quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Esquerda e civismo

Por Adelson Vidal Alves



Em missa realizada em São Paulo por ocasião do aniversário da cidade, o prefeito Fernando Haddad, enquanto concedia uma entrevista, era hostilizado por ativistas, chegando a ser atingido por uma garrafa pet. Já o governador Geraldo Alckmin teve que sair pelos fundos da igreja para não ser agredido. Os agressores seriam membros do MPL (Movimento Passe Livre), que vem organizando uma série de manifestações contra o aumento das tarifas de transporte, algumas delas terminando em violência e depredação do patrimônio público.

Em Porto Alegre, enquanto falava a imprensa, o polêmico deputado Jair Bolsonaro era xingado de fascista e homofóbico, com direito a levar um banho de purpurina. Os “manifestantes” participam do Levante Popular da Juventude.

Os casos acima ilustram o comportamento autoritário e truculento que parte de nossa esquerda elegeu como estratégia de luta. Tanta agressividade seria, segundo tais movimentos, “reação dos oprimidos” contra a violência dos opressores. Neste caso, suas verdades e opiniões devem ser impostas pelo grito, pela violência e pela desmoralização, em nome da justiça. Para se chegar a um mundo melhor valeria tudo, do desrespeito público a autoridades constituídas a atos de agressão física e verbal.

Uma esquerda assim não conhece os valores do civismo, da necessidade de se comportar nos limites constitucionais e democráticos. Rejeitam a via pacífica que oferece as instituições, o caminho seguro para que encaminhemos soluções coletivas sem que a ordem seja sabotada. Ao contrário, enxergam a democracia como sendo “burguesa”, com cartas marcadas e a serviço dos ricos. Desconsideram, em absoluto, que o valor da democracia é universal, conquista da civilização e sem roupagem de classe.

O que se espera para nosso tempo é uma esquerda moderna, obediente às leis, inserida no aparelho democrático do Estado de direito, que se guie pela busca constante de consensos, obtidos pelo diálogo persistente entre os vários atores sociais, representados no Estado e participantes da sociedade organizada.


Não se pode esperar vencer as injustiças com violência, e nem a intolerância com mais intolerância. A radicalização só serve para intensificar tensões, provocar ânimos, animar o ódio de alguns. Insistir por esta via é mais do que sinal de atraso, mas de apoio à barbárie. 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

O fim da era Neto

Por Adelson Vidal Alves



A democracia proporciona a saudável alternância de poderes. Nem mesmo os mais carismáticos líderes conseguem sobreviver ao tempo na medida em que tudo se esgota, há uma espécie de desgaste natural de toda forma de governança. Em Volta Redonda, depois de tantas previsões apocalípticas, parece que a era Neto chegou ao fim.

Os sinais do fim vem de seu próprio governo, inerte, sem criatividade, preso a paradigmas ultrapassados, distante do povo, imerso numa crise administrativa e cercado de gente que não tem mínima vocação de governo. Mas sempre foi assim, dirão alguns, e talvez estejam certos. A diferença é que, antes, a figura de Neto, bom gestor, competente, fazedor de obras, se exauriu em meio ao esgotamento de um ciclo de governo onde a urbanização e o aperfeiçoamento e modernização de variados setores da gestão pública deram certo. Hoje, a exigência de criatividade e renovação não foi cumprida pelo prefeito, que se comprometeu a mudar e não mudou.

O vácuo político que se abre, no entanto, não será preenchido automaticamente. É preciso fazer política. Os adversários vão precisar elaborar uma alternativa que convença a população, com um programa de governo que atenda as principais demandas do município. Não me parece que tais saídas venham de uma oposição radical, ninguém quer uma mudança total, o sentimento é de uma “renovação conservadora” se me permitem usar este termo aparentemente híbrido. Mas o que quero dizer, é que o grande vencedor será aquele que buscar uma espécie de “terceira via”, ou uma “oposição moderada”, que não jogue tudo o que foi feito fora, mas que se proponha a avançar.

Penso que algumas bandeiras devem ser levantadas: a criação de um novo PCCS para os servidores públicos, uma reforma administrativa que elimine, pelo menos, 50% dos cargos comissionados. Algumas secretarias, criadas para serem usadas no balcão de negócios, devem ser desativadas, caso da inexplicável secretaria de desenvolvimento econômico. A retomada de projetos que permitam o primeiro atendimento médico, com valorização dos profissionais; a realização de concursos para as áreas técnicas ocupadas por cargos comissionados; investimento na saúde de acordo com a Constituição; a reorganização do espaço escolar com a diminuição do número de alunos; um auditoria independente nas contas da prefeitura, de modo a reconhecer a real situação econômica do município, valorização dos conselhos municipais, uma renovação no programa Orçamento participativo; e a elaboração séria de uma política cultural para a cidade.


São bandeiras básicas de qualquer candidato que se pretenda substituir Neto com um viés democrático e responsável. A cidade aguarda ansiosa quem de fato terá condições de assumir essas e tantas outras bandeiras. 

