segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Gramsci e a esquerda democrática

Por Adelson Vidal Alves

Encarcerado por seu maior inimigo, o fascismo, Antônio Gramsci (1891-1937 ) desenvolveu sua obra de maturidade, os famosos Cadernos do Cárcere. Foi neles que o italiano trouxe sua maior e mais preciosa contribuição à renovação do marxismo. Foi neles que pode se conhecer, ou pelo menos interpretar, a proposta estratégica de Gramsci para se trilhar o caminho da revolução comunista, que dispensava assaltos ao poder e dava significativa valorização à direção cultural como fator de triunfo.
Aos que se achegam agora a nosso autor, Gramsci foi um dos principais teóricos e dirigentes do PCI, o saudoso Partido Comunista Italiano. Preso, mesmo que tendo imunidade parlamentar, pode, portando 33 cadernos de capa dura, elaborar, em forma de apontamentos, uma eficiente reflexão, ou reflexões, sobre variados campos, de literatura a filosofia.  Mas o que trouxe especial interesse foi sua inovadora teoria política.
Gramsci morreu e viveu grande parte de sua vida como um comunista. Um comunista herético, que apoiou a revolução bolchevique, mas soube, nos momentos apropriados, apontar críticas corretas ao caminho autoritário em que se desenvolvia a “Pátria do socialismo”. Foi com sua capacidade analítica de conseguir compreender as mudanças estruturais que as sociedades se desenvolviam sob a luta dos subalternos, abrindo espaços novos de intervenção política, que ele legou a seus contemporâneos a valiosa distinção entre “Ocidente” e “Oriente”, longe de se resumirem a questões geográficas, mas sim realidades econômicos-sociais do capitalismo que evoluíam sob sua atenta observação.
Seu cuidado para com a busca de consensos como comportamento político dos que se convenciam do esgotamento do modelo bolchevique de revolução, trouxe até nossos dias os elementos para construir uma esquerda democrática. Uma esquerda que não instrumentalize a democracia para fins da “ditadura do proletariado”, mas uma esquerda sensível a luta por uma nova hegemonia, sustentada e trilhada sob o caminho exclusivo do Estado de direito, que bem longe de ser uma instância burguesa, é fruto de conquista civilizatória de vários grupos sociais, sobretudo, os trabalhadores.
Gramsci ainda hoje incomoda os advogados de um anacrônico “marxismo-leninismo”, adjetivadores da moderna democracia. Conseguiu conciliar comunistas e liberais, sem jamais ter aderido ao segundo. Ganhou, em alguns países tardiamente, o lugar de clássico do marxismo, que como poucos, consegue desfilar por amplas correntes de pensamento, mesma as moderadas, que guardam respeito e obediência às normas constitucionais da democracia.
Todo autor corre o risco de ser traído. Em Gramsci o risco se eleva, principalmente por sua aparente fragmentação, embora sua obra de maturidade deixe sérios indícios de sistematização. O inegável, porém, é que sua elaboração teórica feriu seriamente as abordagens ortodoxas do marxismo do mal chamado “socialismo real”. Não só foi capaz de denunciar este por traição à dialética, como também salvou o pensamento de Marx de ser jogado injustamente no lixo da história, por conta do fracasso do sistema que ousou reivindicar sacra interpretação de sua obra.
O italiano do cárcere chega aos nossos dias revigorado, com contribuição indispensável para a esquerda democrática, esta que tenta corajosamente se erguer e apresentar-se como força capaz de modernizar os caminhos da construção de uma nova ordem social. Em tempos de crise de instituições e representações, os ventos que vem da Itália sempre serão bem recebidos no cumprimento desta árdua tarefa.

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