Fernando Lugo e Manuel Zelaya, eleitos pelo voto popular, foram destituidos de seus cargos presidenciais por um processo que usa elementos institucionais da democracia, mas que no fundo são verdadeiros golpes de Estado
A
democracia em sua faceta institucional se caracteriza pelo contrato social
estabelecido entre governo e o povo. Este contrato social é validado por um
aparato jurídico, que tem como expressão maioral sua carta magna, a
Constituição. Quando este contrato é interrompido por algum grupo social que
ascende ao poder violando as regras do jogo, temos ai consolidado um golpe de
Estado.
A história testemunha uma série de
interrupções violentas dos ordenamentos democráticos. Na América Latina, o
calor da guerra fria causou golpes de Estado na maioria dos países, em grande
parte patrocinados pelos Estados Unidos. A justificativa de uma iminente
revolução comunista foi o pilar argumentativo para a atuação violenta de grupos
civis e militares para cancelarem a ordem democrática e instalarem regimes ditatoriais.
A partir da década de 1970, a conjuntura
internacional, assim como o esgotamento das bases mínimas consensuais destas
ditaduras, fez com que se iniciasse uma nova fase de reabertura democrática nos
países da América Latina. Aos poucos nosso continente foi entrando nos rumos,
aparentemente irreversíveis, da democracia como ponto indiscutível de
ordenamento social.
No entanto dois acontecimentos
atuais nos obrigam a repensar a estabilidade democrática na região. Em 2009 em Honduras,
Manuel Zelaya foi sequestrado e deposto de seu cargo presidencial. Na última
sexta feira, 22 de Junho, o presidente paraguaio Fernando Lugo sofreu um impeachment relâmpago
em menos de 48 horas, sendo removido de forma golpista de seu cargo.
Ambos os casos foram fortemente
criticados por organizações internacionais, assim como seus países vizinhos. A
questão que nos leva a reflexão nestes dois casos visíveis de golpe, é a
natureza que hoje se apresentam. Nos dois momentos citados foram usados
elementos concretos da democracia como via golpista. Zelaya foi acusado de
violar a Constituição ao propor uma consulta popular sobre a possibilidade de reeleição
no país. O Congresso e a Justiça Hondurenha somaram forças para consolidar o
golpe.
No Paraguai, uma articulação teatral
no Parlamento também destituiu do cargo seu presidente. Deputados e Senadores
montaram um falso julgamento para tentar dar um ar de normalidade
constitucional na deposição do presidente Fernando Lugo.
O que as jovens democracias
latino-americanas estão vendo acontecer recentemente, se trata de uma nova
estratégia de nossas elites de impedirem ventos progressistas no continente.
Rafael Correa no Equador, Cristina Kirchner na Argentina, Hugo Chavez na
Venezuela, Evo Morales na Bolivia e até mesmo Lula no Brasil, em níveis
diferentes também sofreram ameaças de desestabilização. O desfecho particular
de cada um refletiu a correlação de forças estabelecidas em cada realidade,
assim como sua estabilidade institucional. Alguns destes conseguiram não só se
manter no poder, como fortalecer suas bases de governabilidade, como na Venezuela
de Chaves. Outros recorreram a acordos com os grupos dominantes,
estabelecendo-se no cargo, mas rejeitando qualquer política que ferisse as estruturas
da sociedade, como Lula. Zelaya e Lugo não preparavam nenhuma revolução em seus
países, sequer podemos dizer que haviam ali governos de esquerda. Mas o eterno
preconceito das classes dominantes faz com que mesmo estes aderindo aos padrões
da ordem, sejam eles desprezados pelas antigas classes dominantes.
É hora de refletirmos novos caminhos
para se consolidar a democracia institucional na região, o que dependerá da
posição de cada um dos países membros do continente. A omissão seria o maior
dos erros, e sem dúvida um incentivo para que o recurso do golpe seja cada vez
mais levado em consideração por parte da direita tradicional, já que esta passa
tempo de vacas magras nas urnas latino-americanas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário