segunda-feira, 28 de maio de 2012

A Esquerda brasileira na Nova República: ascensão e declínio


"Nossas diferenças com o PT são muito mais em relação à disputa de poder do que sobre ideologia".

Fernando Henrique Cardoso, Ex-Presidente da República do Brasil pelo PSDB


Por Adelson Vidal Alves



            A principal característica da esquerda nos dias atuais é seu caráter anticapitalista. Ser de esquerda significa não tratar como natural as desigualdades produzidas por uma organização social injusta. Lutar por outro sistema político fundado na igualdade, solidariedade e fraternidade, delimita ideologicamente os que ocupam o campo da esquerda e os que ocupam o campo da direita. Os últimos, orientados por uma concepção de que o mercado e a livre competição devem ser os elementos centrais de um ordenamento político, ainda que produtores de disparidades sociais.
            A esquerda brasileira da Nova República emerge dos vários atores sociais que compunham o cenário político da ditadura militar. São eles: o movimento estudantil, o sindical, organizações da sociedade civil, assim como participantes de partidos de esquerda, que na clandestinidade ocupavam os espaços abertos pelo MDB.
            Frente à crise da ditadura militar e sua consequente abertura para novos partidos, pode-se perceber o reagrupamento da esquerda brasileira em linhas ideológicas mais claras, com destaque para o PDT de Brizola, que rompe com o PTB então nas mãos de Ivete Vargas, e, principalmente, o PT, com bases sociais ligadas as classes subalternas, sobretudo trabalhadores da região metalúrgica do ABC e setores progressistas da igreja católica.
            A primeira eleição presidencial direta, no ano de 1989, expôs a polarização entre setores emergentes da esquerda, organizados em torno da candidatura petista de Luis Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Melo, representante das oligarquias e com amplo apoio dos setores conservadores da sociedade brasileira. A vitória de Collor significou uma virada pragmática no perfil eleitoral, que parecia caminhar para a vitória dos setores progressistas ligados a sociedade politizada. Mas foi interrompida pela conquista das forças conservadoras que, daí em diante, arrimou uma cultura de despolitização e com vitórias sucessivas da direita.
            A governança conservadora de Collor e mais tarde do PSDB de Fernando Henrique Cardoso, construiu o aprofundamento dos problemas sociais brasileiros, deslocando direitos básicos dos cidadãos para o mercado e consagrando uma gestão privatista e com diminuição da participação estatal na vida social e econômica.
            Já no final da década de 1990, a crise do modelo privatista neoliberal reabre espaços para atuação de novas forças sociais em contradição com a hegemonia dos governos conservadores. Novamente, o PT se coloca no centro de aglutinação das forças de oposição, formando uma grande aliança de Centro-esquerda. Já não era o mesmo ambiente de 1989. O debate político era mínimo, os programas de governo mostravam poucas diferenças substanciais e grandes questões nacionais, como a reforma agrária, foram deixadas de lado e substituídas por questões menores, de modo que ambas as candidaturas não ofereciam risco imediato às classes dominantes.
            Confirmada a vitória de Lula, estabelece-se uma espécie de “derrota conservadora” com o desalojamento do poder de forças nitidamente de direita, com a substituição de setores progressistas, que ingressavam de forma inédita no espaço estatal.
            A unidade eleitoral da esquerda, contudo, vai se desgastando na medida em que o governo petista faz opção por uma administração moderada, sem maiores enfrentamentos com os grupos dominantes.
            Parte desta esquerda vai defender a tese do “governo em disputa” segundo a qual vários setores sociais dentro do governo vão estabelecer uma luta pelos rumos governamentais. Outra parte vai definir a cooptação total do PT pelo bloco de poder, e assim decretar a morte definitiva de um projeto de mudanças. Partem então para a oposição.
            O cenário político brasileiro vai a partir daí ganhar contornos desanimadores. O governo petista vai aos poucos abandonando as raras bandeiras progressistas e se apegando com força a uma governabilidade conservadora, orientando-se, basicamente, por uma política econômica de corte monetarista.
            O aparecimento de denúncias de corrupção sistêmica no governo, assim como o afastamento dos movimentos sociais e aproximação com partidos fisiológicos, sacramenta o PT como uma simples máquina eleitoral, esvaziada de conteúdo programático e movida pelo intuito único de estender seus tentáculos no poder.
            Ainda que mantenha uma agenda social mais inclusiva que seus antecessores, o governo Lula não apresenta grandes novidades no campo de mudanças estruturais. Gradualmente, ganha confiança total das elites, frustra seus aliados progressistas, forçando a reorganização de um novo núcleo de esquerda onde, desiludidos com a capitulação do PT, vão buscar novas estratégias de luta.
            A criação do PSOL é a grande marca desta nova reorientação de esquerda. Formado por dissidentes petistas em sua maioria, a nova legenda vai enfrentar um ambiente pantanoso na busca de seus objetivos. Com uma sociedade civil apática, movimentos sociais cooptados pelo bloco de poder, assim como grande parte da esquerda social e política preferindo manter apoio ao governo, o Partido Socialismo e Liberdade vai se organizar em torno de militantes de frente do serviço público e da intelectualidade; o discurso radicalizado e antipetista vai caracterizar o novo partido que tem enormes dificuldades em produzir uma face ideológica a seu programa.
            O PSOL vai se cercar de outras dissidências esquerdistas, particularmente o PCB, o PSTU e várias outras organizações da sociedade civil. Nas eleições de 2006, a candidatura presidencial de Heloisa Helena ganha força a ponto de se firmar como terceira opção eleitoral, ficando atrás apenas do PT e PSDB, de Lula e Alckmin respectivamente. O grande erro foi imaginar que os votos de Heloisa representavam o ganho de parte da sociedade para um projeto mais radical. Ela, na verdade, era apenas a expressão de frustração ética de parte de um eleitorado atônito com a inesperada corrupção petista. O voto moralista na candidatura do PSOL não poderia dar vida a uma nova alternativa de poder à esquerda. Em 2010, a candidatura de Plínio Arruda de Sampaio vai comprovar isso, dando forte contribuição no debate ideológico, mas amargando um total fracasso eleitoral.
            Com a eleição da candidata Dilma Roussef, apoiada por Lula, e o pouco avanço da oposição de esquerda, assim como o fortalecimento centrista-conservador da administração central do país, firmada com o fortalecimento do PMDB dentro do governo, o Brasil passa a consolidar um quadro estático na luta de classes, e consequentemente, na disputa por mudanças estruturais. PT e PSDB disputam o apoio das elites e de formas diferentes administram o capitalismo brasileiro.
A derrota da esquerda se torna expressiva no campo das ideias e se confirma com a vitória hegemônica de um imaginário conformista do qual PT e PSDB lutam para mantê-lo como forma de garantir a permanência do sistema vigente e assim lucrar com ele.
As forças anticapitalistas permanecem se reorganizando, mas as notícias que nos chegam dão conta da falta de um projeto adequado que as recoloque no centro de disputa hegemônica. Enquanto isso, nosso país reveza no poder aqueles que querem manter as coisas como estão, distinguindo-se apenas na cor de suas bandeiras: uma é vermelha; outra, azul e amarelo.
           
Créditos:

Revisão textual: Regina Vilarinhos

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