sábado, 10 de novembro de 2012

ONGs, as filhas do neoliberalismo

Por Adelson Vidal Alves
  
O neoliberalismo alimenta essa idéia de que “temos de criar um terceiro setor”, como se a sociedade civil fosse alguma coisa situada para além do Estado e do mercado. Não é. Sociedade civil é Estado, é política.

Carlos Nelson Coutinho, filósofo

 

O neoliberalismo é um sistema de pensamento que se caracteriza pela defesa de um Estado menor, que interfira minimamente na vida dos indivíduos, que acredita na auto-regulação dos mercados livres e no desenvolvimento da sociedade pelo meio da competição. A América Latina foi palco e laboratório das principais experiências de governos neoliberais na década de 1990. Ainda hoje, mesmo com ascenção ao governo de um partido que adotava a crítica ao pensamento neoliberal, o Brasil segue mantendo intactos inteiras estruturas de funcionamento neoliberal na sociedade.

As ONGs (Organizações Não Governamentais) são filhas legítimas do sistema neoliberal, ao lado de Agências Reguladoras e Fundações de parceria entre poder público e capital privado. A maioria das pessoas que recorrem ao chamado terceiro setor, são pessoas de ótima índole, preocupados que estão com o abandono por parte dos governos a segmentos inteiros descobertos de proteção social. Existem ONGs de defesa dos direitos dos idosos, de pessoas com deficiências, de proteção aos direitos animais, de valorização da cultura etc. De modo que o que se coloca em questão neste artigo não é o caráter da maior parte dos dirigentes dessas organizações, mas sim a lógica de funcionamento desse setor, assim como sua existência e consequente comprovação da ausência do Estado no cuidado com a população.

Interessa ao neoliberalismo que cada vez mais ONGs apareçam, que as responsabilidades do Estado sejam distribuidas ao que se considera esfera não estatal. Tenta-se passar a falsa idéia que o terceito setor é um espaço despolitizado, apartidário e neutro nas contradições que pipocam na sociedade capitalista. 

Bem nos ensinou Gramsci, que a Sociedade Civil não é um ambiente morno, de harmonia entre os agentes que a compõe. Ao contrário. Para o teórico italiano, a Sociedade Civil é espaço de intenso confronto de valores e visões de mundo ligados a interesses de classe. E mais: Gramsci insistiu que a Sociedade Civil é um espaço estatal, já que permanece ali visíveis relações poder, pelo qual interferem nos rumos de conservação ou alteração de uma ordem social.

No que diz respeito as ONGs, podemos perceber que muitas delas estão deslocadas para o campo da esquerda, lutando pela Reforma Agrária, defendendo direitos indigenas ou trabalhando pela igualdade de direitos aos homoafetivos. Contudo, existem ONGs que representam interesses imperialistas, que trabalham pela expansão do agronegócio e fomentam valores conservadores, como o de defesa da propriedade privada. Fica claro que o terceiro setor não está para além do Estado e da política, mas inserido dentro das contradições de uma sociedade de classes.

Por fim, há que se corrigir uma grande injustiça do senso comum. Há quem diga que ONGs são instrumentos de corrupção, coisa de gente que quer se enriquecer com dinheiro público. Reintero que a maiorias das pessoas envolvidas no terceiro setor são pessoas comprometidas com uma causa nobre, entretanto, a lógica do finaciamento dessas, em grande parte contando com participação do Estado, coloca-se em risco a transparência das mesmas. Seria aconselhável que tais instituições conseguissem sua sobrevivência sem ajuda do Estado, o que, reconheço, é algo muito dificil.

O fato é que a existência do terceiro setor faz parte de uma concepção neoliberal de política, e como tal deve desaparecer. Para isso o Estado e suas instituições devem assumir seu compromisso com a sociedade, particularmente com os desprotegidos socialmente.


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