quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Socialismo e a questão democrática

Por Adelson Vidal Alves



Permanece vivo nos dias atuais o debate quanto ao valor universal da democracia, introduzido de forma original em nosso país pelo filósofo Carlos Nelson Coutinho.  Em seu artigo de 1979, Coutinho defendia que a democracia não deveria ser descartada quando chegado o socialismo, pelo contrário, seria por ela e com ela que a nova ordem social seria erguida. Naquele momento o filósofo recebeu fortes críticas, tanto pela esquerda (com os chamados marxistas-leninistas) como pela direita (ditadura militar). Os primeiros, ainda que com menos força, se conservam atualmente, reproduzindo a velha tese de que nossa atual democracia é tão somente uma fachada da ditadura da burguesia.

A história e a realidade, porém, não nos autoriza a recorrer a tamanho engano. Quando olhamos milhões de pessoas indo às urnas votarem por sufrágio universal, ou mesmo sua organização em vários movimentos coletivos, logo percebemos que, ao contrário de se concentrar, o poder nas mãos da burguesia se enfraqueceu, vindo a se distribuir por toda a sociedade em forma de instituições que hoje caracterizam nossa democracia moderna.

Muitos podem dizer que o funcionamento institucional dela favorece aos poderosos, e isto é verdade. Mas seria um imenso equívoco ignorar que as classes subalternas conquistaram significativos avanços por dentro dos órgãos que dão hoje vida a nosso modelo político. O fato é que as lutas populares obrigaram as classes dominantes a recuarem, e cederem assim espaços para a penetração das demandas dos trabalhadores para dentro do Estado, que deixou de ser, como dizia Marx “um comitê executivo das classes dominantes” para se tornar “condensação da correlação de forças na sociedade” nas palavras de Poulantzas.

Ainda que todo nosso aparato democrático moderno tenha surgido embrionariamente a partir das revoluções burguesas, deve-se observar que ele só se firmou graças a atuação contínua das classes trabalhadoras.  E mesmo que as formas concretas da democracia atual tenham se consolidado nos quadros do sistema capitalista, é de bom senso defender que elas se mantenham numa futura sociedade socialista. Assim como Marx preveu as bases materiais do socialismo construídas a partir da dinâmica do próprio capitalismo, da mesma forma uma nova hegemonia política dos trabalhadores aparecerá em meio às instituições que suas próprias lutas fizeram florescer no antigo regime.

Uma esquerda moderna não deve se seduzir por olhares ortodoxos e sectários do atual quadro democrático. Deve permanecer revolucionária, mas comprometida radicalmente com o Estado de direito e suas instituições, que darão garantia a expressão livre dos vários sujeitos individuais e coletivos em um novo e possível formato de sociedade (o socialismo), que ainda que mais homogêneo, certamente guardará suas contradições.

Deve-se defender, como mostrava um dos últimos documentos do Partido Comunista Italiano, que a democracia é o caminho do socialismo, e não simplesmente caminho para o socialismo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário