terça-feira, 4 de março de 2014

O mercado e as Políticas Públicas de Cultura

Por Adelson Vidal Alves

 
Zigmund Bauman, sociólogo polonês, define a cultura, em tempos líquidos modernos, como sendo uma ferramenta de sedução na sociedade de consumidores, uma espécie de mecanismo de tentação para não deixar os clientes, compradores de produtos culturais, satisfeitos com o que tem. Sua função seria despertar continuamente desejos, obrigar o consumo de mercadorias culturais, descartáveis rapidamente. Cultura e moda estariam no mesmo barco.

Theodor Adorno, teórico alemão da Escola de Frankurt, desenvolveu o conceito de Indústria Cultural. Segundo ele, a criação cultural serve a um conjunto de regras dispostas a padronizar a produção de bens culturais, que em geral seriam praticamente iguais. São fabricados como se fabrica latas de salsichas, e são vendidos no mercado sem mostrarem muitas diferenças entre si, já que a Indústria Cultural impede a criatividade e a dimensão crítica da cultura. Tudo que se produz responde por um padrão que consagra o consagrado e sufoca novidades. Tanto Adorno quanto Bauman pensam cultura ao lado do mercado.

Já Antônio Gramsci, um italiano que foi filiado ao movimento do “comunismo histórico”, admirador da revolução russa e dirigente partidário, a cultura pode ter funções distintas, dependendo a que grupo hegemônico ela serve. Pode modificar estruturas, criar um mundo novo, inclusive sem mercados, mas, pode também, consolidar uma ordem existente, alienadora e opressora. Para Gramsci, a cultura é o elemento principal de preocupação dos revolucionários. Sem que esta esteja do lado dos socialistas, seria impossível vencer o capitalismo, motivo pelo qual insistiu tanto numa “reforma moral e intelectual da sociedade”.

Os três autores estão inseridos num amplo debate sobre o conceito de cultura e sua importância no mundo moderno. O resultado deste debate serve para orientar o papel da cultura em nossos dias, se é que ela tem um papel. Serve também para discutirmos em que momento faz sentido falarmos de uma “Política pública de Cultura”, isto é, da participação do Estado no ambiente de produção cultural.

Neste aspecto, é de bom grado recordarmos a origem do termo “cultura” e as primeiras tentativas de usá-la para finalidades de orientação governamental. As primeiras citações da palavra faziam referência a prática da agricultura. O ato de semear solos inférteis e fazer deles grandes jardins, brotando flores, árvores e frutos, serviriam como metáfora para o papel da cultura, que seria o de fazer ambientes toscos e ignorantes, lugares de educação mais sofisticada. Os intelectuais, “homens de cultura”, seriam àqueles que ensinariam às massas  a evolução para níveis mais elevados de civilidade. Por conta disso, governos lançavam mão de políticas de cultura que favorecessem o que eles consideravam “cultura superior” que, no fundo, abria caminho para a construção e solidificação da nação e do Estado-Nação Moderno.

O histórico do conceito de cultura, assim como o de políticas públicas, pouco ilumina os desafios de nosso mundo moderno, mergulhado em mercado, consumo e lucro. Um dos desafios, entre tantos, no atual momento, é pensar as relações Estado-Cultura-mercado, em todas as ordens.

Todavia, o Estado não é uma entidade metafísica. Está sujeita a interferência da política, em suas variações que vão de acordo com a visão de mundo que o ocupa hegemonicamente. No nosso caso, a proposta é pensar uma Política Pública de cultura que atenda o moderno Estado democrático de direito. Uma política guiada pela democracia como valor civilizatório e universal.

É aqui que devemos perguntar: qual deve ser a política de cultura adequada para um Estado de direito dirigido por forças democráticas?

Pensei, influenciado por Bauman, Adorno, Gramsci e outros, em quatro diretrizes mínimas que devem orientar tal política:

1.    Cultura engloba quase todo o comportamento humano. De modo que, se o Estado se propor a financiar todas as atividades que se auto definam “cultura”, seu trabalho será inviabilizado. Desta forma, deve-se definir o conceito de cultura, retirando deste qualquer tipo de iniciativa interesseira e que não contemple o interesse público.

2.    É dever do Estado fornecer bases materiais para o desenvolvimento da produção cultural, não apenas financiando artistas consagrados, mas fomentando a criação,  através de saraus, centros culturais, oficinas etc, sobretudo nos setores mais pobres, onde as pessoas tem dificuldades em dividir seu tempo entre cultura e o ganha pão.

3.    O Estado precisa proteger o artista do mercado. Os recursos públicos devem servir como barreira entre a produção autônoma do artista e o mercado. Deve fornecer formas de sobrevivência sem que este seja obrigado a transformar sua obra para servir aos interesses dos clientes.

4.    Mesmo que cabendo ao poder público incentivar a criação plural da cultura, sendo vedada sua interferência para um direcionamento com fins de seu interesse, isto não significa que não possa trabalhar, de forma democrática, na articulação com a sociedade civil, com o intuito de promover valores, comportamentos e formas de vida que favoreçam um ambiente cidadão e democrático, que ao invés de fazer da cultura elemento de separação em guetos de tradições culturais diferentes, forneça um espaço para a produção de sínteses culturais universais.

É óbvio que estes quatro pontos não esgotam a temática. Mas me parece claro que os governos tem se recusado a pensar minimamente os fundamentos da sua política. Parecem se contentar com cultura em sua forma circense, no mau sentido da palavra.
 


Um comentário:

  1. Caro Adelson,

    Confesso li de bate pronto tuas considerações sobre o tema, e manifesto o compromisso de volta a ler com acuidade e propor seguirmos discussão adiante/avante. Estou no olho do furacão , finalizando preparativos IV Seminário - Universidade, cultura e Sociedade - nesta edição propondo a discussão sobre Economia Criativa e Politicas Públicas de Cultura - convidei o Américo Cordula que estará presente. vai dar um bom caldo de discussão - acesse o meu blog http://www.iddeiaculturaepesquisa.com - lá tem informações e o link da universidade

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