Prestes a completar meio
século, o Golpe civil-militar de 1964 ainda desperta calorosos debates nos
círculos acadêmicos. As leituras sobre as raízes do episódio que interrompeu um
período de quase duas décadas de democracia brasileira, variam de acordo com
correntes teóricas e interpretações próprias. Há os personalistas, que culpam o
perfil vacilante e pequeno burguês do presidente João Goulart, que seria na
verdade um populista sem talento para lidar com as contradições. Há os deterministas,
que veem a inevitável necessidade de um regime autoritário em períodos de alto desenvolvimento
das forças produtivas, a fim de sufocar os conflitos que surgem no seio da
sociedade neste momento. No primeiro caso, um único individuo traçou os
destinos trágicos de uma nação, e no segundo, a força das estruturas forçaram
situações que não poderiam ser evitadas.
Sozinhas, nenhuma das duas
visões é capaz de solucionar o problema. Há de se avaliar os vários atores
sociais presentes no Brasil no conturbado início da década de 1960. De forma
básica, havia, por um lado, uma esquerda radicalizada, que pressionava
insistentemente o governo em uma solução mais rápida para as chamadas reformas
de base. De outro, grupos conservadores, que já há algum tempo vinham tentando
ascender ao poder por vias golpistas. Aconteceu em 1954, 55 e 61. O próprio
João Goulart só tomou posse no lugar de Jânio Quadros, que renunciou seu
mandato presidencial, graças à pressão popular, ainda sim sob regime
parlamentarista, só mais tarde substituído, em plebiscito, pelo
presidencialismo.
O contexto internacional era de
Guerra Fria, e nem as esquerdas e nem a direita estavam dispostos a se manterem
fiéis a institucionalidade democrática. Da parte canhota, havia a acusação de
que os parlamentos estavam corrompidos pelas oligarquias e que, assim, jamais
poderiam atender as necessidades do povo. A reforma agrária, por exemplo,
exigia do Poder Executivo uma indenização, em dinheiro, aos proprietários das
terras desapropriadas. As esquerdas queriam pagamentos com títulos da dívida. O
impasse fez Brizola sugerir o atropelamento do Congresso. Mais tarde, o Serviço de Repressão ao Contrabando
descobriu no interior Goiás um campo de treinamento militar das Ligas Camponesas,
cheio de objetos com referência a revolução cubana. O clima era tenso
Manter-se equilibrado entre
duas forças dispostas a romper com o contrato democrático não era tarefa fácil.
Goulart tentou, em vários momentos do governo, construir consensos, mas era
impossível. Ninguém se dispunha a fazer concessões de seus programas.
Em processo de isolamento, o
presidente apostou nas esquerdas. Tomou as reformas de base como programa
imediato de governo, acreditou na adesão popular em momentos de conflitos e,
sobretudo, achou ter a seu lado parte suficiente das Forças Armadas caso houvesse
tentativa de golpe.
Em 13 de março realizou-se
Comício na Central do Brasil, Goulart discursou ao lado dos principais líderes
das esquerdas, como José Serra e Brizola. Nele, apresentou à nação disposição
para realizar as reformas. No dia 19 de março, setores conservadores da
sociedade civil caminhavam na “Marcha da Família com Deus pela liberdade”
pedindo intervenção contra um fantasioso “golpe comunista” que diziam estar em curso no país. Dos
quarteis, as forças golpistas se organizavam para o enfrentamento, contando na
retaguarda com apoio militar norte-americano. A resistência também tentou se organizar,
mas tanto o apoio popular quanto das Forças Armadas não pareciam suficientes. O
presidente se recusou a dar voz de comando para uma guerra civil, e rapidamente
os golpistas obtiveram êxito. Goulart foi exilado em território nacional, e o
Brasil aceitava, de forma relativamente pacífica, a imposição de uma ditadura
pelos próximos 21 anos.
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