quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Ninguém reparou? Temos um cadáver

Por Adelson Vidal Alves

De sua alta pose ideológica, parte de nossas esquerdas calibrou sua artilharia contra a “imprensa burguesa”. Esta “malvada mentirosa”, que usa impiedosamente “acidentes” para criminalizar movimentos sociais.  

Convidadas a falar em horário nobre, estas esquerdas condenam a violência, defendem a democracia. Em seus blogs, justificam a fúria militante como sendo tão somente reação à rotineira violência do Estado. Os jovens pobres, estariam apenas devolvendo na mesma moeda a truculência que recebem cotidianamente.

Em meio a este duelo de ideologias, que contrapõe uma esquemática interpretação classista dos fatos a uma verdadeira caça às bruxas, está um cadáver. E não se trata do cadáver de um alto figurão da chamada mídia corporativa, mas sim um trabalhador, pai de família em exercício da busca pelo seu sustento. Não é a única e nem será a última vítima da violência estúpida que regularmente ascende em nossa arena social, mas é a vítima que ora nos fala. Em nada ajuda diminuirmos a gravidade de uma tragédia listando outras, denunciado a falta de lentes midiáticas para mortos que o antecederam. Deveríamos olhar para Santiago Andrade, e refletirmos por onde pretendemos seguir, com quais métodos, com quais valores. Medir o preço a ser pago por tentar, na marra, fazer desaparecer problemas históricos da nação.

O mais grave é o silêncio da política. O parlamento, os partidos, a presidência, deveriam todos ir além de pesares oficiais, e colocar em curso uma dura e rigorosa reflexão sobre este amontoado de acontecimentos que põe no centro da preocupação, a democracia. Teríamos mesmo conseguido fazer andar um caminho irreversível de democratização? Ou estaríamos com a barbárie avançando debaixo dos nossos narizes?

O rojão que atingiu e matou o cinegrafista da TV Bandeirantes poderia ter atingido um manifestante, um vendedor de pipoca, o pai de um black bloc. Teríamos de todas as formas um cadáver, mas com discussões por outros ângulos, talvez com as esquerdas subindo em palanques e falando do Estado capitalista assassino. De qualquer forma, seria a vida sendo subordinada a uma ideologia, a um interesse estratégico. Quando conseguiremos tomar a civilização como referência? Deixar de lado nossas diferenças e fazermos encorpar uma sociedade que resolva seus conflitos pela via da democracia e com o espírito pacífico?

É fato que tudo isso vai passar. As lágrimas só continuarão a correr nos rostos de amigos e parentes, que neste momento só pedem para ouvirem seu planto e tomarem medidas para que outras lágrimas não caiam no futuro.

Enquanto isso, seguimos trocando acusações, até mesmo fazendo contas eleitorais. Há de se perguntar: ninguém reparou? Temos um cadáver.

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