Permanece vivo nos dias atuais
o debate quanto ao valor universal da democracia, introduzido de forma original
em nosso país pelo filósofo Carlos Nelson Coutinho. Em seu artigo de 1979, Coutinho defendia que a
democracia não deveria ser descartada quando chegado o socialismo, pelo
contrário, seria por ela e com ela que a nova ordem social seria erguida. Naquele
momento o filósofo recebeu fortes críticas, tanto pela esquerda (com os
chamados marxistas-leninistas) como pela direita (ditadura militar). Os primeiros,
ainda que com menos força, se conservam atualmente, reproduzindo a velha tese
de que nossa atual democracia é tão somente uma fachada da ditadura da
burguesia.
A história e a realidade,
porém, não nos autoriza a recorrer a tamanho engano. Quando olhamos milhões de
pessoas indo às urnas votarem por sufrágio universal, ou mesmo sua organização
em vários movimentos coletivos, logo percebemos que, ao contrário de se
concentrar, o poder nas mãos da burguesia se enfraqueceu, vindo a se distribuir
por toda a sociedade em forma de instituições que hoje caracterizam nossa
democracia moderna.
Muitos podem dizer que o funcionamento
institucional dela favorece aos poderosos, e isto é verdade. Mas seria um
imenso equívoco ignorar que as classes subalternas conquistaram significativos
avanços por dentro dos órgãos que dão hoje vida a nosso modelo político. O fato
é que as lutas populares obrigaram as classes dominantes a recuarem, e cederem assim
espaços para a penetração das demandas dos trabalhadores para dentro do Estado,
que deixou de ser, como dizia Marx “um comitê executivo das classes dominantes”
para se tornar “condensação da correlação de forças na sociedade” nas palavras
de Poulantzas.
Ainda que todo nosso aparato
democrático moderno tenha surgido embrionariamente a partir das revoluções
burguesas, deve-se observar que ele só se firmou graças a atuação contínua das
classes trabalhadoras. E mesmo que as
formas concretas da democracia atual tenham se consolidado nos quadros do
sistema capitalista, é de bom senso defender que elas se mantenham numa futura
sociedade socialista. Assim como Marx preveu as bases materiais do socialismo construídas
a partir da dinâmica do próprio capitalismo, da mesma forma uma nova hegemonia
política dos trabalhadores aparecerá em meio às instituições que suas próprias
lutas fizeram florescer no antigo regime.
Uma esquerda moderna não deve
se seduzir por olhares ortodoxos e sectários do atual quadro democrático. Deve permanecer
revolucionária, mas comprometida radicalmente com o Estado de direito e suas
instituições, que darão garantia a expressão livre dos vários sujeitos
individuais e coletivos em um novo e possível formato de sociedade (o
socialismo), que ainda que mais homogêneo, certamente guardará suas
contradições.
Deve-se defender, como mostrava
um dos últimos documentos do Partido Comunista Italiano, que a democracia é o
caminho do socialismo, e não simplesmente caminho para o socialismo.
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