segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Um novo partido para um mundo novo



Por Adelson Vidal Alves

A democracia de partidos que vigora em nosso país contabiliza mais de 30 legendas partidárias no TSE, sem falar em outras que permanecem em processo de construção. A consagração da pluralidade partidária, típica de democracias avançadas como a nossa, mostra a diversidade de organização política nos tempos modernos, que expõe uma realidade complexa que supera a simplificada divisão de classes dos séculos passados.

O mundo contemporâneo é globalizado, com profundas metamorfoses no mundo do trabalho, com questões pulsantes de gênero e insistentes construções de identidades a partir da “raça”. Organizar uma direção política que universalize as atuais demandas setoriais permanece, a meu ver, como papel do partido político, ainda que este, em abundância no Brasil, enfrente não só crises éticas, mas também ideológicas. Dos mais de 30 já citados, pouquíssimos guardam algum vínculo ideológico, ou mesmo representam frações sociais na luta por seus direitos. São, na verdade, ferramentas de revezamento do poder, parte de uma engrenagem que não põe em cheque os conflitos da nação, antes servem aos interesses corporativos de pequenos segmentos dominantes.

Repensar novos partidos pressupõe repensar partidos novos, que não só frisem a necessidade de novas práticas políticas, mais éticas e engajadas, mas que, sobretudo, seja capaz de captar todas as novas formas de expressão do ser social. Faz-se necessário um compromisso inegociável com a democracia política, seja “para fora” ou “para dentro”, isto é, que esteja em sintonia com vida do poder público estatal, mas que mantenha formas democráticas de ordenamento interno. Seria anacrônico insistir em “centralismos democráticos”, que serviram para uma época de extrema restrição as liberdades, mas hoje se mostram envelhecidos. Um novo partido deve respeitar a existência de minorias internas, se resolver a partir de uma insistente busca de consenso, flexibilizar a expressão pública das idéias de seus membros, horizontalizar ao máximo suas ações e dar voz protagonista aos militantes de base

Não devemos desconsiderar que o surgimento de legendas com perfis democraticamente refinados não depende apenas da boa vontade de meia dúzia de ideólogos, deve acima de qualquer coisa ter respaldo material da realidade concreta. Para ser mais preciso, seu êxito dialético entre o esforço subjetivo e as condições da objetividade.

O Brasil vive hoje uma letargia política, causada pela absorção de parte importante de nossa jovem sociedade civil para o bloco do poder. Somam-se ainda as heranças culturais de uma construção histórica que deu forças ao Estado em contraponto aos organismos das vontades coletivas da sociedade civil. Desta forma, a identificação de bandeiras e projetos antenados com as demandas atuais é ponto de aglutinação para que o amplo leque de novos atores sociais possam se reanimar para uma disputa mais ampla da sociedade, ou seja, a disputa pelo poder transformador, pela construção de uma nova ordem hegemônica.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Cultura democrática



Por Adelson Vidal Alves

A história das lutas sociais brasileiras que nos conduziram lentamente a regimes democráticos, ainda que com oscilações históricas, contou ativamente com a presença dos grupos subalternos, sem que, no entanto, ocupassem espaços diretivos e organizativos nos processos de transição do poder. Desde a revolução de 30 até a redemocratização de 1985, os extratos sociais de cima, particularmente as burguesias industriais e agrárias, assumiram os rumos conservadores da modernização do Brasil, ainda que fazendo concessões as pressões que vinham de baixo.

A década de 1980, que viu a emergência de uma robusta e plural sociedade civil em nosso país, foi o terreno histórico pelo qual moldamos institucionalmente nossa democracia moderna. O aparecimento de atores coletivos como a CUT, o MST e o próprio PT, deram os contornos populares que integraram nossa redemocratização, consagrada na Constituinte de 1988. Hoje a democracia brasileira, a partir de sua carta constitucional avançada, nós dá campo de atuação política em profundo respeito a diversidade de organizações voluntárias dos vários atores políticos. Temos, assim, um regime estável para que se trave, no âmbito das instituições, uma disputa política relativamente equilibrada entre as várias frações de classe que compõem a sociedade brasileira.

