Por Adelson Vidal Alves
Falta uma identidade de
concepção de mundo entre escritores e povo, ou seja, os sentimentos populares
não são vividos como próprios pelos escritores, nem os escritores desempenham
uma função educadora nacional , isto é, não se colocaram e não se colocam o
problema de elaborar os sentimentos populares após tê-los revivido e dele se apropriado.
(Antônio Gramsci)
O processo de transição
brasileira para a modernidade capitalista se caracterizou por arranjos “por
cima”, estabelecidos pelas classes dominantes e com restritas concessões aos
setores subalternos. O não protagonismo dos “de baixo” nos herdou uma realidade
social e política extremamente autoritária, já que além de conservar as estruturas
de dominação, fortaleciam um estado dominador e enfraquecia a sociedade civil.
Mesmo nos dias de hoje, aonde
nossa democracia vem se consolidando cada vez mais nos marcos institucionais, ainda
sim é possível ver ações antidemocráticas no campo da política, como as
excessivas medidas provisórias e nas relações comerciais entre os poderes
republicanos.
Mas o que quero abordar neste
curto artigo é a relação entre o fenômeno citado, que Gramsci chamou de “revolução passiva”, com a produção cada vez mais evidente de escritores, artistas e intelectuais
sem nenhum vínculo com as bases populares de nossa sociedade. São todos
produtores de uma arte que descreve um povo a partir dos olhares das elites,
completamente divorciados de sua realidade social, e totalmente desconectados
com a dor das camadas de baixo e dos interesses nacionais. A história da
cultura e intelectualidade brasileira é a história da rejeição do “nacional popular”.
A questão começa a ser
desvendada na medida em que nossas revoluções passivas (Independência,
abolição, República, Revolução de 30 e etc) se produziram em meio a cooptação
de nossa intelectualidade, dentro de um fenômeno que o teórico italiano
denominou “transformismo”. Salvo exceções gloriosas como Graciliano Ramos e
Lima Barreto (este só conheço superficialmente), que desenvolveram uma produção
literária conectada com a dor dos oprimidos de nossa nação, nossos intelectuais
desembocaram para a burocracia estatal, e fazem arte como “castas hierárquicas”
para além do povo e sua vida social.
O agravante, abusando das
categorias gramscianas, está no fato de que esta atuação cultural, situada no
campo da sociedade civil, acaba por fortalecer a hegemonia dos grupos
dominantes, já que falta a elevação da criticidade popular, que seria possível
por meio de um casamento estável entre o povo e os intelectuais.
Nos dias de hoje poderíamos
selecionar artistas, poetas, escritores, músicos e intelectuais que de alguma
forma ainda tentam articular uma cultura “Nacional-Popular”, comprometida na
construção de novas vontades coletivas transformadoras. Mas o predomínio fica
por conta daqueles que não conseguiram romper com os rumos de nossa história, e
seguem distanciados de seu chão, optando por uma arte elitista com significativa dependência do Estado.
Fazer cultura não é o simples
exercício de uma criatividade inata, é antes tudo trabalhar dialeticamente sob
a realidade histórica em que se vive, como nos ensinava Lukács. É sobretudo
estar inserido dentro de uma disputa de visão de mundo, onde as classes
proprietárias tentam usar de seus "intelectuais orgânicos” para formar
consensos no campo da moral, e as classes trabalhadoras se esforçam no mesmo
sentido.
O surgimento de artistas e intelectuais que vivem a cultura em diálogo com os problemas de seu povo e nação é condição indispensável para o advento de outra ordem social. O caminho, porém, parece ser longo.
O surgimento de artistas e intelectuais que vivem a cultura em diálogo com os problemas de seu povo e nação é condição indispensável para o advento de outra ordem social. O caminho, porém, parece ser longo.
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