quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Cultura democrática



Por Adelson Vidal Alves

A história das lutas sociais brasileiras que nos conduziram lentamente a regimes democráticos, ainda que com oscilações históricas, contou ativamente com a presença dos grupos subalternos, sem que, no entanto, ocupassem espaços diretivos e organizativos nos processos de transição do poder. Desde a revolução de 30 até a redemocratização de 1985, os extratos sociais de cima, particularmente as burguesias industriais e agrárias, assumiram os rumos conservadores da modernização do Brasil, ainda que fazendo concessões as pressões que vinham de baixo.

A década de 1980, que viu a emergência de uma robusta e plural sociedade civil em nosso país, foi o terreno histórico pelo qual moldamos institucionalmente nossa democracia moderna. O aparecimento de atores coletivos como a CUT, o MST e o próprio PT, deram os contornos populares que integraram nossa redemocratização, consagrada na Constituinte de 1988. Hoje a democracia brasileira, a partir de sua carta constitucional avançada, nós dá campo de atuação política em profundo respeito a diversidade de organizações voluntárias dos vários atores políticos. Temos, assim, um regime estável para que se trave, no âmbito das instituições, uma disputa política relativamente equilibrada entre as várias frações de classe que compõem a sociedade brasileira.

Contudo, a democracia não se resume a instituições estatais, estas são conduzidas por homens, e são reflexos da disputa hegemônica que se trava na sociedade civil. Se no Brasil o jogo democrático tem segurança institucional, por outro lado não está isento de elementos autoritários que se inseriram e permanecem insistentemente em nossa cultura, graças a “via prussiana” que nos trouxe a contemporaneidade.

Neste aspecto, impossível desprezar a realidade autoritária em nosso país. A emissão excessiva de medidas provisórias, o apreço popular pelo executivo e um certo desdém pelo legislativo, logo nos mostram uma cultura que entrega ao “Estado executor” as responsabilidades para com os problemas públicos, ignorando a complexidade que exige a relação dos poderes. Estes, que por sua vez, dialogam em imensos balcões de negócios, regados a compra de parlamentares, seja para uma PEC de reeleição, seja para aprovação de projetos de interesses corporativos. As instituições são sólidas, e ganham consenso para funcionamento frente ao nosso contrato social, mas sua lógica de ação responde por uma cultura autoritária enraizada a partir de nosso “prussianismo”.

A cultura democrática é frágil. Isto por conta de estarmos dentro de um modo de produção que bloqueia relações solidárias entre as pessoas, sobrevivendo a custa de um individualismo selvagem. Porém, há de fugirmos do economicismo, e nos responsabilizarmos pela atuação livre não só dos agentes do Estado, como também os que compõem nossa sociedade civil. A recepção da blogueira dissidente cubana, Yoani Sánchez, por parte de nossa esquerda, deu um reduzido cartão de visita a jornalista, que testemunhou o enraizamento autoritário em setores de nossa esquerda, que clamaram por democracia em outros tempos de chumbo, mas hoje sentem-se a vontade para impedir as vozes que falam ao contrário de seus dogmas.
  
Até mesmo a consolidação de um amplo setor de mobilização das chamadas “minorias”, vem se dando ao custo de glorificar o “politicamente correto” com o dedo em riste a quem discorda legitimamente de suas reivindicações. É perceptível que o movimento negro tente rotular seus adversários de pauta, nos mais grosseiros adjetivos, a fim de colocá-los na incômoda situação de “inimigos da justiça aos afrodescendentes”. Já os homoafetivos, adotam agora a tática de mexer no bolso de seus discordantes, seja com processos bizarros de homofobia, seja para cassar direitos profissionais, como o recente caso do Pastor Malafaia, um visível conservador moralista, mas com um discurso afinado com os preceitos legais da liberdade de expressão.

Uma esquerda democrática, que se pretenda moderna, deve estar atenta a todos os recuos institucionais que por acaso nossa frágil cultura democrática apresente. Como já nos ensinava Gramsci, há de se lutar por uma “Reforma moral e Intelectual” em nossa sociedade, pressuposto indispensável para que o funcionamento de nosso modelo societal ganhe forma civilizatória e amplamente democrática. O campo para se travar esta luta é a Sociedade Civil, de onde se modelam visões de mundo hegemônicas, pelo qual se pretendem universais e fundadoras de uma outra ordem social, no qual a democracia encontrará sua forma plena.

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