terça-feira, 24 de setembro de 2013

Carta aberta a Thiago El Nino




Caríssimo Thiago El Nino, rapper, músico, cidadão que tanto respeito. Resolvi lhe dirigir esta carta aberta, por conta do clipe de sua nova música, de título “Amigo branco”. A propósito, que Clipe!! Uma produção de primeira, com atuação profissional dos envolvidos, uma presença magistral sua, expressando uma canção de letra bem escrita.

No entanto, El Nino, você é um artista. O que escreve, canta e fala, influencia pessoas, pode interferir no imaginário social, exatamente por ocupar um lugar de organizador da cultura. Gramsci chamaria de “intelectual orgânico”, isto é, aquele que pensa a partir de um grupo e organiza a visão de mundo trabalhando construções ideológicas. Sendo assim, está responsabilizado a você muito mais que entretenimento, diversão e alegria, mas sobretudo, a fundamentação de uma visão de sociedade, que se constrói ou se destrói a partir da luta cotidiana pela hegemonia cultural.

Partindo disto, me preocupo com a mensagem que traz sua bela canção. Ela logo de início propõe um diálogo racial, expondo certa indignação com a condição social dos negros de hoje. Bem, a meu entender você quer fazer um debate sobre racismo diretamente com os brancos, como se esta contradição ainda fosse o pilar dos grandes males que atingem os negros. Parece-me estar claro a intenção quando você diz “Não faz cara ruim, por que essa que é a verdade” deixando entender que os brancos em geral concordam com a situação dos negros brasileiros. Isso não é verdade.

Sabemos, é claro, que o racismo existe nas filas de emprego, nas blitz policiais e em outros lugares, mas pelo menos no Brasil, vivemos há décadas uma condenação pública a toda expressão de racismo, o que pode impulsionar a ampliação de leis que criminalizam esta barbaridade. Hoje, racismo é crime inafiançável.

Amigo El Nino, você também se equivoca ao dizer “Se houve racismo do estado, tem de haver reparação” se referindo as políticas afirmativas. Você tem todo o direito de defender as cotas raciais, mas o fato é que o Brasil não viveu um “racismo de estado”. Desde a abolição que inexistem no país leis de corte racial, ainda que tenhamos pecado na ausência de políticas de inclusão do negro no pós-abolicionismo. Por paradoxo, foi exatamente o movimento negro que nos dias de hoje introduz via política pública, leis que tratam de forma desigual as pessoas, usando por critério a “raça”.

Cito ainda o que considero o mais perigoso trecho de sua música. Nele podemos ler: “O seu avô roubou do meu para você poder se formar/Ter seu consultório, escritório de advocacia/ Para minha continuar escrava da sua família”. Ora, a tese da ancestralidade já não se sustenta diante dos novos avanços da genética. Uma pessoa de cor negra pode ter menos genes africanos do que um branco de olhos azuis. O geneticista Sérgio Penna, da UFMG, fez este teste em personalidades negras, e descobriu, por exemplo, que Neguinho da beija Flor tem 70% de ancestralidade européia. Seria assim mais correto chamá-lo de “branquinho da Beija-flor”. Além do mais, considero uma injustiça atribuir a brancos de hoje a culpa pela perversidade da escravidão na América portuguesa, que ao contrário do que muitos dizem, não se baseou de forma central no critério da raça, mas sim na própria lógica econômica-mercantil do sistema colonial, motivo pelo qual um negro ao ser liberto poderia escravizar outro. Até mesmo o símbolo da luta dos negros, Palmares, abrigou escravidão negra, Zumbi mesmo tinha escravos pessoais.

Finalizo criticando o trecho falado do fim do clipe. Nele tenta se justificar as cotas raciais na universidade como sendo uma obrigação da sociedade, em reparação aos anos de escravidão negra no Brasil. Fala-se ainda que um branco parte na frente do negro na corrida do vestibular. Não concordo. A barreira que separa os jovens de um curso universitário é a barreira social e não racial. Colocar negros “majoritariamente” nas faculdades, e com leis de privilégio, só serviria para reviver rivalidades raciais, e criar assim um racismo às avessas.

Prezado Thiago, espero que não se chateie pelo que escrevi. E peço desculpas pelo texto longo. Como és um artista, homem público, me senti a vontade para polemizar com sua obra, em forma de carta, já que não tenho o talento musical que em você sobra. Muito sucesso.

Cordialmente,

Adelson Vidal Alves


Endereço onde pode ser visto o clipe: http://www.youtube.com/watch?v=bh9FopAu-vk


quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Nada a comemorar



Por Adelson Vidal Alves

O julgamento da Ação Penal 470, conhecida como processo do mensalão ganhou mais alguns capítulos, depois do STF aceitar os chamados embargos infringentes, dispositivo regimental do Supremo Tribunal que dá direito a revisão processual pelo colegiado da alta corte em relação às penas dos acusados.