Contudo, a democracia não se resume a instituições estatais, estas são conduzidas por homens, e são reflexos da disputa hegemônica que se trava na sociedade civil. Se no Brasil o jogo democrático tem segurança institucional, por outro lado não está isento de elementos autoritários que se inseriram e permanecem insistentemente em nossa cultura, graças a “via prussiana” que nos trouxe a contemporaneidade.

Neste aspecto, impossível desprezar a realidade autoritária em nosso país. A emissão excessiva de medidas provisórias, o apreço popular pelo executivo e um certo desdém pelo legislativo, logo nos mostram uma cultura que entrega ao “Estado executor” as responsabilidades para com os problemas públicos, ignorando a complexidade que exige a relação dos poderes. Estes, que por sua vez, dialogam em imensos balcões de negócios, regados a compra de parlamentares, seja para uma PEC de reeleição, seja para aprovação de projetos de interesses corporativos. As instituições são sólidas, e ganham consenso para funcionamento frente ao nosso contrato social, mas sua lógica de ação responde por uma cultura autoritária enraizada a partir de nosso “prussianismo”.

A cultura democrática é frágil. Isto por conta de estarmos dentro de um modo de produção que bloqueia relações solidárias entre as pessoas, sobrevivendo a custa de um individualismo selvagem. Porém, há de fugirmos do economicismo, e nos responsabilizarmos pela atuação livre não só dos agentes do Estado, como também os que compõem nossa sociedade civil. A recepção da blogueira dissidente cubana, Yoani Sánchez, por parte de nossa esquerda, deu um reduzido cartão de visita a jornalista, que testemunhou o enraizamento autoritário em setores de nossa esquerda, que clamaram por democracia em outros tempos de chumbo, mas hoje sentem-se a vontade para impedir as vozes que falam ao contrário de seus dogmas.
  
Até mesmo a consolidação de um amplo setor de mobilização das chamadas “minorias”, vem se dando ao custo de glorificar o “politicamente correto” com o dedo em riste a quem discorda legitimamente de suas reivindicações. É perceptível que o movimento negro tente rotular seus adversários de pauta, nos mais grosseiros adjetivos, a fim de colocá-los na incômoda situação de “inimigos da justiça aos afrodescendentes”. Já os homoafetivos, adotam agora a tática de mexer no bolso de seus discordantes, seja com processos bizarros de homofobia, seja para cassar direitos profissionais, como o recente caso do Pastor Malafaia, um visível conservador moralista, mas com um discurso afinado com os preceitos legais da liberdade de expressão.

Uma esquerda democrática, que se pretenda moderna, deve estar atenta a todos os recuos institucionais que por acaso nossa frágil cultura democrática apresente. Como já nos ensinava Gramsci, há de se lutar por uma “Reforma moral e Intelectual” em nossa sociedade, pressuposto indispensável para que o funcionamento de nosso modelo societal ganhe forma civilizatória e amplamente democrática. O campo para se travar esta luta é a Sociedade Civil, de onde se modelam visões de mundo hegemônicas, pelo qual se pretendem universais e fundadoras de uma outra ordem social, no qual a democracia encontrará sua forma plena.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Yoani Sánchez e a esquerda caduca



Por Adelson Vidal Alves

O desembarque da blogueira dissidente cubana Yoani Sánchez no Brasil mostrou não só o lado deselegante de uma parte de nossa esquerda, como também seu visível caráter autoritário. Militantes da UJS (União da Juventude Socialista) ligados ao PC do B, jogaram dólares falsos, e dificultaram o trânsito de Yoani pelo aeroporto. Por fim ela precisou mudar seu trajeto.

