terça-feira, 17 de maio de 2011

Apologia ao Racismo

Por Adelson Vidal Alves

No mês que lembramos os mais de 200 anos da abolição da escravatura republico um artigo que escrevi em 2010 e que trata das questões relacionadas as politicas afirmativas e o combate ao Racismo. Nele exponho as razões pelo qual sou contra o sistema de cotas raciais.


        Recentemente o STF organizou um ciclo de debates sobre a constitucionalidade e viabilidade do sistema de cotas raciais, ou seja, o ingresso em serviços públicos através de mecanismos diferenciados baseado na cor da pele.
        Os que defendem o sistema de cotas afirmaram se tratar de uma compensação histórica do Estado brasileiro aos negros, que teriam amargado séculos de escravidão, no entanto, sem ter tido políticas públicas de inclusão logo depois de esgotado o sistema escravista. Utilizam-se também de dezenas de gráficos e estatísticas que comprovariam a maioria negra nos grandes grupos excluídos do Brasil. A política de cotas seria assim uma correção estatal de injustiças históricas.
        A escravidão dos negros no Brasil foi realmente algo perverso, e permanece obviamente deixando resquícios na realidade social brasileira, mas é verdade também que não foi o único processo de exclusão social no Brasil, se assim o fosse, teríamos no país uma realidade de brancos ricos e negros pobres. Na realidade, o que reina por aqui é um capitalismo excludente, que divide nossa sociedade simplesmente em ricos e pobres.
        Os números estatísticos, utilizados pelos pró-cotistas também são extremamente falhos. Difícil saber o que cada um destes gráficos considera como sendo negro em um país cada vez mais mestiço como o nosso. Se a ciência nega a divisão racial dos seres humanos, é possível manipular estes números de acordo com os interesses de cada pesquisa, e utilizar metodologias esquizofrênicas para chamar alguém de negro e outra de branca. Se aprovadas, as cotas raciais estariam sob a mesma suspeita.
        Afinal de contas, como será possível definir quem é negro ou não é diante de tantos questionamentos científicos ao conceito de raça? Que metodologia usar? O provável é que apareça verdadeiros tribunais raciais para rotular racialmente pessoas de acordo com suas conveniências.
        Os defensores das cotas costumam também classificar de racistas seus opositores. Trata -se de uma retórica barata e cruel. De minha parte posso afirmar que reconheço o racismo brasileiro, contudo, me recuso a compará-los a qualquer realidade distinta da nossa, principalmente a dos EUA a quem os pro-cotistas teimam em tratar como exemplo. No Brasil o processo abolicionista destruiu as leis raciais, enquanto nos EUA elas existiram mesmo depois do fim da escravidão, basta lembrar a luta pelos direitos civis dos negros liderados por Martin Luther King. Os norteamericanos tiveram que conviver por anos e ainda hoje com expressões públicas e violentas de racismo, enquanto no Brasil elas praticamente inexistem há décadas.
        Há sim no Brasil um racismo cultural, caracterizados por preconceitos raciais simbólicos. Ele é percebido numa blitz policial, numa entrevista por emprego ou na mesa de um restaurante. Sua base de sustentação é exatamente o que os pró-cotistas insistem em manter, a crença da existência de famílias raciais entre os seres humanos. Em proporções diferentes foi exatamente esta crença em que se assentou o nazismo e o apartheid. Só poderemos vencer o “racismo a brasileira”, liquidando a mentalidade do senso comum que permanece racialista, ou seja, ainda acredita na existência de raças.
        Além de fazer apologia ao racismo e sustentar rivalidades raciais, o sistema de cotas é também profundamente injusto. Imagine uma sala de aula de escola pública onde convivam negros e brancos pobres. Passam eles pelos mesmos problemas sociais brasileiros, como o sucateamento da educação básica, as desigualdades sociais, a má remuneração dos professores etc. Estariam eles assim dentro de um mesmo ponto de partida na luta por uma vaga na Universidade Pública.
        As leis de cotas raciais ao contrário daria privilégios de ingresso a um aluno negro. Com qual argumento? Seria ele herdeiro do de seus ancestrais escravos de séculos passados, nutrindo assim vantagens de acesso a serviços públicos. Olhando por esta perspectiva, os alunos brancos pobres seriam penalizados pela ação de seus antecessores, os senhores de escravos. Quanta injustiça !
        Anacrônicas, perversas, racistas e injustas, as cotas raciais são muito mais que isso, são também inconstitucionais. Em seu artigo 19 reza a constituição federal "É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si” enquanto no artigo 208 "O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a CAPACIDADE DE CADA UM” e por fim o artigo 9 "Ninguém será discriminado, prejudicado ou privilegiado em razão de nascimento, idade, etnia, raça, cor, sexo, estado civil, trabalho rural ou urbano, religião, convicções políticas ou filosóficas, deficiência física ou mental, por ter cumprido pena nem por qualquer particularidade ou condição."       A constituição federal é assim zelosa com a igualdade jurídica de seus cidadãos, assim como deve ser qualquer constituição republicana. Se um governo garante acesso privilegiado de um determinado grupo social a serviços do Estado está ele agindo de maneira anti-republicana.
       Os governos apóiam cotas raciais exatamente por que elas não lhes compromete no dever de investir na educação pública universal de qualidade. Afinal, quem dirá que cotas raciais aumentariam o número de vagas nas universidades ou melhorariam o ensino. Pelo contrario, elas encobrem com um discurso de raça um problema que é de classe, promovido e aprofundado pelo sistema capitalista.
       Estamos a beira de dar caráter jurídico a um conceito batido, o de “raça” e continuar dividindo nossa sociedade pela cor da pele. Estaremos assim construindo um estado racial - racializador dos problemas sociais históricos do Brasil. Está na mão do STF impedir esta tragédia.

2 comentários:

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  2. O sistema de cotas raciais, traduz-se numa política trasitória, temporária, de dar acesso à Universidade de imediato àqueles que não tem oportunidade de acesso hoje. Estabelecendo-se, assim, uma igualdade material de oportunidades, sem que isso impeça políticas de base, para o fortalecimento do ensino de qualidade e público.
    O brasileiro negro, está cansado da igualdade formal, da letra fria dos papéis constitucionais.
    Imagine-se numa corrida entre um carro de alta tecnologia competindo com um fusca/1980, não há motorista que faça o fusca ganhar. É preciso igualdade de condições.
    "Dê cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades." (K. Marx).
    Fato é que os negros são oprimidos em nossa sociedade, a qual usa o mito da miscigenação para esconder uma opressão camuflada, um racismo cruel, frio e deplorável. Casas grandes e senzalas, e senzalas... Os negros de hoje, precisam de programas afirmativos hoje, que os insiram agora. E assim, podemos lutar juntos, negros, brancos, mulatos, pardos, amarelos, por ensino público de qualidade. Sem elitismo, hipocrisia, racismo, camuflagem.

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