terça-feira, 16 de agosto de 2011

Cultura, Estado e transformação social

Por Adelson Vidal Alves

           

          
A palavra cultura vem do latim colere, e originalmente significa cultivo. Cultura em seus primórdios estava ligado a idéia de agricultura, uma espécie de cuidado que incitava o despontar de muitas potencialidades. Com o tempo ela foi se transformando, chegando a ser sinônimo de progresso e desenvolvimento de determinada sociedade, como foi o período das luzes, até que enfim ela se alinhou ao campo da produção simbólica dos seres humanos, seja em sua expressão artística, religiosa e todas as variantes transcendentais que os seres humanos podem produzir através de sua vocação na busca por beleza.
            Para a filósofa Marilena Chauí cultura é "tudo aquilo que o homem faz", ou seja, comer com talheres, entregar flores pra conquistar uma mulher, jogar futebol. Contudo, a cultura geralmente vem associada as questões da arte, da música e da poesia. Fala-se de agentes culturais, produtores culturais, gente que se profissionaliza em trabalhos relacionados a cultura. Mesmo que todos os seres humanos de alguma forma participem da vida cultural, não se pode negar movimentos que se organizam a partir de um conceito de cultura da qual se caracteriza por ramos de trabalho ligados a produções dos bens simbólicos.
            A Cultura a partir desta delimitação aparece de formas distintas nos vários momentos históricos. No sistema capitalista ela se insere dentro de uma realidade de divisão de classes sociais antagônicas, basicamente constituída entre os que detém o poder de compra e os que não detém. Digo isso por que no sistema do capital tudo vira mercadoria, e como tal detém um preço, acessível a uma parte privilegiada da sociedade e inacessível a outras. Por isso a separação entre uma cultura "dominante" produzida e consumida pelas classes proprietárias, e uma cultura popular que nasce das expressões das classes subalternas. A chamada cultura popular é recebida com preconceito por muitos, já que a imaginam como sendo resultado de uma vida ignorante e que precisa assim ser elevada a partir dos paradigmas dominantes. Tenta-se inculcar nelas a cultura que referenda a ordem capitalista, querendo  assim sua passividade .
          Ao ligarmos a TV domingo, ou se formos numa banca de jornal, percebemos claramente duas linguagens culturais diferentes. Para os pobres uma cultura sensacionalista, de entretenimento, com linguagens do cotidiano popular, tudo para manter a "ordem" em ordem. É característica do sistema capitalista a industrialização da cultura, de sua extensão massificada ao povo, sustentada sob modismos e apologias da grande mídia monopolizada. O casamento entre mídia e cultura dominante configura estratégia para garantir a manutenção da ordem capitalista e impedir as potencialidade revolucionárias das classes subalternas.
           É claro que a direção cultural das classes dirigentes não se dão sem resistência, trava-se diariamente uma luta por hegemonia. Chama atenção o fato das elites trabalharem duro na cultura de massas e na cooptação dos elementos ativos da cultura popular.
           O Estado, agente dos interesses do núcleo dominante, trabalha duro para impedir que a criatividade da cultura popular se transforme em força revolucionária, por isso age seduzindo os movimentos de cultura, seja "elitizando-os" ou simplesmente massificando. Através dos meios de comunicação em massa incentiva-se uma produção cultural voltada ao mercado, para o enriquecendo do artista que recuar em sua criatividade livre e se curvar ao modismo delirante do mundo bussines.
          Há movimentos culturais e artistas que resistem a intervenção do Estado e do poder econômico na sua forma de produção cultural. Se autodeclaram "independentes", exatamente por sobreviverem mesmo longe dos recursos públicos e do capital. São raríssimos, mas guardam firmes suas convicções originais, em sua maior parte os artistas passam horas nos balcões de empresa e governos choramingando verbas sem pelo qual jamais existiriam.
          Devo ressaltar entretanto que o Estado detém responsabilidades frente a produção da cultura. Se no capitalismo os bens culturais são deslocados para o mercado e são vendidos conforme o poder econômico de seus consumidores, na democracia se faz urgente a criação de políticas públicas de garantia de acesso e produção dos bens culturais para todos os cidadãos. A cultura na democracia é direito.
         Na história brasileira prevaleceu uma prática de cooptação dos elementos ativos do movimento cultural, razão pelo qual nosso Estado garantiu a prevalência da situação de nossos dias a partir da garantia de um ambiente cultural mantenedor da ordem capitalista. Para transformar a sociedade precisamos de um amplo debate cultural que consolide reformas democráticas na estrutura do estado e que firme leis de consolidação da  produção cultural. Uma luta que combine resistência a cultura de massas e de luta por uma mídia mais democrática. 


3 comentários:

  1. A distinção cultural é anterior ao capitalismo, desde a formação social em grupos, antes da escrita. A materialização da cultura não é contemporânea; ela atende grupos distintos, com pluralidade e riqueza que não depende do poder de compra, mas a identificação com grupos, formações, tanto no erudito quanto no popular. A capitalização da cultura existe sim, mas não impede do ingresso de grupos sociais no ingresso cultural.

    ResponderExcluir
  2. Bom. A última linha é mais que pertinente. Cultura é assimilação, sinergia, mudança, transposição, inovação, revolução, por ser um fenômeno da comunicação. Os valores culturais são disseminados pela comunicação. Antes, de pai pra filho. Hoje através dos meios de comunicação de massa. Portanto, sem comunicação democrática não haverá o verdadeiro desenvolvimento, que é o desenvolvimento humano.

    ResponderExcluir
  3. Caro Djalma, no capitalismo os bens culturais deixam de ser direitos para se deslocarem para o mercado, ganham assim preço de mercadoria e são acessiveis a uma elite de poder econômico. Ou vc acha que é fácil um pobre chegar a um teatro, ter acesso a um piano, ou a comprar livros? Os pobres constroem sua cultura mas são submetidos a massificação da "industria Cultural" como dizia Adorno. A divisão de classes de fato não é coisa do capitalismo, ela se inicia com a invenção do Estado que por sua vez está alinhada com o advento da propriedade privada, nas palavras de Engels. Mas como marxista não posso concordar jamais que o poder econômico não influencie no acesso aos bens culturais.

    ResponderExcluir