terça-feira, 19 de novembro de 2013

Zumbi, Palmares e os mitos



Por Adelson Vidal Alves


No dia 20 de Novembro, data da consciência negra, celebra-se a memória de Zumbi dos Palmares, líder negro que dirigiu o maior Quilombo de escravos do Brasil no século XVII: o Quilombo dos Palmares. Zumbi teria nascido por volta de 1655, na Capitania de Pernambuco, vindo a ser criado e educado por um padre. Liderou o Quilombo que chegou a ter dezenas de milhares de habitantes, foi capturado e morto em 20 de Novembro de 1695. O consenso historiográfico sobre Zumbi e Palmares, no entanto, para por aqui.

A figura de Zumbi esteve e até certo modo ainda está sob uma roupagem heróica, o que tem dificultado muito o debate histórico. Mesmo nas escolas os livros didáticos vem se dedicando há anos a construir a imagem de um bravo guerreiro contra escravidão, que fundou um quilombo de resistência onde vários escravos podiam viver livremente e combater o sistema escravocrata. Esta narrativa vem sendo questionada por um grupo significativo de historiadores. Segundo novas pesquisas, Palmares teria sido um lugar onde viviam escravos refugiados que procuravam salvar sua pele, mas que jamais se propôs a derrubar a escravidão negra. Não seria, ainda, uma comunidade igualitária e democrática, mas sim uma organização hierárquica, com leis rigorosas, que punia com morte seus dissidentes- “É uma mistificação dizer que havia igualdade em Palmares, Zumbi e os grandes generais do quilombo lutavam contra a escravidão de si próprios”, diz Ronaldo Vainfas, professor da Universidade federal Fluminense e autor do Dicionário do Brasil Colonial. Na mesma linha vai o consagrado historiador José Murilo de Carvalho, que escreve em seu livro Cidadania no Brasil: “os quilombos mantinham relações com a sociedade que os cercavam, e esta sociedade era escravista. No próprio quilombo dos Palmares havia escravos. Não existiam linhas geográficas separando a escravidão da liberdade".

Na passagem do livro de Carvalho, fazemos mais uma constatação importante. Além de não combater a escravidão, Palmares admitia a escravidão no seu interior, até porque tal prática era comum na África. Obviamente que a lógica escravista do Quilombo não era idêntica ao que vigorou em quase três séculos no sistema colonial da América portuguesa. Os escravos que ingressavam em Palmares como fugitivos, provavelmente não eram escravizados, ao contrário daqueles que eram capturados. Há indícios que Zumbi e outros líderes tinham escravos pessoais.

O Zumbi e o Quilombo dos Palmares que a historiografia começa a apresentar desmistificam grande parte das narrativas que se consolidaram nos últimos anos. Mas é importante ressaltar que mesmo não sendo Zumbi o herói libertador e Palmares a comunidade perfeita da liberdade, não podemos retirar o papel das iniciativas de resistência negra no processo de desgaste do sistema escravocrata.

O líder de Palmares permanece referência para a luta do negro em nossos dias. Muitos insistem em dar a ele um rosto quase messiânico, e por isso é dever da ciência da história separar o homem do mito, e é exatamente isso que ela vem fazendo. E o faz sem prejuízos para o papel importante que os mitos exercem nas sociedades.



Um comentário:

  1. Sobre Zumbi no Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil (4/4)

    Uma análise em quatro partes sobre aquilo dito de Zumbi nessa polêmica obra. Abordaremos aqui os principais trechos do livro relacionado ao líder negro do Quilombo dos Palmares principalmente no que diz respeito ao capítulo Zumbi tinha escravos. Temos na obra, entre outras coisas, o seguinte:

    D) “Para obter escravos, os quilombolas faziam pequenos ataques a povoados próximos. ‘Os escravos que, por sua própria indústria e valor, conseguiam chegar aos Palmares, eram considerados livres, mas os escravos raptados ou trazidos à força das vilas vizinhas continuavam escravos’, afirma Edison Carneiro no livro O Quilombo dos Palmares, de 1947”. (Narloch, Guia Politicamente Incorreto da Historia do Brasil)

    Se alguns escravos foram à força para o Quilombo dos Palmares, naturalmente podemos entender com isso que havia escravos dentro do Quilombo. Todavia, estes seriam, nesse caso, os escravos dos senhores de engenho, não necessariamente escravos do Quilombo. Além disso, em nenhum momento da obra de Edison Carneiro é dito que negros são lá (no Quilombo) escravizados, pelo contrário, o autor diz logo na abertura do livro o seguinte:

    “A floresta acolhedora dos Palmares serviu de refúgio a milhares de negros que se escapavam dos canaviais, dos engenhos de açúcar, dos currais de gado, das senzalas das vilas do litoral, em busca da liberdade e da segurança, subtraindo-se aos rigores da escravidão e às sombrias perspectivas da guerra contra os holandeses.” (Edison Carneiro, O Quilombo dos Palmares)

    Logo, seria muito estranho enxergarmos negros sendo escravizados dentro do Quilombo, mas totalmente lógico compreender que havia negros escravos dos senhores de engenho naquelas terras que haviam sido roubados. Essa parte é condizente com outras partes da carta anônima de Fernão Carrilho em 1687, comandante de várias expedições aos Palmares. Trechos dessa carta são citados por Edison Carneiro quando este toca no constante estímulo dos mocambos dos Palmares para os escravos das redondezas. Acredito ser importante mostrar na integra o trecho do livro. Vejamos:

    “Ora, na sua carta anônima de 1697, Fernão Carrilho, comandante de várias expedições aos Palmares, dizia, peremptoriamente que ‘os negros, o em que se fiam mais para obrarem maldades é dizerem que seus senhores o que lhes podem fazer é açoitá-los, mas que matá-los não, porque os brancos não querem perder o seu dinheiro’. Os escravos das vilas vizinhas eram, assim, recrutas potenciais dos Palmares, “uns levados do amor da liberdade, outros do medo do castigo, alguns induzidos pelos mesmos negros, e muitos roubados na campanha por eles”. (Edison Carneiro, O Quilombo dos Palmares)

    Aqueles, por conseguinte, forçados em direção a Palmares não eram escravizados, mas recrutados para a luta. Não sem motivo diz o autor que bastava a esses escravos roubados libertar um negro cativo para voltar à casa do senhor de engenho, uma “alforria”, se assim eles desejassem. Tal como podemos ver aqui:

    “Os escravos que, por sua própria indústria e valor, conseguiam chegar aos Palmares, eram considerados livres, mas os escravos raptados ou trazidos à força das vilas vizinhas continuavam escravos”. E continua: “Entretanto, tinham uma oportunidade de alcançar a alforria: bastava-lhes levar, para os mocambos dos Palmares, algum negro cativo”. (Edison Carneiro, O quilombo dos Palmares)
    Em suma, foi uma maneira encontrada para fortalecer a campanha e ter a maior quantidade possível de negros libertos. Outros pontos são abordados por Leandro Narloch na obra dele, mas nada na obra que venha a fixar concretamente a ideia de Zumbi ter sido um escravocrata nos moldes dos senhores de engenho. O feito por estes visava à continuidade da exploração e o Quilombo dos Palmares e Zumbi a liberdade do seu povo.

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