Por Adelson Vidal Alves
Senhores de chicote na mão e
negros no tronco sofrendo castigos físicos, trabalho exclusivamente escravo em
grandes latifúndios (plantation), negros separados cruelmente de suas famílias
e sem ter nenhuma parte naquilo do que produziam. Este cenário da vida colonial
brasileira é o que predomina no cinema, no imaginário popular e até hoje faz parte
dos currículos escolares. No entanto, novas pesquisas vêm demonstrando que a
relação senhor/escravo era bem mais complexa do que se pensava.
Historiadores como Antonio Roberto Alves
Vieira,
João Luís Fragoso e Ciro Flamarion Cardoso (morto em Junho de 2013 ) vem há algum tempo trazendo
novos debates sobre este período. O trabalho no Brasil colonial não se
resumiria a Plantation. Havia uma diversidade laboral que incluía trabalhadores
livres, pequenos agricultores e até mesmo escravos que puderam comprar a
liberdade de suas famílias, e conseguiram seu próprio pedaço de terra,
adquirindo, inclusive, alguns escravos. Aliás, presença de famílias entre os
escravos é bem mais abundante do que sugeria a historiografia tradicional.
Os castigos corporais eram, de
fato, recorrentes nas plantações de açúcar, casos que não se repetiam tanto em
áreas como a pecuária e setores da agricultura, onde negros podiam cultivar
seus próprios alimentos e até venderem o excedente. Relatos como o do botânico francês Saint-Hilaire, chegam
a citar escravos que andavam lado a lado de seus senhores, bebendo, cantando e
dançando.
Um mito que ainda circula em
cursinhos de ONGs, dá conta que a história da escravidão envolve a questão da “raça”.
O Brasil escravista seria uma terra de “brancos escravizando negros”, um
território de “puro racismo”. Ora, sabemos que a escravidão negra fazia parte
da lógica econômica mercantil. Os escravos que chegavam nos navios negreiros
eram negociados entre as Metrópoles e os reinos africanos, isto é, eram os
próprios negros que entregavam negros para serem escravizados, tudo
pacificamente. Em 1789, no parlamento inglês, o debate sobre a abolição da
escravidão esquentou, um dos defensores de sua manutenção disse que caso se
acabasse com o trabalho forçado dos negros, o sistema econômico não suportaria.
Se a questão da raça fosse forte naquele período, argumentos no sentido
racial apareceriam. Nenhum dos lados em debate levantou o tema.
O racismo, como ideologia, só
aparece no século XIX, quando as nações europeias se lançam a conquistas na Ásia
e na África, e para justificarem sua dominação, precisavam argumentar que as
raças que ali estavam eram inferiores, e por isso, passiveis de serem
dominadas. Tal justificativa não era necessária em um ambiente onde a
escravidão negra era vista como natural, como que acontecia no Brasil
escravagista.
Abolição
Os debates que giram em torno
das causas da abolição também apresentam mitos. O movimento negro organizado
tenta forçar uma leitura onde as rebeliões negras teriam sido os principais
elementos para o fim da escravidão, (há, no entanto, quem diga que nas últimas
8 décadas de escravidão, as revoltas de escravos haviam até diminuídas).
Trata-se de um exagero ideológico de quem quer heroicizar o segmento que
representa. O que a maior parte dos especialistas defende é que a abolição se
deu por um conjunto de elementos reunidos num longo período de tempo, que
vai desde as pressões da Inglaterra até a própria divisão das elites coloniais.
Sabemos, de certo, que a década
de 1880 testemunhou o crescimento do movimento abolicionista que, ao contrário
do que muitos pensam, não era nada homogêneo.
Em 1883 é fundada a
Confederação Abolicionista, que congregava as associações abolicionistas de
todo o país, presidida por João Clapp. Nos anos que antecederam sua fundação,
os abolicionistas usavam de agitações literárias, panfletos e jornais eram distribuídos.
Outra tática muito usada era o recurso jurídico. Advogados recorriam a uma lei
de 1831 (aquela pra inglês ver) como forma de exigir a imediata libertação dos
cativos. Luiz Gama conseguiu a libertação de pelo menos 1000 escravos.
Joaquim
Nabuco, José do Patrocínio e o fim da escravidão
Um debate interessante
travou-se nestes tempos que antecederam a abolição. A publicação de O Abolicionismo de Joaquim Nabuco,
representou a chegada da obra brasileira mais completa sobre abolição naquele
tempo. Nabuco apresentava argumentos contra a permanência da escravidão, exigia
seu fim sem indenização aos proprietários. Propunha ainda reformas sociais que
reintroduzisse o negro na sociedade. Sua particularidade, porém, estava no fato
de acreditar que todo este processo poderia se dar de forma pacífica e
parlamentar. “É, assim, no parlamento e
não em fazendas ou quilombos do interior, nem nas ruas e praças da cidade, que
se há de ganhar, ou perder, a causa da liberdade. Em semelhante luta, a
violência, o crime, o desencadeamento de ódios acalentados, só pode ser
prejudicial”. Escreve Joaquim Nabuco.
Discordando da visão moderada
de Nabuco, outro grupo de abolicionistas vai incentivar ações mais radicais,
entre eles está José do Patrocínio. Estes não se abdicavam de ações parlamentares,
mas incentivavam fugas, revoltas e até assassinatos dos senhores de escravos. A
partir de 1882 surge os caifases,
organizados pelo advogado Antônio Bento de Souza e Castro, que em alianças com
outros grupos agitavam ações rebeldes dos escravos.
Em 1887, a causa abolicionista
ganha apoio integral do Partido Liberal. O Partido Republicano Paulista também
ingressa na causa, sugerindo que todos seus membros libertassem seus escravos.
O Exército se recusa a capturar escravos, e o governo imperial se encontra
completamente isolado. Foi então que em 7 de maio é enviado projeto ao
Congresso, com dois artigos, o primeiro extinguia a escravidão, e o segundo
revogava as disposições contrárias. Em 13 de maio ele se transforma na lei Áurea,
assinada pela princesa Isabel. A abolição é acolhida com festas nas ruas e na
Senzala. Os negros estavam livres, mas abandonados a sua própria sorte, nem
mesmo os abolicionistas de antes quiseram seguir a luta dos negros, que não
havia acabada. Com isso, muitos ex-escravos tiveram que voltar a seus
ex-senhores, e trabalharem em condições semelhantes as anteriores. A
escravidão do negro havia sido abolida, seu sofrimento, no entanto, não.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
LINHARES, Maria Yeda (org). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990.
MAGNOLI, Demétrio. Uma gota de Sangue: história do
pensamento racial. São Paulo: Contexto, 2009.