Por Adelson Vidal Alves
O
mundo contemporâneo apresenta um novo quadro de sujeitos individuais e
coletivos. A realidade relativamente simples que predominou nos séculos XIX e
início do XX, cederam lugar para uma complexidade social que já não se permite
resumir as contradições da vida societal em questões unicamente classistas.
Ainda que sob o aspecto econômico sejam visíveis as relações de conflito entre
capital e trabalho, a criação de outras identidades produz inovadoras formas de
disputa no campo da política e da cultura. Sendo assim, insistir em uma
esquerda meramente “classista” é remar contra a maré forte que segue seus
caminhos e molda a nova esfera social da vida moderna.
Uma
esquerda, para nossos tempos, deve acima de tudo eleger o Estado de direito
como palco exclusivo de luta política. Estratégias autoritárias de assalto ao
poder simplesmente, se tornaram anacrônicas diante das formas atuais de
contrato institucional, consagradas em organismos estatais que regulam a vida
política por meio de negociação e construção de consensos. O socialismo
advogado por esta esquerda deve, assim, ser produzido processualmente em meio
às instituições democráticas, numa estratégia de guerra de posição e construção
de hegemonias.
O
ator revolucionário moderno já não é tão claro como nos tempos de Marx. Já em
autores heterodoxos do marxismo, do qual se destaca Antônio Gramsci, a corrida
revolucionária deve se pautar pela capacidade de se “fazer política” captando
alianças para além das esferas exclusivas da categoria classista do trabalho. Não
é a toa que o teórico italiano, em seus escritos de maturidade, abandonou a
ideia de “hegemonia do proletariado”, vindo a substituí-la por “hegemonia civil
ou política”. Mesmo que parte das esquerdas brasileiras continue rejeitando a
democracia como valor universal, optando por utilizar-se dela e depois
descartá-la, o fato é que a sociedade tomou o jogo democrático como único
processo legítimo de transformação. Nosso país, que atravessou um acúmulo
substantivo de “revoluções passivas”, guarda elementos autoritários na cultura,
o que, porém, não impediu o Brasil de dar corpo a uma vida democrática
fortemente estável e robusta.
A
esquerda democrática assume desafios de se equilibrar em um contexto onde as
ideologias autoritárias ainda tentam figurar uma aparência progressista, vinda
particularmente de um esquerdismo caduco e fragilizado, que, contudo, teima em
desqualificar o acordo democrático como sendo ele tão somente burguês, quando
na verdade dele emana a vontade oriunda das lutas sociais das classes subalternas. O desafio segue ainda pelo fato de que a
obrigação política da esquerda democrática deva ser de se organizar em meio aos
setores que veem na democracia o regime supremo da vida civilizatória, ainda
que estes pertençam, no campo da disputa política, a grupos conservadores.
Por
fim, a esquerda democrática não deve tolerar rupturas ao ordenamento
democrático por nenhum dos lados. É seu dever combater tanto a direita golpista
quanto a esquerda autoritária. Não chega a ser uma tarefa fácil, mas é sem
dúvida o caminho único e possível pelo qual se possa sonhar o socialismo nas
realidades ocidentais.
Revisão textual: Regina Vilarinhos