Ao ser questionada sobre o acontecimento, a editora do blog Generacion y preferiu exaltar a democracia daqueles jovens em poder protestar contra algo, coisa que em seu país seria impossível. Os militantes acusam-na de receber dinheiro do governo americano para atacar o regime cubano.

Os cartazes dos militantes expõem o perfil da intolerância, do ódio e da agressividade anti-democrática. Frases como “Persona Non grata” ou “fora Yoani”, fazem cair a máscara do falso discurso democrático destas esquerdas, que se recusam a fazer autocrítica em relação a tirania política que se estabelece em Cuba. Como soldados bem treinados, o minúsculo grupo de jovens optou por exaltar o governo castrista, e ocultar os fuzilamentos, o unipartidarismo, a censura, os bloqueios a liberdade de ir e vir que existem na ilha, vindo por fim, ainda, qualificá-lo de socialista.

A total ignorância desta juventude manipulada, porém, pode não ser o único motivo para tanta selvageria. O próprio governo já admitiu que forneceu dossiês sobre Sánchez a partidos e movimentos de esquerda, tudo sob o teto da embaixada cubana. A sinistra estratégia tinha como objetivo tumultuar o trabalho da blogueira pelo país.

Que militantes de uma esquerda caduca tomem partido de governos ditatoriais, praticando ações de censura e violação dos direitos democráticos, ainda podemos nos esforçar por entender, mesmo que combatendo duramente. Mas daí um governo sob a égide do Estado de direito ser cúmplice de uma visível violação de nossa soberania e assuntos internos, a situação se agrava e muito.

A oposição precisa exigir do governo explicações sobre tamanha afronta a democracia e o respeito as autonomias nacionais. E que Dilma tenha o bom senso de pelo menos assumir sua função de chefe de Estado. Ainda que não consiga esconder sua simpatia pelo governo dos irmãos Castro.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Dilma X Lula é possível



Por Adelson Vidal Alves

A política é mesmo dinâmica. Os feiticeiros que se arriscam em previsões de longo prazo quase sempre desacreditam seus caldeirões. Vejam só ! A popularidade transbordante de Dilma, que a fez superar até mesmo seu criador, pode, no fim das contas, acabar num quadro de recordações em sua parede. Isso se seu partido recorrer ao criador e ignorar os esforços da criatura na disputa presidencial de 2014. Motivos para isso o partido tem.

Dilma nunca foi petista nem lulista, é brizolista. Tem pouca força dentro do PT, é olhada com desconfiança pela base aliada, principalmente por seu perfil rígido, centralizador e mal humorado. Gestora competente, é pouco habilidosa no trato com as contradições. Lula, por sua vez, é carismático, maquiavélico, inescrupuloso e personalista. Tem o partido nas mãos, as centrais sindicais a seus pés, e é bem mais generoso com os aliados. Dentro de uma possível debandada de apoiadores e de construção de candidaturas próprias, Lula seria sem dúvida a arma mais poderosa para se enfrentar a tão temida perda de hegemonia de seu partido.

O fato é que, retirando o eternamente fiel PC do B, e o aliado natural PMDB, o governo terá mesmo que trabalhar forte para que sua base política não se desintegre. PSB e PDT já planejam vôos próprios, e outras legendas de menor porte já começam a se assanhar por maiores pedaços no bolo do poder. Tudo por conta de uma possível disputa interna dentro do PT, já que Dilma parece não se render ao “pragmatismo” da cúpula dirigente do partido, que vem dando sinais claros de querer de volta o coronel maior do latifúndio petista.  

Tudo é possível. Até mesmo um enfrentamento entre a afilhada e seu padrinho eleitoral. Não seria nenhum absurdo Dilma deixar o PT e buscar alguma legenda para disputar a presidência, caso Lula venha mesmo cobrar a cadeira presidencial, que julga ter concedido por empréstimo.