A decisão veio na contramão da opinião pública, e entra em choque com o espírito que levou milhões de pessoas ás ruas no mês de Junho, indignadas com a impunidade e a corrupção. Ainda que caibam debates no campo jurídico, o STF prestou indiscutível desserviço pedagógico, ao fortalecer a cultura de que, no Brasil, criminosos de colarinho branco não vão para a cadeia. Não só o Tribunal sai desmoralizado, mas a própria democracia republicana é colocada em xeque, e a confiança nas instituições fica ainda menor.

Mas em meio a isso tudo há quem comemore a decisão do STF. São petistas e simpatizantes do governo, que teimam advogar a bisonha tese de que o mensalão é tão somente invenção da “mídia golpista”. Para além dos traumas que tal decisão possa trazer a nação e a democracia brasileira, os petistas e seus pares deveriam refletir melhor sobre as conseqüências eleitorais que os caminhos da AP 470 podem trazer ao atual bloco no poder. Seria melhor para Dilma e o PT que o julgamento se encerrasse de vez, e deixasse o tempo minimizar os estragos morais que poderiam atingir o partido. Com o acontecimento, estende-se um tema que pode voltar à tona exatamente nas eleições de 2014. É possível que novas jornadas de Junho apareçam, e a sociedade se sinta provocada. E quem mais perde com isso? O PT.

O Planalto ainda precisa conviver com a debandada de alguns aliados e pressão de outros. O PMDB ameaça deixar o governo, e passa a cobrar mais espaços na possível reforma ministerial de Dezembro. O PSB já entregou seus cargos ao Planalto, deu o primeiro passo para a candidatura própria de Eduardo Campos, e pior, sai em rota de colisão com o PT. Os socialistas já pediram a seus antigos aliados que também deixem os governos estaduais governados por seu partido. Dilma perde um aliado de peso, um partido que cresce eleitoralmente, e que dava sustentação ao governo pela esquerda, tendo uma história respeitável como força política do socialismo democrático.

O governo ainda responde por denúncias de corrupção no Ministério do trabalho, sofre com o fracasso da política econômica, a volta da inflação, o fantasma do desemprego e os baixos níveis de crescimento econômico.

Definitivamente nada a comemorar. O partido que até pouco tempo dava como certa sua reeleição em primeiro turno, começa a ter que lidar com problemas sérios, que mal resolvidos podem custar seu posto maior no Estado brasileiro.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

O PT contra a República



Por Adelson Vidal Alves


Nunca na história deste país um partido se apossou tanto dos órgãos institucionais para fins próprios. Em 10 anos de governos do PT, os organismos estatais republicanos viraram micro-comitês partidários servindo, além de alojamentos para a militância profissionalizada, como ferramentas de aparelhamento do Estado com fins de perpetuação do poder.
Não é de hoje que o petismo mostra desapreço pela democracia republicana. Lembremos que o partido se negou a ir ao colégio eleitoral no processo de redemocratização brasileira em 1985, e pior, recusou–se a homologar a Carta Constitucional de 1988, a mais democrática de nossa história.

No poder desde 2003, o PT trabalha para difundir o mito fundacional, tentando doutrinar o país para uma visão que transfere a descoberta do Brasil para o ano da posse de Lula. Nesta perversa empreitada combinam elementos de propaganda governamental, cooptação da sociedade civil e um recrutamento de novos militantes, acríticos e preparados para reproduzir as fantasiosas teorias de conspiração montadas a partir do Planalto. Difícil não dar boas gargalhadas quando nas redes sociais aparecem petistas inocentando José Dirceu, acusando a mídia de inventar o mensalão, ou de que o governo estaria sob ação desestabilizadora orquestrada pelas elites.

A grande preocupação, no entanto, está no relativo sucesso deste projeto. Afinal, o partido chega ao seu terceiro mandato, com chances de estender ao quarto, ainda que fracassando na política econômica e na distribuição de renda. Faltando com reformas estruturais, bolsificando a miséria e retrocedendo na democracia política.

A sobrevivência do poder petista se apóia, porém, na fragilidade das oposições. Estas não conseguiram formular uma alternativa democrática ao bloco político no governo, resumindo-se as críticas no campo da ética, quando esta desaparece nos horizontes eleitorais dos grotões de miséria que o PT utiliza como curral de votos. Faz-se urgente que novos projetos de país apareçam no campo oposicionista.

Enquanto isso, o Planalto segue boicotando a criação de novos partidos, petistas miram a imprensa como inventora do maior esquema de corrupção da Nova República, o STF é constantemente atacado como arauto da injustiça, e os movimentos sociais sucumbem ao transformismo. O Brasil vai sofrendo, assim, retrocessos de caráter anti-republicano.


quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O socialismo democrático de Allende



Por Adelson Vidal Alves


Há exatos 40 anos um golpe militar interrompia a mais extraordinária experiência de tentativa de uma via socialista pelos caminhos democráticos. O golpe militar de 11 de setembro de 1973 foi dado pelas elites chilenas com aberto apoio externo dos EUA, derrubando o governo de Salvador Allende, eleito em 1970 a frente de uma coligação de esquerda chamada Unidade Popular (UP).

