terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Cultura sem povo


Por Adelson Vidal Alves

Falta uma identidade de concepção de mundo entre escritores e povo, ou seja, os sentimentos populares não são vividos como próprios pelos escritores, nem os escritores desempenham uma função educadora nacional , isto é, não se colocaram e não se colocam o problema de elaborar os sentimentos populares após tê-los revivido e dele se apropriado.

(Antônio Gramsci)

O processo de transição brasileira para a modernidade capitalista se caracterizou por arranjos “por cima”, estabelecidos pelas classes dominantes e com restritas concessões aos setores subalternos. O não protagonismo dos “de baixo” nos herdou uma realidade social e política extremamente autoritária, já que além de conservar as estruturas de dominação, fortaleciam um estado dominador e enfraquecia a sociedade civil.

Mesmo nos dias de hoje, aonde nossa democracia vem se consolidando cada vez mais nos marcos institucionais, ainda sim é possível ver ações antidemocráticas no campo da política, como as excessivas medidas provisórias e nas relações comerciais entre os poderes republicanos.

Mas o que quero abordar neste curto artigo é a relação entre o fenômeno citado, que Gramsci chamou de “revolução passiva”, com a produção cada vez mais evidente de escritores, artistas e intelectuais sem nenhum vínculo com as bases populares de nossa sociedade. São todos produtores de uma arte que descreve um povo a partir dos olhares das elites, completamente divorciados de sua realidade social, e totalmente desconectados com a dor das camadas de baixo e dos interesses nacionais. A história da cultura e intelectualidade brasileira é a história da rejeição do “nacional popular”.

A questão começa a ser desvendada na medida em que nossas revoluções passivas (Independência, abolição, República, Revolução de 30 e etc) se produziram em meio a cooptação de nossa intelectualidade, dentro de um fenômeno que o teórico italiano denominou “transformismo”. Salvo exceções gloriosas como Graciliano Ramos e Lima Barreto (este só conheço superficialmente), que desenvolveram uma produção literária conectada com a dor dos oprimidos de nossa nação, nossos intelectuais desembocaram para a burocracia estatal, e fazem arte como “castas hierárquicas” para além do povo e sua vida social.

O agravante, abusando das categorias gramscianas, está no fato de que esta atuação cultural, situada no campo da sociedade civil, acaba por fortalecer a hegemonia dos grupos dominantes, já que falta a elevação da criticidade popular, que seria possível por meio de um casamento estável entre o povo e os intelectuais.

Nos dias de hoje poderíamos selecionar artistas, poetas, escritores, músicos e intelectuais que de alguma forma ainda tentam articular uma cultura “Nacional-Popular”, comprometida na construção de novas vontades coletivas transformadoras. Mas o predomínio fica por conta daqueles que não conseguiram romper com os rumos de nossa história, e seguem distanciados de seu chão, optando por uma arte elitista com significativa dependência do Estado.

Fazer cultura não é o simples exercício de uma criatividade inata, é antes tudo trabalhar dialeticamente sob a realidade histórica em que se vive, como nos ensinava Lukács. É sobretudo estar inserido dentro de uma disputa de visão de mundo, onde as classes proprietárias tentam usar de seus "intelectuais orgânicos” para formar consensos no campo da moral, e as classes trabalhadoras se esforçam no mesmo sentido.

O surgimento de artistas e intelectuais que vivem a cultura em diálogo com os problemas de seu povo e nação é condição indispensável para o advento de outra ordem social. O caminho, porém, parece ser longo.

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