Por Adelson Vidal Alves
Antônio Gramsci, o comunista
sardo e teórico das sociedades “ocidentais”, chegou ao Brasil nas décadas de 60
e 70, graças ao trabalho dedicado de intelectuais como Carlos Nelson Coutinho, Leandro
Konder e Luiz Mário Gazzaneo. Contamos, ainda, na tarefa de incorporar
o italiano em nossa cultura, com o apoio
imprescindível de Ênio Silveiro e sua Editora, a valorosa Civilização
Brasileira.
É verdade que a primeira
recepção de Gramsci não foi das melhores. Virou peça de Sebo. Talvez pelo fato
de que a esquerda brasileira e sua intelectualidade estavam muito mais
encantadas com as experiências revolucionárias da “guerra de movimento” do que
preocupadas em interpretar a realidade brasileira. Caso lessem Gramsci, com
olhar democrático, quem sabe fossem evitadas a experiência fatídica das
esquerdas armadas, que fez tombar dezenas de militantes, convencidos que
estavam que, no Brasil do regime militar, não havia outro caminho senão o de
derrubar a ditadura e implantar o socialismo pela via das armas.
Só mesmo mais tarde, com o
fracasso das guerrilhas, é que Gramsci vai ser devidamente acolhido, não só nas
universidades, mas também entre os partidos e movimentos de esquerda. Era o
momento em que se abria, em nossa sociedade civil, uma frente ampla contra o
governo militar, que atuava nas brechas deixadas pelo regime. A ideia predominante
era que o caminho deveria ser o de derrotar a ditadura, e não derrubá-la.
Devidamente cidadão brasileiro,
como brinca um de seus melhores intérpretes, o já citado Carlos Nelson Coutinho,
o fundador do PCI e prisioneiro de Mussolini passará a influenciar todo o
conjunto da esquerda brasileira, desde suas frações mais radicais, como o PSOL
e o PSTU, até sua parcela mais moderada. Gramsci, no entanto, vai ser lido das
mais diversas formas, algumas delas, bizarras.
Sabemos que a produção de sua
obra se deu em condições precárias, no cárcere fascista e sob severa
vigilância. Um livro sequer foi escrito por ele. A obra madura do comunista da
Sardenha, escrita em cadernos escolares de capa dura, só nos chega hoje graças
a seus editores, e também pelo trabalho de preservação feito por sua cunhada
Tatiana, com quem matinha frequente contato na prisão, e também pelo economista
Piero Sraffa, provável agente da KGB.
Sendo assim, é compreensível
diversos olhares sobre seus escritos, o que não significa, porém, autorizar
distorções. Do tipo daquela que o coloca como um socialdemocrata, arrependido
do comunismo. Pior, há ainda os que apoiam a equivocada tese de que nos
escritos da maturidade, Gramsci seguiria apoiando a tática de ataque aberto ao
Estado como forma de revolução.
Parece claro que nosso autor
tenha levado para sua reflexão carcerária, o dilema do sucesso revolucionário
em sociedades atrasadas (Russia) e o fracasso nas desenvolvidas (Alemanha). A
conclusão que chega vai aparecer em dois preciosos conceitos: o de Ocidente e
Oriente. O primeiro, seria as realidades onde há equilíbrio entre o Estado,
visto como coerção, e a sociedade civil, lugar de produção de consensos. Já no
Oriente, para usar suas próprias palavras “O Estado é tudo, e a sociedade civil
primitiva e gelatinosa”. Diante desta constatação, Gramsci logo elege uma nova
estratégia revolucionária para o Ocidente, que ele chama de “Guerra de posição”,
a saber, uma longa e persistente batalha por espaços na sociedade civil, uma
luta gradual pela conquista da hegemonia.
Ora, fica evidente que Gramsci
não insiste em tomadas violentas do poder, antes, sugere que transformações
profundas em sociedades complexas só se darão em longos percursos de tempo,
através de articulações e disputas políticas que tenham como meta a busca de
aliados e consensos.
No Brasil, podemos dizer que
chegamos a “ocidentalidade” já no segundo Pós-guerra, ainda que um Ocidente do
subúrbio. Fato, ainda, é que mesmo o golpe civil-militar de 1964, não foi capaz
de interromper esta trajetória. Podemos dizer, assim, que nossas expectativas
revolucionárias de hoje, depois dos avanços extraordinários de nossa
democracia, robustamente revigorada na carta de 1988, devem ser todas
depositadas na luta processual, dentro da democracia e suas instituições. Opções
insurrecionais não corresponderiam a nossa realidade, imune que está a simples
assaltos ao poder.
Uma esquerda revolucionária,
que se pretenda moderna, deve ser democrática, definitivamente obediente às
diretrizes constitucionais. Não deve, jamais, instrumentalizar a democracia,
muito menos depositar esperanças em estratégias que se espelham na tomada do
Palácio de governo. O que Gramsci nos ensina, ou pelo menos dá a direção, é que
a política revolucionária deve ser, nas realidades ocidentais, um jogo de
paciência, inteligência e capacidade de concessão. O triste é perceber, desde
já, que nossa esquerda é débil nesta tarefa. A democracia ainda ganha adjetivos
de classe na maioria dos discursos esquerdistas brasileiros. O resultado é
trágico, e não é difícil de perceber.
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