Ao assumir a presidência do Chile, Allende, um político de alta experiência na vida pública, inicia o que ficou conhecida como “via chilena para o socialismo”, introduzindo elementos socialistas na sociedade através de reformas e estatizações. Ainda que deixando claro sua responsabilidade para com a ordem constitucional, Allende foi visto com péssimos olhos pelos norte-americanos, que tinham nele o risco de se implantar um regime socialista em território latino. O ambiente era de paranoias, promovidas pela guerra fria.

Os 3 anos de governo da UP foram capazes de fortalecer uma corrente de pensamento marxista que dispensa insurreições revolucionárias na transição socialista. O exemplo chileno seria uma espécie de precursor do eurocomunismo, que teve no Partido Comunista Italiano sua maior expressão. Os eurocomunistas defendiam a chegada ao comunismo em respeito às regras democráticas.

O socialismo democrático de Allende trouxe grandes lições para a esquerda democrática moderna. Se por um lado confirmou a correta opção de se traçar os rumos revolucionários pela via institucional, dispensando assaltos ao poder, por outro lado demonstrou que tal caminho exige cuidados, já que as classes dominantes estão prontas para quebrar as regras do jogo quando veem seus privilégios ameaçados. A guerra de posição travada pelo governo da UP se deu em meio não só a um contexto geopolítico desfavorável, mas também pelo limitado acúmulo de forças que conseguiu internamente, sem falar nas próprias contradições apresentadas pelo bloco político no poder.

Salvador Allende foi eleito sem maioria dos votos, precisando ainda de fazer articulações no parlamento. Ainda sim teve a coragem de assumir projetos que combatiam de frente a lógica do capital. Sua derrota está longe de significar o fracasso das correntes que defendem o caminho democrático para o socialismo. Pelo contrário, ela só veio confirmar o que a realidade contemporânea apresenta com abundância: a democracia é o valor universal sob o qual se erguerá uma nova ordem social.


segunda-feira, 9 de setembro de 2013

A naturalização da corrupção



Por Adelson Vidal Alves

No domingo, 1 de Setembro, o programa Fantástico da rede Globo apresentou reportagem sobre um possível esquema de corrupção envolvendo parlamentares no aluguel de veículos com uso de recursos públicos. Segundo denúncias, 21 deputados estariam usando empresas de fachadas na execução dos serviços. O caso já está sob investigação dos órgãos competentes.

Pois bem, a matéria do programa causou espanto entre os telespectadores. Não só por conta da possível comprovação de mais um caso de corrupção via agentes públicos, infelizmente, abundante nos noticiários nacionais. Mas, principalmente, por conta da forma como tudo foi visto pelo olhar de um dos parlamentares: Jorge de Oliveira, o Zoinho (PR). O deputado fez duas declarações lamentáveis. Na primeira ele é enfático: Dizer para você que eu sou 100% honesto... 100% honesto só Jesus Cristo” para depois complementar "Santo em Brasília, não existe. Da fronteira do Distrito Federal com os outros estados, eles não entram".  Ao invocar Jesus Cristo como o único 100% honesto, Zoinho atribui a honestidade total como sendo de atributo exclusivo dos seres divinizados, para depois frisar que em Brasília todos os deputados cometem desvios de condutas. A repercussão das infelizes declarações causou uma debandada de seus apoiadores e eleitores, mas teve ainda quem tratasse o assunto como “tempestade em copo d’água”. Para muitos, Jorge de Oliveira foi “sincero” em suas colocações. Nem mesmo o guru de Zoinho chegou a tanto. O deputado Anthony Garotinho lamentou em plenária a generalização feita pelo parlamentar.

O fato, porém, é que Zoinho tratou o câncer da corrupção como sendo algo inerente a natureza humana e social. Estaríamos todos reféns de um “fatalismo” que levaria inevitavelmente o conjunto da humanidade ao desvio ético. A afirmação partiu de quem menos poderia fazê-la, ou seja, um representante público, eleito pelo povo.

Sabemos que a corrupção tem raízes sociais. Ela se sustenta em meio a um sistema político-eleitoral que permite a interferência do poder econômico nos mandatos e candidaturas, que oferece benesses excessivas a deputados, vereadores, prefeitos e presidentes. Que faz do posto de serviço público uma fonte inesgotável de poder. O que faz da picada da mosca azul um risco constante. Contudo, não significa que todos os que assumam postos de representação sejam obrigados a se corromper e que estejam sob o determinismo de praticarem atos ilícitos. As afirmações de Zoinho prestam terrível desserviço pedagógico, difundindo ao senso comum o trágico sentimento que ninguém escapa a corrupção. De que adiantaria combatê-la se ela estaria no DNA dos indivíduos e das instituições? É essa a mensagem que passa o parlamentar.

Em tempos onde as multidões se lançam ás ruas cobrando transparência pública, mirando as instituições como principais responsáveis pela roubalheira do patrimônio público, Zoinho só vem a reforçar a alienação política e o preconceito contra os pilares da democracia representativa. Suas palavras, em rede nacional, enfraqueceram ainda mais os órgãos institucionais que sustentam nossa democracia. Em poucas palavras, Jorge de Oliveira conseguiu expor a todo o Brasil a desalentadora notícia de que a corrupção é algo que não tem fim, afinal, todos de certa forma seriam desonestos. Triste !