Uma esquerda que se pretenda
moderna e útil para os nossos tempos deve ser, sobretudo, uma esquerda
acomodada ao jogo democrático, convencida de que a democracia política é o
único terreno pelo qual se devem desenvolver transformações na sociedade. Uma esquerda
constitucional, obediente a Carta de 1988, esta que rege com maestria os 25
anos de verdadeira redemocratização brasileira, consolidando direitos e
liberdades, e oferecendo contínuos espaços para atuação positiva das classes
subalternas na esfera pública.
Permite-se a esta esquerda sonhos
de ruptura anti-capitalista, mas jamais se fazendo simpática a estratégias que
busquem mudanças sociais pelo víeis do autoritarismo. Uma esquerda democrática
não toma de referência o sonho da “ditadura do proletariado”, termo infeliz
recolhido por Marx de Augusto Blanqui, que ainda que sob distorções, favoreceu
o aparecimento de correntes autoritárias dentro do marxismo e da esquerda, hoje
enfraquecidas, mas sobreviventes nos grupos minoritários de caráter extremista.
A utopia revolucionária pode e
deve permanecer viva, mas no contexto de uma proposta reformista, convencida de
que a complexidade contemporânea do poder já não aceita simplificações
grosseiras, que se faz iludir uma sectária e atiçada esquerda, afoita por tomar
o Estado de assalto.
A democracia é um caminho sem
volta. É fruto de um longo processo civilizatório, no qual as classes de baixo,
e não a burguesia, foram as protagonistas. Os parlamentos, as leis, as
liberdades de associação e organização popular foram combatidos pelos primeiros
governos burgueses, e somente com a força do movimento dos trabalhadores que se
ganhou hoje o formato que tem, ainda defeituoso, mas imprescindível para o bom
funcionamento da vida democrática.
Um conceito utilizado pelo sociólogo
francês André Gorz, que ganhou resignificação com o pensador brasileiro Carlos
Nelson Coutinho, a meu ver, traduz a estratégia central desta esquerda
democrática. O conceito é o de “Reformismo revolucionário”, aparentemente uma
contradição, mas que pode se converter em uma ação madura e vitoriosa para a esquerda
do mundo contemporâneo. Com a impossibilidade de revoluções insurrecionais,
propõe-se alterar a estruturas reformando-as, mas vejam bem, não reformá-las
para mantê-las, mas para transformá-las. O reformismo, desde que sob
intensidade adequada, é capaz de corroer a hegemonia do capital, e fazer valer
novas formas de cultura e relação social. Gramsci já falava de uma “reforma
intelectual e moral” como fator antecedente a vinda da sociedade socialista,
mas há que serem feitas reformas no interior do Estado e da sociedade. Se a social-democracia recuou quando suas
reformas ofereciam riscos ao modo de produção capitalista, a esquerda
democrática e reformista de nossos tempos deve ir adiante, sempre buscando a
radicalização democrática como processo de construção de uma nova ordem social.
Esta esquerda ainda não tem
nome, muito menos sigla. Podemos apenas sentir a falta que ela faz,
principalmente quando as lutas populares perigam se reduzir a mascarados
inconsequentes, ou quando as forças democráticas aderem ao conservadorismo,
tratando a democracia como simplesmente as “regras do jogo”. A esquerda
democrática e reformista que tanto o Brasil precisa, ainda está longe de se
firmar como uma alternativa concreta para o país. Enquanto isso vemos ciclos
populistas e autoritários se estendendo, por conta da própria incapacidade
daqueles que se assumem democratas de esquerda de fazer suas ideias circularem
no permanente processo de luta ideológica.