De sua alta pose ideológica,
parte de nossas esquerdas calibrou sua artilharia contra a “imprensa burguesa”.
Esta “malvada mentirosa”, que usa impiedosamente “acidentes” para criminalizar
movimentos sociais.
Convidadas a falar em horário
nobre, estas esquerdas condenam a violência, defendem a democracia. Em seus
blogs, justificam a fúria militante como sendo tão somente reação à rotineira
violência do Estado. Os jovens pobres, estariam apenas devolvendo na mesma moeda a
truculência que recebem cotidianamente.
Em meio a este duelo de
ideologias, que contrapõe uma esquemática interpretação classista dos fatos a
uma verdadeira caça às bruxas, está um cadáver. E não se trata do cadáver de um
alto figurão da chamada mídia corporativa, mas sim um trabalhador, pai de família
em exercício da busca pelo seu sustento. Não é a única e nem será a última
vítima da violência estúpida que regularmente ascende em nossa arena social,
mas é a vítima que ora nos fala. Em nada ajuda diminuirmos a gravidade de uma
tragédia listando outras, denunciado a falta de lentes midiáticas para mortos
que o antecederam. Deveríamos olhar para Santiago Andrade, e refletirmos por
onde pretendemos seguir, com quais métodos, com quais valores. Medir o preço a
ser pago por tentar, na marra, fazer desaparecer problemas históricos da nação.
O mais grave é o silêncio da
política. O parlamento, os partidos, a presidência, deveriam todos ir além de
pesares oficiais, e colocar em curso uma dura e rigorosa reflexão sobre este
amontoado de acontecimentos que põe no centro da preocupação, a democracia. Teríamos
mesmo conseguido fazer andar um caminho irreversível de democratização? Ou
estaríamos com a barbárie avançando debaixo dos nossos narizes?
O rojão que atingiu e matou o
cinegrafista da TV Bandeirantes poderia ter atingido um manifestante, um
vendedor de pipoca, o pai de um black bloc. Teríamos de todas as formas um
cadáver, mas com discussões por outros ângulos, talvez com as esquerdas subindo
em palanques e falando do Estado capitalista assassino. De qualquer forma, seria
a vida sendo subordinada a uma ideologia, a um interesse estratégico. Quando
conseguiremos tomar a civilização como referência? Deixar de lado nossas
diferenças e fazermos encorpar uma sociedade que resolva seus conflitos pela
via da democracia e com o espírito pacífico?
É fato que tudo isso vai
passar. As lágrimas só continuarão a correr nos rostos de amigos e parentes,
que neste momento só pedem para ouvirem seu planto e tomarem medidas para que
outras lágrimas não caiam no futuro.
Enquanto isso, seguimos
trocando acusações, até mesmo fazendo contas eleitorais. Há de se perguntar:
ninguém reparou? Temos um cadáver.
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