Ainda que longe do pleito presidencial, tudo indica (sem querer ser feiticeiro) que o bloco do poder sofrerá dissidências, e que a oposição apresentará novos quadros interessantes, que vão desde o prestigiado Eduardo Campos, até a carismática Marina Silva, passando pelo enfraquecido, mas ainda credenciado PSDB de Aécio Neves.

Talvez vejamos, enfim, a interrupção do caráter plebiscitário das eleições presidenciais. Neste caso, seja qual for o resultado, a democracia sairá fortalecida.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Cultura sem povo


Por Adelson Vidal Alves

Falta uma identidade de concepção de mundo entre escritores e povo, ou seja, os sentimentos populares não são vividos como próprios pelos escritores, nem os escritores desempenham uma função educadora nacional , isto é, não se colocaram e não se colocam o problema de elaborar os sentimentos populares após tê-los revivido e dele se apropriado.

(Antônio Gramsci)

O processo de transição brasileira para a modernidade capitalista se caracterizou por arranjos “por cima”, estabelecidos pelas classes dominantes e com restritas concessões aos setores subalternos. O não protagonismo dos “de baixo” nos herdou uma realidade social e política extremamente autoritária, já que além de conservar as estruturas de dominação, fortaleciam um estado dominador e enfraquecia a sociedade civil.

Mesmo nos dias de hoje, aonde nossa democracia vem se consolidando cada vez mais nos marcos institucionais, ainda sim é possível ver ações antidemocráticas no campo da política, como as excessivas medidas provisórias e nas relações comerciais entre os poderes republicanos.

Mas o que quero abordar neste curto artigo é a relação entre o fenômeno citado, que Gramsci chamou de “revolução passiva”, com a produção cada vez mais evidente de escritores, artistas e intelectuais sem nenhum vínculo com as bases populares de nossa sociedade. São todos produtores de uma arte que descreve um povo a partir dos olhares das elites, completamente divorciados de sua realidade social, e totalmente desconectados com a dor das camadas de baixo e dos interesses nacionais. A história da cultura e intelectualidade brasileira é a história da rejeição do “nacional popular”.

A questão começa a ser desvendada na medida em que nossas revoluções passivas (Independência, abolição, República, Revolução de 30 e etc) se produziram em meio a cooptação de nossa intelectualidade, dentro de um fenômeno que o teórico italiano denominou “transformismo”. Salvo exceções gloriosas como Graciliano Ramos e Lima Barreto (este só conheço superficialmente), que desenvolveram uma produção literária conectada com a dor dos oprimidos de nossa nação, nossos intelectuais desembocaram para a burocracia estatal, e fazem arte como “castas hierárquicas” para além do povo e sua vida social.

O agravante, abusando das categorias gramscianas, está no fato de que esta atuação cultural, situada no campo da sociedade civil, acaba por fortalecer a hegemonia dos grupos dominantes, já que falta a elevação da criticidade popular, que seria possível por meio de um casamento estável entre o povo e os intelectuais.

Nos dias de hoje poderíamos selecionar artistas, poetas, escritores, músicos e intelectuais que de alguma forma ainda tentam articular uma cultura “Nacional-Popular”, comprometida na construção de novas vontades coletivas transformadoras. Mas o predomínio fica por conta daqueles que não conseguiram romper com os rumos de nossa história, e seguem distanciados de seu chão, optando por uma arte elitista com significativa dependência do Estado.

Fazer cultura não é o simples exercício de uma criatividade inata, é antes tudo trabalhar dialeticamente sob a realidade histórica em que se vive, como nos ensinava Lukács. É sobretudo estar inserido dentro de uma disputa de visão de mundo, onde as classes proprietárias tentam usar de seus "intelectuais orgânicos” para formar consensos no campo da moral, e as classes trabalhadoras se esforçam no mesmo sentido.

O surgimento de artistas e intelectuais que vivem a cultura em diálogo com os problemas de seu povo e nação é condição indispensável para o advento de outra ordem social. O caminho, porém, parece ser longo.