segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Esquerda democrática e reformista

Por Adelson Vidal Alves

Uma esquerda que se pretenda moderna e útil para os nossos tempos deve ser, sobretudo, uma esquerda acomodada ao jogo democrático, convencida de que a democracia política é o único terreno pelo qual se devem desenvolver transformações na sociedade. Uma esquerda constitucional, obediente a Carta de 1988, esta que rege com maestria os 25 anos de verdadeira redemocratização brasileira, consolidando direitos e liberdades, e oferecendo contínuos espaços para atuação positiva das classes subalternas na esfera pública.

Permite-se a esta esquerda sonhos de ruptura anti-capitalista, mas jamais se fazendo simpática a estratégias que busquem mudanças sociais pelo víeis do autoritarismo. Uma esquerda democrática não toma de referência o sonho da “ditadura do proletariado”, termo infeliz recolhido por Marx de Augusto Blanqui, que ainda que sob distorções, favoreceu o aparecimento de correntes autoritárias dentro do marxismo e da esquerda, hoje enfraquecidas, mas sobreviventes nos grupos minoritários de caráter extremista.

A utopia revolucionária pode e deve permanecer viva, mas no contexto de uma proposta reformista, convencida de que a complexidade contemporânea do poder já não aceita simplificações grosseiras, que se faz iludir uma sectária e atiçada esquerda, afoita por tomar o Estado de assalto.

A democracia é um caminho sem volta. É fruto de um longo processo civilizatório, no qual as classes de baixo, e não a burguesia, foram as protagonistas. Os parlamentos, as leis, as liberdades de associação e organização popular foram combatidos pelos primeiros governos burgueses, e somente com a força do movimento dos trabalhadores que se ganhou hoje o formato que tem, ainda defeituoso, mas imprescindível para o bom funcionamento da vida democrática.

Um conceito utilizado pelo sociólogo francês André Gorz, que ganhou resignificação com o pensador brasileiro Carlos Nelson Coutinho, a meu ver, traduz a estratégia central desta esquerda democrática. O conceito é o de “Reformismo revolucionário”, aparentemente uma contradição, mas que pode se converter em uma ação madura e vitoriosa para a esquerda do mundo contemporâneo. Com a impossibilidade de revoluções insurrecionais, propõe-se alterar a estruturas reformando-as, mas vejam bem, não reformá-las para mantê-las, mas para transformá-las. O reformismo, desde que sob intensidade adequada, é capaz de corroer a hegemonia do capital, e fazer valer novas formas de cultura e relação social. Gramsci já falava de uma “reforma intelectual e moral” como fator antecedente a vinda da sociedade socialista, mas há que serem feitas reformas no interior do Estado e da sociedade.  Se a social-democracia recuou quando suas reformas ofereciam riscos ao modo de produção capitalista, a esquerda democrática e reformista de nossos tempos deve ir adiante, sempre buscando a radicalização democrática como processo de construção de uma nova ordem social.

Esta esquerda ainda não tem nome, muito menos sigla. Podemos apenas sentir a falta que ela faz, principalmente quando as lutas populares perigam se reduzir a mascarados inconsequentes, ou quando as forças democráticas aderem ao conservadorismo, tratando a democracia como simplesmente as “regras do jogo”. A esquerda democrática e reformista que tanto o Brasil precisa, ainda está longe de se firmar como uma alternativa concreta para o país. Enquanto isso vemos ciclos populistas e autoritários se estendendo, por conta da própria incapacidade daqueles que se assumem democratas de esquerda de fazer suas ideias circularem no permanente processo de luta ideológica.

4 comentários:

  1. Essa esquerda não tem nome, nem sigla. E só terá nome ou sigla precisamente quando deixar de ser esquerda. Porque, na verdade, nenhuma esquerda pretende, de "reforma em reforma", alcançar o paraíso socialista, isso não existe. A única maneira de ele ser alcançado é pela ruptura do sistema de crenças e valores que sustentam o capitalismo, vale dizer, pela destruição da civilização judaico-cristã.
    É exatamente por isso que o que o texto sustenta, sem perceber, não é uma reforma da esquerda, na direção do socialismo. Mas uma reforma da direita, no sentido de integrar em seu projeto político algumas demandas de cunho mais social. Nesse sentido, concordo com o articulista. Mas acho que essa iniciativa reformista não deve nascer nas esquerdas nem ter como objetivo a ruptura sistêmica, ainda que a longo prazo. Mas ter origem na direita e contemplar objetivos de curto e médio prazo, para estabilização dos conflitos, ou sua superação, em uma ordem capitalista, liberal.

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  2. Talvez, meu caro Adelson, os melhores conceitos sejam DEMOCRACIA DE MASSAS, ou DEMOCRACIA PROGRESSIVA, utilizadas pelos eurocomunistas, desde de Pietro Ingrao e Santiago Carrilo, influenciados por Gramsci e Togliatti, e sempre baseados no prefácio mais famoso do que o livro, de Engels para Rosa Luxemburg, em REFORMA SOCIAL OU REVOLUÇÃO...no que tange à formação desta esquerda, só o salto de qualidade das lutas sociais leva ao novo partido, por isso, ótimo que os atuais estejam em colapso...do novo, a incandescência molda a face...

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    1. Muito bem colocado Erico. Os conceitos apresentados são de fato importantes neste debate de uma transição socialista pela via democrática. Autores como o grego Poulantzas tbm contribuem mt.

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    2. Sim, Adelson, e se levarmos em consideração a importante obra de Perry Andersom, "CRISE DA CRISE DO MARXISMO, veremos que o debate que se trava em torno do caminho rumo ao socialismo, é sempre pela via democrática, e sempre inovando na estratégia.

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