Em 1808 desembarcava no Brasil cerca de 15 mil pessoas,
entre elas conselheiros, ministros e burocratas em geral, que acompanhavam a
família real portuguesa, esta em fuga das guerras napoleônicas da Europa.
Instaladas no Brasil, modificaram significativamente nossa pacata realidade urbana,
deslocando o eixo administrativo da metrópole para o Rio de Janeiro. Dava-se
inicio nosso processo de independência.
A permanência da corte portuguesa no Brasil se deu até 1821,
quando Dom João foi obrigado a voltar a Portugal, logo após uma revolução
liberal ocorrida em 1820 no país. O liberalismo da chamada "Revolução do Porto"
limitava-se a sua oposição ao absolutismo, pois em relação a suas colônias
permanecia a idéia de retomá-las para seu controle. O Conselho Regente de
Portugal convocou ainda o príncipe Pedro para retornar a metrópole, quando seu
pai já havia acatado a decisão do Conselho, temendo perder o trono. Numa
disputa que envolveu os interesses metropolitanos e do “Partido brasileiro”,
Pedro decidiu pela permanência em 9 de Janeiro de 1822, no que ficou conhecido
como o famoso “Fico”. Daí em diante as contradições de interesses dos atores
envolvidos iria desembocar no conhecido grito às margens do Rio Ipiranga, em 7
de Setembro de 1822. Era nossa independência. Reconhecida pelos Estados Unidos
só em 1824, e que enfrentou várias tentativas de desestabilização. As tropas em
Salvador, por exemplo, só venceram definitivamente os portugueses em 2 de Julho
de 1823, data ainda hoje comemorada por muitos baianos, comparável ao 7 de
Setembro.
Nosso processo de independência tem sido interpretado por
várias correntes historiográficas como sendo uma espécie de acordo entre as
elites. E faz sentido. Basta o fato de toda sua direção ter tido na frente um
herdeiro do trono português. A história brasileira é abundante em transições
feitas pelo alto, com retirada do protagonismo popular. Não é verdade,
entretanto, que em nossa independência não tenha havido lutas. Tomemos como
exemplo a Inconfidência Mineira (1789) que nos legou um herói nacional (celebrado
com feriado em 21 de abril), a Conjuração dos Alfaiates (1798) e a Revolução Pernambucana
(1817).
O fato é que as pressões de baixo obrigam manobras das
elites para que concessões sejam feitas, sem, no entanto, ferir os interesses
de cima. A independência brasileira mudou as relações internacionais e administrativas,
mas manteve intactos os problemas sociais, principalmente a escravidão, só
abolida em 1988. Ponto importante a ser destacado, é que 1822 deu inicio a “transformações
por cima” em vários momentos de nossa história, quase sempre tendo o Estado como
núcleo diretivo. Explica-se assim, a permanência de elementos de uma cultura
autoritária e até mesmo “estatolátrica” no imaginário brasileiro.
Quase dois séculos depois do grito de Dom Pedro I, o Brasil é outro.
Rompeu dependências, ingressou no mundo globalizado, avançou em questões de
autonomia econômica. Contudo, problemas centrais de nossa história permanecem
tragicamente presentes. A pobreza, a desigualdade e a violência urbana, são fatores
que podem produzir novos gritos de independência, desta vez não mais com
sotaques imperiais, mas com legítima característica popular. O grito que nos
tirará da vergonhosa situação de país mais desigual no continente mais desigual
do mundo.
Neste 7 de setembro, em meio
ao embalo das Jornadas de Junho, temos mais uma oportunidade de refletir novos
rumos para nossa nação, que emancipe de vez não só o país, mas cada um dos
cidadãos que aqui habitam e que todos os dias se sentem colônias pessoais da
perversidade sistêmica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário