Por Adelson Vidal Alves
O advento do capitalismo
introduziu na sociedade moderna enormes transformações nas relações sociais. Dentre
elas, destaca se a organização produtiva coletiva, onde cada vez mais gente saía
de suas pequenas e solitárias unidades produtivas para ingressar em grandes
fábricas, que em seu modelo de produção obrigava milhões de pessoas a
vivenciarem juntos o processo de fabricação de bens consumo. Tal vivência
também se estendia às conversas sobre o cotidiano. Pela primeira vez na
história os trabalhadores poderiam refletir juntos a exploração que sofriam.
Para Karl Marx, fundador do
socialismo científico, a aglomeração de operários nas grandes fábricas modernas
trazia em si um potencial revolucionário, já que fazia interagir a indignação
diante da opressão em que estavam expostos. Em tom messiânico o filósofo alemão
chegou a afirmar categoricamente que eram eles, os proletários, os “coveiros”
do capitalismo, ou seja, os sujeitos de sua destruição.
O pensador comunista foi mais
além e desenvolveu uma teoria da revolução. Alguns pontos devem ser lembrados.
1) Os operários, para Marx, se tornariam gradualmente mais homogêneos 2) Estes
trabalhadores do capitalismo, com o tempo, se empobreceriam cada vez mais, dada
a busca incessante de lucro por parte da
burguesia 3) A sociedade tendia a se “proletarizar”, tornando as massas
revolucionárias bem mais robustas. 4) Seria a classe operária e seu partido os
sujeitos de revolução.
Passados mais de um século, as
transformações da contemporaneidade contrariaram Marx, vindo a forçar assim
novas reflexões sobre a centralidade do trabalho na sociedade e a vocação
revolucionária do operariado fabril. A questão está no fato de que o
proletariado se tornou mais heterogêneo em meio a reestruturação produtiva, o
trabalho se diversificou, os trabalhadores obtiveram ganhos sem precisar romper
com a ordem do capital, e os partidos operários são hoje obrigados a dar
ouvidos aos novos atores coletivos que ora nos apresentam.
A diversificação do mundo do
trabalho é hoje um obstáculo a consciência de classe. As unidades produtivas do
tempo toyotista consagram uma produção fragmentada, um trabalhador
multifuncional sob um ideal de gerenciamento que tenta minar qualquer percepção
de luta de classes. Um operário na linha de montagem sofre mais valia, assim
como um operador de informática em seu aconchegante escritório, longe da
barulheira do maquinário. Contudo, a unidade de consciência de ambos se torna
mais difícil, separados que estão por uma cultura de divisão que caracteriza aqueles
que o sociólogo Ricardo Antunes chamou de “classe-que-vive-do-trabalho”.
Estes a quem Antunes se refere,
a meu ver, permanecem como linha de frente da revolução, mas o maior desafio é
exatamente conectá-los a uma unidade mínima de consciência, assim como
aprimorar suas relações com o caldo social que emergiu a partir desta nova e
complexa sociedade globalizada.
O fato, infelizmente, é que
sindicatos e muitos partidos de esquerda não conseguiram se adaptar a esta nova
realidade. Permanecem cegos em seus arcaicos jargões classistas, dispostos a
mover greves instantâneas e tomar o poder de assalto. Produzem um paradoxo onde coloca a própria
esquerda em crise, exatamente no momento em que seu principal inimigo, o
capitalismo, dá claro sinais de esgotamento. Recuperar a capacidade de
mobilização popular depende, nos dias de hoje, da nossa capacidade de entender
o mundo, para nele intervir. Unir teoria e prática nunca foi tão urgente.