Caríssimo Thiago El Nino,
rapper, músico, cidadão que tanto respeito. Resolvi lhe dirigir esta carta
aberta, por conta do clipe de sua nova música, de título “Amigo branco”. A
propósito, que Clipe!! Uma produção de primeira, com atuação profissional dos envolvidos,
uma presença magistral sua, expressando uma canção de letra bem escrita.
No entanto, El Nino, você é um
artista. O que escreve, canta e fala, influencia pessoas, pode interferir no
imaginário social, exatamente por ocupar um lugar de organizador da cultura. Gramsci
chamaria de “intelectual orgânico”, isto é, aquele que pensa a partir de um
grupo e organiza a visão de mundo trabalhando construções ideológicas. Sendo
assim, está responsabilizado a você muito mais que entretenimento, diversão e
alegria, mas sobretudo, a fundamentação de uma visão de sociedade, que se constrói
ou se destrói a partir da luta cotidiana pela hegemonia cultural.
Partindo disto, me preocupo com
a mensagem que traz sua bela canção. Ela logo de início propõe um diálogo
racial, expondo certa indignação com a condição social dos negros de hoje. Bem,
a meu entender você quer fazer um debate sobre racismo diretamente com os
brancos, como se esta contradição ainda fosse o pilar dos grandes males que
atingem os negros. Parece-me estar claro a intenção quando você diz “Não faz cara ruim, por que essa que é a
verdade” deixando entender que os brancos em geral concordam com a situação
dos negros brasileiros. Isso não é verdade.
Sabemos, é claro, que o racismo
existe nas filas de emprego, nas blitz policiais e em outros lugares, mas pelo
menos no Brasil, vivemos há décadas uma condenação pública a toda expressão de
racismo, o que pode impulsionar a ampliação de leis que criminalizam esta
barbaridade. Hoje, racismo é crime inafiançável.
Amigo El Nino, você também se equivoca
ao dizer “Se houve racismo do estado, tem
de haver reparação” se referindo as políticas afirmativas. Você tem todo o
direito de defender as cotas raciais, mas o fato é que o Brasil não viveu um “racismo
de estado”. Desde a abolição que inexistem no país leis de corte racial, ainda
que tenhamos pecado na ausência de políticas de inclusão do negro no pós-abolicionismo.
Por paradoxo, foi exatamente o movimento negro que nos dias de hoje introduz
via política pública, leis que tratam de forma desigual as pessoas, usando por
critério a “raça”.
Cito ainda o que considero o
mais perigoso trecho de sua música. Nele podemos ler: “O seu avô
roubou do meu para você poder se formar/Ter seu consultório, escritório de
advocacia/ Para
minha continuar escrava da sua família”. Ora, a tese da ancestralidade
já não se sustenta diante dos novos avanços da genética. Uma pessoa de cor
negra pode ter menos genes africanos do que um branco de olhos azuis. O
geneticista Sérgio Penna, da UFMG, fez este teste em personalidades negras, e
descobriu, por exemplo, que Neguinho da beija Flor tem 70% de ancestralidade
européia. Seria assim mais correto chamá-lo de “branquinho da Beija-flor”. Além
do mais, considero uma injustiça atribuir a brancos de hoje a culpa pela
perversidade da escravidão na América portuguesa, que ao contrário do que
muitos dizem, não se baseou de forma central no critério da raça, mas sim na
própria lógica econômica-mercantil do sistema colonial, motivo pelo qual um
negro ao ser liberto poderia escravizar outro. Até mesmo o símbolo da luta dos
negros, Palmares, abrigou escravidão negra, Zumbi mesmo tinha escravos
pessoais.
Finalizo criticando o trecho
falado do fim do clipe. Nele tenta se justificar as cotas raciais na
universidade como sendo uma obrigação da sociedade, em reparação aos anos de
escravidão negra no Brasil. Fala-se ainda que um branco parte na frente do
negro na corrida do vestibular. Não concordo. A barreira que separa os jovens
de um curso universitário é a barreira social e não racial. Colocar negros “majoritariamente”
nas faculdades, e com leis de privilégio, só serviria para reviver rivalidades
raciais, e criar assim um racismo às avessas.
Prezado Thiago, espero que não se chateie pelo que escrevi. E peço desculpas pelo texto longo. Como és um artista, homem público, me senti a vontade para polemizar com sua obra, em forma de carta, já que não tenho o talento musical que em você sobra. Muito sucesso.
Cordialmente,
Adelson Vidal Alves
Endereço onde pode ser visto o clipe: http://www.youtube.com/watch?v=bh9FopAu-vk
Endereço onde pode ser visto o clipe: http://www.youtube.com/watch?v=bh9FopAu-vk