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

No carnaval de Volta Redonda, o povo dançou

Por Adelson Vidal Alves



O antropólogo Roberto da Matta, em seu clássico “Carnavais, malandros e heróis”, fez bem a separação entre o carnaval de rua e o carnaval privado. Escreveu ele : “Na rua, o carnaval assume, sobretudo, a forma de encontro aberto (...) ao passo que, nos clubes, se trata de um ambiente mais bem marcado (...) dominados pelo plano econômico”. Pois bem, em Volta Redonda, sob a direção da secretária de cultura Rosane Gonçalves, o carnaval deverá ser “privatizado”. Sim, pois a prefeitura, desde os anos anteriores, quando negou aos blocos de rua serpentinas e outros artefatos carnavalescos com a desculpa ridícula de evitar “sujeira”, vem retirando da maior festa popular do planeta seu caráter popular.

Em reunião dentro de uma boate de Volta Redonda, alguns blocos foram comunicados das regras burocráticas estabelecidas como condição para saírem em seus respectivos bairros. Regras, na maior parte dos casos, quase impossíveis de serem cumpridas à risca. A desculpa da vez? Motivos de segurança. A saída “genial” (com aspas e ironia) encontrada pela secretária de cultura será aglutinar todos os blocos na Ilha São João, em uma festa sob vigilância institucional e com todo o caráter popular das ruas descaracterizado. Quem sabe um Monobloco ou uma Preta Gil apareça por lá para dar glamour à festa, que será minguada pela ausência das tradições de rua, das inversões de valores e do descumprimento tolerável de algumas regras formais? Os foliões serão vigiados pelo cassetete da Polícia e pelos fiscais da secretaria. A cerveja e as bebidas? Bem, isso vai depender da marca que vencer a licitação, que de quebra, vai monopolizar o consumo. Para ficar pior, só mesmo cobrando entrada.

As consequências de tanta burocratização podem ser as piores. A descaracterização já é uma realidade, mas há de se temer que a rebeldia popular resolva enfrentar as regras e organizar eventos clandestinos, aí sim, com todo o risco de violência e outros incidentes. A verdade é que no carnaval, o povo dançou. E dançou por culpa de uma secretária de cultura que não sabe nada de cultura e que conta com o apoio persistente do prefeito Neto, que não será perdoado pelo dia em que a nomeou.


segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

As lições do Jesus histórico

Por Adelson Vidal Alves



Como todos sabem, sou agnóstico (tenho dúvidas sobre Deus ainda que não negue categoricamente sua existência), sendo assim, não me interesso pelo o Jesus “Cristo”, o divino construído teologicamente durante os séculos, mas sempre fui curioso quanto à vida histórica do homem no qual seu nome direciona a vida de milhões de pessoas em todo mundo. Qual foi sua mensagem, seu estilo de vida, sua pregação e seus sonhos.

Neste aspecto, ainda que com pouquíssimas fontes fora dos evangelhos, os historiadores começam a estabelecer consenso sobre o Jesus da Palestina do século I. Para isso, os pesquisadores tentam separar o que da bíblia podemos afirmar como sendo histórico, ou com alguma marca histórica, e o que é produção de fé. Faz-se isso confrontando os textos com fontes arqueológicas e filológicas que vão se encontrando nos últimos anos.

De cara, descartamos o Cristo que prevalece entre as igrejas eletrônicas, aquelas da teologia da prosperidade. Ele nasceu pobre, em uma pequena região de 400 habitantes chamada Nazaré, não recebeu presentes no seu nascimento, veio de uma família com poucos recursos, seguiu o trabalho rude de seu pai, como operário ou camponês (talvez as duas coisas), foi judeu e jamais pretendeu fundar uma nova religião, morreu por uma sentença política devido a sua práxis, e ao invés de aceitar sua morte como expiação pelos pecados da humanidade, fugiu dela, e tentou evitá-la ao máximo.

Em sua mensagem, o Jesus histórico toma lado politicamente: o dos pobres e marginalizados. Os marginalizados inclui as mulheres, leprosos (vistos muito mais que doentes, mas como amaldiçoados) escravos, e provavelmente gays. Jamais enxergou em Deus a obrigação da prosperidade para com seus fiéis, ao contrário, direcionou críticas fortes aos ricos, por saber que a riqueza deles produz a pobreza de tantos. Contra isso, colocou os pobres no topo das bem aventuranças.

Jesus era um milenarista, isto é, acreditava no fim iminente do mundo, na construção do Reino de Deus na terra, com o triunfo da justiça contra o modelo de dominação romana e das elites judaicas. Por isso pregou a solidariedade, o amor ao próximo, sobretudo aos menores, combateu a inveja, a avareza e a soberba, o salvo, segundo Jesus, deveria ser humilde.


Este Jesus, despido das mágicas, milagres e feitos grandiosos, é lembrado pouco, mesmo nas festas que carregam seu nome. Mas ele, a exemplo de tantos outros homens que andaram por esse solo, trouxe uma mensagem libertadora. Se os cristãos a seguissem, certamente teríamos um mundo melhor.