor universal da democracia e denunciando o caráter burguês das instituições que sustentam o atual modelo estatal, que só sobreviveu pela ação dos trabalhadores, sempre contra a vontade da burguesia. Por não gozarem de apoio popular e sem condições de fazer avançar a “guerra de movimento” em estruturas “ocidentais”, vivem por testemunhar sua pureza revolucionária, sem influenciar na disputa viva pela hegemonia no mundo moderno.

Outra parte dos comunistas apostou numa reflexão ampla sobre os anos soviéticos, e resolveram tomar a democracia como instrumento inegociável para avanços civilizatórios no mundo moderno. Muitos deles ainda apostam nas teses clássicas do marxismo, mas as enriqueceram com a teoria do Estado democrático de direito, e esperam uma transição pacífica para o socialismo. O PPS no Brasil e o PD na Itália são exemplos de partidos que assumiram a posição de superar a experiência do leste europeu, e firmaram compromissos com a defesa do pluralismo e da democracia, assim como a estratégia de reunir forças para caminhos reformistas na estrutura da sociedade democrática.

Nos nossos dias, penso eu, que a teleologia tão usada pelo comunismo histórico e pela esquerda tradicional encontra-se em crise. O ultimato “Socialismo ou barbárie” já não soa atual. A iniciativa de denominar sonhos, de exigir modelos pré-estabelecidos para uma espécie de “paraíso terrestre” não combina com o volume de atores sociais e políticos que a democracia nos abriu, e ao contrário do que o próprio Marx imaginava, respondem por uma realidade complexa, de classes sociais intermediárias, conflitos para além da simples esfera econômica e formas consensuais de resolvê-los.

O sonho de uma sociedade justa e livre já não atende apenas pelos nomes de “socialismo” ou “comunismo”. Socialistas e comunistas podem sim contribuir para a construção de uma nova ordem social, mas só contribuirão de fato caso já tenham incorporado a democracia como conquista de civilização, acima dos interesses egoístas de classe.

No momento que vivemos, todas as ideologias autoritárias (de direita ou de esquerda) devem ser rechaçadas. A exigência é que aceitemos formular alternativas pela via democrática e institucional, criando novos consensos que respeitem os interesses múltiplos de uma sociedade em conflitos. Conflitos que tem na política o caminho para sua solução, e não em assaltos ao Estado ou violência de qualquer natureza. O que nos exige o tempo atual é o caminho gradual e pacífico para uma nova ordem social, que não necessariamente caiba em algum “ismo”, mas que tenha dentro dela o respeito pelo ser humano, a justiça social e os valores democráticos. Neste aspecto, não precisamos ser comunistas, precisamos ser democratas.