Encarcerado por seu maior
inimigo, o fascismo, Antônio Gramsci (1891-1937 ) desenvolveu sua obra de
maturidade, os famosos Cadernos do Cárcere. Foi neles que o italiano trouxe sua
maior e mais preciosa contribuição à renovação do marxismo. Foi neles que pode
se conhecer, ou pelo menos interpretar, a proposta estratégica de Gramsci para
se trilhar o caminho da revolução comunista, que dispensava assaltos ao poder e
dava significativa valorização à direção cultural como fator de triunfo.
Aos que se achegam agora a
nosso autor, Gramsci foi um dos principais teóricos e dirigentes do PCI, o
saudoso Partido Comunista Italiano. Preso, mesmo que tendo imunidade
parlamentar, pode, portando 33 cadernos de capa dura, elaborar, em forma de
apontamentos, uma eficiente reflexão, ou reflexões, sobre variados campos, de
literatura a filosofia. Mas o que trouxe
especial interesse foi sua inovadora teoria política.
Gramsci morreu e viveu grande parte
de sua vida como um comunista. Um comunista herético, que apoiou a revolução
bolchevique, mas soube, nos momentos apropriados, apontar críticas corretas ao
caminho autoritário em que se desenvolvia a “Pátria do socialismo”. Foi com sua
capacidade analítica de conseguir compreender as mudanças estruturais que as
sociedades se desenvolviam sob a luta dos subalternos, abrindo espaços novos de
intervenção política, que ele legou a seus contemporâneos a valiosa distinção
entre “Ocidente” e “Oriente”, longe de se resumirem a questões geográficas, mas
sim realidades econômicos-sociais do capitalismo que evoluíam sob sua atenta
observação.
Seu cuidado para com a busca de
consensos como comportamento político dos que se convenciam do esgotamento do
modelo bolchevique de revolução, trouxe até nossos dias os elementos para
construir uma esquerda democrática. Uma esquerda que não instrumentalize a
democracia para fins da “ditadura do proletariado”, mas uma esquerda sensível a
luta por uma nova hegemonia, sustentada e trilhada sob o caminho exclusivo do
Estado de direito, que bem longe de ser uma instância burguesa, é fruto de conquista
civilizatória de vários grupos sociais, sobretudo, os trabalhadores.
Gramsci ainda hoje incomoda os
advogados de um anacrônico “marxismo-leninismo”, adjetivadores da moderna
democracia. Conseguiu conciliar comunistas e liberais, sem jamais ter aderido
ao segundo. Ganhou, em alguns países tardiamente, o lugar de clássico do
marxismo, que como poucos, consegue desfilar por amplas correntes de
pensamento, mesma as moderadas, que guardam respeito e obediência às normas
constitucionais da democracia.
Todo autor corre o risco de ser
traído. Em Gramsci o risco se eleva, principalmente por sua aparente
fragmentação, embora sua obra de maturidade deixe sérios indícios de
sistematização. O inegável, porém, é que sua elaboração teórica feriu
seriamente as abordagens ortodoxas do marxismo do mal chamado “socialismo
real”. Não só foi capaz de denunciar este por traição à dialética, como também
salvou o pensamento de Marx de ser jogado injustamente no lixo da história, por
conta do fracasso do sistema que ousou reivindicar sacra interpretação de sua
obra.
O italiano do cárcere chega aos
nossos dias revigorado, com contribuição indispensável para a esquerda democrática,
esta que tenta corajosamente se erguer e apresentar-se como força capaz de
modernizar os caminhos da construção de uma nova ordem social. Em tempos de
crise de instituições e representações, os ventos que vem da Itália sempre
serão bem recebidos no cumprimento desta árdua tarefa.
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