Por Adelson Vidal Alves
A história das lutas sociais
brasileiras que nos conduziram lentamente a regimes democráticos, ainda que com
oscilações históricas, contou ativamente com a presença dos grupos subalternos,
sem que, no entanto, ocupassem espaços diretivos e organizativos nos processos
de transição do poder. Desde a revolução de 30 até a redemocratização de 1985,
os extratos sociais de cima, particularmente as burguesias industriais e
agrárias, assumiram os rumos conservadores da modernização do Brasil, ainda que
fazendo concessões as pressões que vinham de baixo.
A década de 1980, que viu a
emergência de uma robusta e plural sociedade civil em nosso país, foi o terreno
histórico pelo qual moldamos institucionalmente nossa democracia moderna. O
aparecimento de atores coletivos como a CUT, o MST e o próprio PT, deram os
contornos populares que integraram nossa redemocratização, consagrada na
Constituinte de 1988. Hoje a democracia brasileira, a partir de sua carta constitucional
avançada, nós dá campo de atuação política em profundo respeito a diversidade
de organizações voluntárias dos vários atores políticos. Temos, assim, um
regime estável para que se trave, no âmbito das instituições, uma disputa
política relativamente equilibrada entre as várias frações de classe que
compõem a sociedade brasileira.
Contudo, a democracia não se
resume a instituições estatais, estas são conduzidas por homens, e são reflexos
da disputa hegemônica que se trava na sociedade civil. Se no Brasil o jogo democrático
tem segurança institucional, por outro lado não está isento de elementos
autoritários que se inseriram e permanecem insistentemente em nossa cultura, graças
a “via prussiana” que nos trouxe a contemporaneidade.
Neste aspecto, impossível
desprezar a realidade autoritária em nosso país. A emissão excessiva de medidas
provisórias, o apreço popular pelo executivo e um certo desdém pelo
legislativo, logo nos mostram uma cultura que entrega ao “Estado executor” as
responsabilidades para com os problemas públicos, ignorando a complexidade que
exige a relação dos poderes. Estes, que por sua vez, dialogam em imensos
balcões de negócios, regados a compra de parlamentares, seja para uma PEC de
reeleição, seja para aprovação de projetos de interesses corporativos. As
instituições são sólidas, e ganham consenso para funcionamento frente ao nosso
contrato social, mas sua lógica de ação responde por uma cultura autoritária
enraizada a partir de nosso “prussianismo”.
A cultura democrática é frágil.
Isto por conta de estarmos dentro de um modo de produção que bloqueia relações
solidárias entre as pessoas, sobrevivendo a custa de um individualismo
selvagem. Porém, há de fugirmos do economicismo, e nos responsabilizarmos pela atuação
livre não só dos agentes do Estado, como também os que compõem nossa sociedade
civil. A recepção da blogueira dissidente cubana, Yoani Sánchez, por parte de
nossa esquerda, deu um reduzido cartão de visita a jornalista, que testemunhou
o enraizamento autoritário em setores de nossa esquerda, que clamaram por
democracia em outros tempos de chumbo, mas hoje sentem-se a vontade para
impedir as vozes que falam ao contrário de seus dogmas.
Até mesmo a consolidação de um amplo setor de
mobilização das chamadas “minorias”, vem se dando ao custo de glorificar o “politicamente
correto” com o dedo em riste a quem discorda legitimamente de suas reivindicações.
É perceptível que o movimento negro tente rotular seus adversários de pauta, nos
mais grosseiros adjetivos, a fim de colocá-los na incômoda situação de “inimigos
da justiça aos afrodescendentes”. Já os homoafetivos, adotam agora a tática de
mexer no bolso de seus discordantes, seja com processos bizarros de homofobia,
seja para cassar direitos profissionais, como o recente caso do Pastor
Malafaia, um visível conservador moralista, mas com um discurso afinado com os
preceitos legais da liberdade de expressão.
Uma esquerda democrática, que
se pretenda moderna, deve estar atenta a todos os recuos institucionais que por
acaso nossa frágil cultura democrática apresente. Como já nos ensinava Gramsci,
há de se lutar por uma “Reforma moral e Intelectual” em nossa sociedade,
pressuposto indispensável para que o funcionamento de nosso modelo societal
ganhe forma civilizatória e amplamente democrática. O campo para se travar esta
luta é a Sociedade Civil, de onde se modelam visões de mundo hegemônicas, pelo
qual se pretendem universais e fundadoras de uma outra ordem social, no qual a
democracia encontrará sua forma plena.
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