O ciclo político aberto em 2002, com a introdução da hegemonia do PT no poder central do país, mostra sinais de esgotamento. Não só pela debandada de aliados históricos, como o PSB e provavelmente o PDT, mas, sobretudo, pela incapacidade do Planalto de reorganizar suas forças sem precisar buscar apoios nos círculos fisiológicos e da direita política. O Partido dos Trabalhadores, que dirige a nação há 10 anos, e que chegou ao poder empurrado pelo amadurecimento de setores da sociedade brasileira alinhados pela redemocratização do país, já não se constrange em dividir palanques com grupos e figuras que sempre ocuparam o campo oposto do petismo histórico, isto é, àqueles a quem o PT deu as mais agressivas classificações, às vezes até com exagero. Isto é, já não há nenhum acanhamento em abrigar no mesmo comício eleitoral Lula e Maluf. Se o palanque petista já recusou uma das figuras centrais da redemocratização brasileira, Ulysses Guimarães, acusado de vacilações, hoje cabe, com conforto, Sarney, Collor e Renan Calheiros, tudo, é claro, justificado pela tal “governabilidade”.
O fracasso do PT no governo
abre, assim, um vácuo político, com particularidades significativas no pleito
de 2014. A oposição tradicional, com núcleo demo-tucano e de características
moderadas e até conservadoras, parece carecer de uma força que a coloque como
principal fonte alternativa. O fato é que fora do poder não conseguiram se renovar,
e nem apresentar à sociedade um projeto sedutor que pelo menos ameaçasse a
hegemonia petista nesta última década. Quis a conjuntura atual, alimentada
pelas Jornadas de Junho, que do seio do governo se articulasse uma nova
linguagem oposicionista, com clara localização à esquerda. Falo da recente
aliança programática entre a REDE SUSTENTABILIDADE, da ex-senadora Marina
Silva, e do PSB de Eduardo Campos. A primeira é força emergente de toda
desilusão criada em torno dos partidos tradicionais, e que foi capaz de
absorver a energia de amplos setores da sociedade, dispostos a trabalhar, em
sua pluralidade, pela atualização da política nacional. O segundo, um partido
histórico comprometido com o socialismo de liberdades. Lugar de contraposição
democrática à burocratização stalinista dos PCs, e que mesmo com diferenças,
carrega ainda hoje o espírito de saudosos democratas como João Mangabeira e
Miguel Arraes.
A fusão destas duas forças
políticas é poderosa. Não apenas eleitoralmente, no qual precisa ainda se
consolidar, mas, principalmente, por ser capaz de dar corpo a um bloco político
situado no âmbito da esquerda
democrática. Ou seja, uma esquerda que aceitou definitivamente a democracia
como terreno exclusivo do jogo político, que é obediente a Constituição cidadã,
esta que completa ¼ de século como guardiã de uma democracia que, ainda que
jovem, mostra um caminho maduro e aparentemente imune a tentativas de
desestabilização institucional.
Esta esquerda terá o papel de
enfrentar Dilma. A presidenta que ensaia voos próprios desde que foi elevada a
seu posto pelo bonapartismo lulista, e que goza de favoritismo nas primeiras
pesquisas de opinião. A presidenta que vê o pacto social construído em torno de
conciliação classista entre miseráveis e milionários, se esvair em meio às
dificuldades econômicas do Estado em sustentar a satisfação dos dois polos
extremos da até agora imutável pirâmide social brasileira.
Esta esquerda, com Campos ou
Marina, terá a obrigação de construir desde já um projeto alternativo de
sociedade, que obrigatoriamente descontamine as instituições democráticas da
partidarização que vem sofrendo. Terá que mostrar uma nova política econômica,
que escape ao rentismo e se concentre num desenvolvimento social subordinado
aos paradigmas de sustentabilidade. Terá, enfim, que formular um modelo
político e econômico que enfrente a desgraça da desigualdade, implantando
reformas estruturais, principalmente a agrária, política e tributária.
Para que a esquerda democrática
triunfe, é necessário se equilibrar no estreito fio da navalha, que supere
sectarismos sem entrar no temido vale-tudo eleitoral. Isso implica trabalhar
uma política de alianças sob critérios, que admita em determinado contexto
concessões que não afetem o programa central. Trata-se de encorpar o projeto
eleitoral sem degenerar o eixo programático.
Diante deste novo quadro de
desafios, se abre a corrida eleitoral de 2014. Um ano que promete sacudir estruturas
e movimentar novos e variados atores políticos. Um quadro que pode colocar o
Brasil num novo ciclo político, econômico e social. Dependerá, é claro, da
capacidade de se formular uma nova hegemonia no país. Ou então, seguiremos consumindo
a velha pequena política.
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